domingo, 14 de julho de 2013

Democracia e delícias do mar




Como o Pedro estava a atulhar o prato com delícias do mar, chamei-lhe a atenção para a existência de pedaços de lagosta no bufete frio do restaurante de rodízio. Achava preferível que ele se banqueteasse com o verdadeiro produto, que nem todos os dias estava ao seu alcance, em vez de se empanturrar com aqueles baratos sticks de contraplacado, aromatizados com extracto de caranguejo e tingidos de vermelho por fora.
Estávamos a jantar no Chimarrão da Expo, antes de assistirmos ao arranque da Up Tour, dos REM, no Pavilhão Atlântico. Como só tinha 11 anos, o meu filho encarou a sugestão como uma ordem, mas depois de provar a lagosta confessou gostar mais das delícias do mar.
Tem a ver com a maneira como o nosso gosto é educado. O meu filho Pedro estava tão habituado ao sucedâneo que estranhou o paladar do produto. Tem também a ver com o facto de, por norma, nós apenas gostarmos do que já gostamos e querermos o que já quisemos.
Eu próprio, viciado em salmão de aviário - que apenas ganhou a sua cor característica graças à acção de um corante -, temo estranhar o sabor se um dia, numa escala em Anchorage, Alaska, ou algures junto à foz de um rio escocês, me aterrar no prato uma posta de salmão selvagem.
Vem esta deriva gastronómica a propósito do sistema político em que vivemos, a que nos habituamos a chamar democracia, apesar de, bem vistas as coisas, ter tanto a ver com a democracia original como as delícias do mar com a lagosta.
Há bem mais tempo do que seria desejável, os dois pilares em que tradicionalmente assentava a democracia - a igualdade dos cidadãos e a soberania do povo - deixaram de ser observados pelos administradores do regime político vigente, de acordo com a opinião dos mais directamente interessados na matéria: o povo.
Consultada pelo Barómetro da Qualidade da Democracia, uma larga maioria representativa de 59% dos portugueses acusa a Justiça de tratar os cidadãos de maneira diferente, consoante o seu estatuto económico, social e político. Basta recordar o caso Isaltino para ficarmos conversados sobre o princípio da igualdade dos cidadãos.
O mesmo barómetro revela que 78% dos cidadãos acham que os políticos se preocupam apenas com os seus interesses e que as decisões políticas no nosso país favorecem sobretudo os grandes interesses económicos. Ou seja, também estamos conversados sobre o princípio da soberania do povo.
A regeneração do nosso sistema político implica que os governantes encarem o dinheiro público como sagrado e percebam que deve ser o Governo a trabalhar para os cidadãos e não os cidadãos a trabalhar para alimentar o Governo.
A qualificação da nossa democracia exige, ainda, que todos nós tenhamos consciência que o Estado não dá nada, apenas distribui o que recebe de nós, cobrando para si uma gorda comissão que alimenta um anafado aparelho de Estado que não há meio de emagrecer.



Morte aos tolos pessimistas





A fantástica galeria de personagens do Tintin ficou mais rica, em Charutos do Faraó, com a chegada de Oliveira da Figueira, bem disposto comerciante, sempre pronto a oferecer um cálice de Vinho do Porto para agilizar a conversão em cliente e amigo de um novo conhecido.
A facilidade em convencer os outros a comprar-lhe artigos de utilidade duvidosa é a principal característica deste português, a que Hergé recorreu em mais três aventuras (No País do Ouro Negro, Carvão no Porão e Jóias da Castafiore).
Menino para vender ventoinhas as esquimós e aquecedores na Guiné, Oliveira da Figueira simboliza o desenrascanço e o espírito aventureiro que fazem parte do nosso código genético e se revelaram em todo o seu esplendor na empresa dos Descobrimentos e da expansão marítima, em que demos novos mundos a conhecer ao Mundo, enquanto fazíamos negócio com o ouro da Mina e a pimenta da Índia.
Este nosso jeito não desapareceu com o fim do Império e foi ele que, aliado à grande capacidade exportadora da indústria do Norte, poupou o país à bancarrota na dúzia de anos que mediou entre a perda das colónias e a admissão no clube que nos deu dinheiro fácil.
Após 25 anos em que a fonte que jorrava de Bruxelas disfarçou a incompetência da governação, assegurada à vez por PS e PSD, Portugal volta a balouçar à beira do abismo, por culpa de um modelo errado de desenvolvimento que apostou todas as fichas nos serviços e em Lisboa, criou uma abundante classe de corruptos e parasitas (Duarte Lima e Oliveira e Costa são apenas a ponte do iceberg) e negligenciou a agricultura e a indústria, produtoras de bens transaccionáveis.
Um quarto de século volvido, são novamente as PME e o Norte que estão a impedir o país de ir pelo esgoto abaixo. Com três motores (investimento e os consumos público e privado) em desaceleração, as exportações, que no 1.oº trimestre cresceram 11,6%, são o único motor que mantém o avião da nossa economia a voar, creio que na boa trajectória.
Face a este formidável desempenho, os velhos do Restelo preferem chamar a atenção para o abrandamento de Março (em que as exportações cresceram 8,3% face aos 13,5% dos dois primeiros meses), esquecendo-se de referir a grande queda no consumo verificada em Espanha (que absorve 1/4 das nossas vendas externas) e na Alemanha nesse mês em que as importações caíram 10%.
As cassandras catastrofistas acusam Vítor Gaspar de um "optimismo incompreensível" por prever para 2012 um aumento de 3,4% nas exportações, que, recordo, cresceram 11,6% no 1.0º trimestre, e 7,9% no ano passado - uma excelente surpresa face às estimativas de que apenas subissem 2,2%.
Em vez de se entregarem a inúteis exercícios de autoflagelação, os tolos pessimistas, que olham para os dois lados antes de atravessarem uma rua de sentido único, fariam melhor em aplaudir de pé os heróis que fazem de Portugal o país da Zona Euro onde mais crescem as exportações - apesar das extremas dificuldades no acesso ao crédito e a seguros de exportação.

O caso das prostitutas gregas


Um dos feitos maiores do cavaquismo, de que o próprio Aníbal mais se orgulhou à época, foi conseguir tirar Portugal da cauda da Europa, quando passámos aos gregos a lanterna vermelha do último lugar na estatística do PIB per capita na UE. Foi uma enorme alegria patriótica mas não durou muito, por causa não só da esperteza dos gregos mas também dos alargamentos que levaram a casa europeia a crescer da antiga dúzia para os actuais 27.
Os gregos sempre foram muito marotos, e em 2006, num golpe de magia abençoado por Bruxelas, aumentaram o seu PIB em 25%, através de uma mudança do método de cálculo da riqueza produzida, que passou a contabilizar o contrabando de tabaco, a lavagem de dinheiro e o valor acrescentado produzido pelas prostitutas. Esta operação bizarra não foi inédita. Em 1987, a Itália tinha feito crescer o seu PIB em 15% num passe idêntico, que pôs os italianos a serem estatisticamente mais ricos que os ingleses.
Estes aumentos artificiais têm efeitos práticos bastante simpáticos numa data de estatísticas importantíssimas. Ao aumentar em 25% o PIB, mediante a incorporação do suposto valor acrescentado produzido de actividade ilegais, Atenas reduziu automaticamente o défice de 2,4% para 1,9%.
A simplicidade desarmante destes truques contabilísticos obriga-nos a olhar com desconfiança para as estatísticas que nos servem diariamente e estão a transformar a nossa vida num pesadelo - pois só de pensar no futuro ficamos logo com dores de cabeça.
Se o Eurostat autorizasse o INE a reavaliar em alta o nosso PIB, pondo uma lupa em cima do contributo da economia subterrânea, tiraria um grande peso de cima de Vítor Gaspar, que veria facilitada a tarefa de cumprir as metas que prometemos à troika - mas, na vida real, continuaríamos tão pobres ou tão ricos como antes desse exercício de carácter iminentemente ficcional.
As estatísticas valem o que valem - e na maior parte das vezes valem pouco. Sabe como é calculada a contribuição para o PIB de professores, médicos e enfermeiros do SNS, militares, políticos e restantes funcionários públicos? É simples. O contributo deles para a ficção da riqueza nacional medida pelo PIB é calculado pelo que ganham e gastam.
Dito por outras palavras. O recuo do PIB é umas das consequências negativas de um saudável emagrecimento do Estado e diminuição das suas despesas. Ao baixar em 25% o poder de compra dos funcionários públicos, o Governo está também a encolher o PIB!
As estatísticas valem o que valem - e na maior parte das vezes valem pouco, como o demonstra a anedota do homem que casou com a sua mulher a dias. Ela continuou a fazer a mesmas coisas que fazia enquanto era solteira, mas como o homem lhe deixou de pagar, ao passar de patrão para marido, o PIB diminui, apesar de tudo levar a crer que eles ficaram mais felizes.
Moral da história. O que temos a fazer é não levar isso do PIB muito a sério - e sermos felizes.

O que é ser preguiçoso na cama?





Tenho-me divertido imenso com o folhetim em exibição sobre as Secretas e o Superespião, um enredo cómico, adequado a uma ópera bufa e povoado por uma rica galeria de personagens, onde abundam malandros (não necessariamente dos bons), descarados e cretinos pomposos, que têm em comum uma noção de ética tão firme como uma teia de aranha cansada.
A história está a ganhar velocidade e pressinto que nos próximos capítulos a trama vai ser condimentada com o picante das sempre sumarentas cenas de sexo e traição.
Ao que nos é dado a conhecer, os desgraçados dos agentes que era suposto serem secretos - mas todos os leitores de jornais já conhecem pelo nome e apelido - elaboravam relatórios tão exclusivos como um modelo da Zara ou uma casa de banho pública.
Num desses relatórios, encomendado pelo Superespião - o Jorge Silva Carvalho deve delirar que o tratem por este cognome que o transporta para o exclusivo universo dos Superheróis povoado pelo Super Homem, o Hulk e o Homem Aranha, entre outros - , figura, por exemplo, a misteriosa informação de que alegadamente Francisco Balsemão "até na cama é preguiçoso".
Fiquei intrigado. Tenho dado voltas à cabeça para tentar perceber o que pretendem significar com esta insinuação da suposta preguiça de Balsemão na cama.
Os cientistas que estudam o comportamento humano durante o sono concluíram que, em média, nós mudamos de posição 30 vezes por noite. Será que Balsemão se vira apenas umas 20 vezes e é por isso que impende sobre ele a acusação de até na cama ser preguiçoso?
Uma sondagem da revista Esquire, recentemente divulgada, revela que a posição da amazona, em que ela fica por cima, ultrapassou nas preferências dos homens norte-americanos, a tradicional posição do missionário. Será que Balsemão está sintonizado com a nova moda dominante nos States e é por isso perfidamente insinuam que até na cama ele é preguiçoso?
O relatório sobre o Balsemão não passa de uma torpe recolha de boatos e mexericos misturados com factos do domínio público. A grande revelação que faz é sobre o carácter de quem o redigiu e encomendou - tudo almas perdidas em que há muita a sombra triunfou sobre a luz.
A lição que se deve extrair deste deplorável e ridículo folhetim em curso (ou ongoing, como se diz em inglês) é que Oscar Wilde estava cheio de razão quando, no longínquo século XIX, escreveu que "dado o carácter do jornalismo actual, a profissão de espião deixou de fazer sentido". Agora, que temos o Google e o Facebook, ainda é mais anacrónico estar a gastar dinheiro em agentes secretos falsificados. O bom senso e a profilaxia aconselham ao encerramento de todos os SIS, SIED e ofícios correlativos.
PS. O ministro Relvas tinha a obrigação de saber que um político queixar-se dos Media é tão ridículo como uma marinheiro queixar-se do tempo.

Porto tem dupla personalidade


O Porto sofre de dupla personalidade. Cheguei a essa conclusão durante um almoço de polvo assado com o Tiago (o TAF do blogue A Baixa do Porto) numa esplanada da Ribeira, num daqueles belos dias ensolarados e mornos proporcionados pelo inverno do aquecimento global.
Passo a explicar. Os restaurantes e passeios estavam cheios de gente, mas eu e o Tiago devíamos ser os únicos clientes portuenses. O resto do pessoal tinha um T de turista tatuado na testa.
O Porto está na moda e ainda bem para todos. Para os que nos visitam, pois podem desvendar uma cidade diferente das outras, que tem para lhes oferecer coisas tão únicas como Serralves, a Casa da Música, as caves do vinho do Porto e muitos quilómetros de belos passeios à beira do rio ou do mar.
É também bom para nós, portuenses, porque beneficiamos da transfusão de vida e de dinheiro nas veias de uma metrópole que padece com a anemia geral que se apoderou da economia do país e com o vil desprezo a que os governos de Lisboa nos têm votado.
A animação da Baixa e da Ribeira, garantida noite e dia pelos turistas desembarcados pela Ryanair no Sá Carneiro e pelos 3500 estudantes estrangeiros que frequentam a Universidade do Porto, é uma das faces da doença que atacou a cidade.
O Centro Histórico e tradicional da cidade é vivido por turistas, viajantes e moradores temporários, com os habitantes locais a fazerem as vezes de figurantes num filme protagonizado pelas pontes, a torre dos Clérigos, os bares da Galeria de Paris, a francesinha e os finos de Super Bock, a livraria Lello, o Parque da Cidade e os magníficos painéis de azulejo que revestem as igrejas ou o átrio da estação de S. Bento.
O centro da cidade vivido pelos portuenses não é acessível a pé, mas sim de carro, e é constituído por um triângulo largo, que tem o NorteShopping/Mar Shopping/IKEA num vértice, o Arrábida/GaiaShopping/Corte Inglés no outro, e o Dolce Vita/Parque Nascente no terceiro. É nestas novas catedrais do consumo que a maioria dos portuenses faz as compras e gasta os tempos livres.
A dupla personalidade não é propriedade privada do Porto. Trata-se de uma doença que atinge outras cidades como a nossa que sofreram de um crescimento urbano acelerado e horizontal, caótico e difuso.
Esta expansão tipo mancha de óleo, potenciada pelas autoestradas, criou aglomerados com baixa densidade populacional, tipo cidade jardim, baseados no uso intensivo do automóvel, insustentáveis não só do ponto de vista ambiental, mas também da viabilidade de uma rede eficaz de transportes públicos.
A nossa qualidade de vida, o futuro do Planeta e o ressurgimento económico do Porto exigem a criação de condições para que os portuenses regressem à Baixa, voltando a habitar e viver o núcleo central da cidade, curando-a assim do distúrbio de dupla personalidade que a afecta.

Ser batoteiro não pode compensar





No treino para as consultas a sério, os alunos de Medicina da Universidade do Minho têm ao dispor cerca de 70 doentes standard, actores formados durante um ano até se tornarem especialistas numa doença, pericardite, infecção renal, insuficiência respiratória, diabetes, etc.
Os actores que fazem de doentes foi uma das muitas coisas que deixou muito bem impressionado quando o Nuno Sousa me proporcionou uma visita guiada às instalações da escola que dirige.
Parte dos exames são feitos num consultório equipado com uma câmara de vídeo, que permite aos professores, que estão no gabinete ao lado, seguirem o diálogo entre aluno e actor, a quem previamente entregaram o guião - o falso doente pode começar a consulta a dizer ao futuro médico que só precisa que ele lhe passe uma receita...
Nenhum aspecto da relação médico/doente é deixado ao acaso nas avaliações. E conta para a nota se o aspirante a médico, quando for chamar, à sala de espera, a actriz/doente, que está carregada com sacos, desperdiçar a oportunidade de estabelecer empatia com ela ajudando-a a transportar os sacos.
A escolaridade obrigatória e a Universidade são apenas uma primeira e decisiva fase da aprendizagem. Para sermos competitivos nestes tempos exigentes é indispensável um esforço permanente de actualização e sermos capazes de viver com a mudança efervescente.
No século XXI, o período de formação não se esgota quando saímos da faculdade, mas apenas quando saímos do mercado de trabalho.
A minha confiança no futuro fica seriamente abalada quando me lembro do episódio, ocorrido há um ano, em que dezenas de candidatos a juízes foram apanhados a copiar num teste e da direcção do Centro de Estudos Judiciários queria pactuar com este ato vergonhoso, correndo a dez valores toda a gente, ou seja nivelando batoteiros e honestos.
O meu optimismo também fica abalado ao saber que 55% dos universitários já copiaram num exame, de acordo com as conclusões de estudo feito por uma investigadora da Faculdade de Economia do Porto num um universo de 5403 estudantes de 400 cursos e cem diferentes escolas de ensino superior.
Não será sendo bom a copiar que um recém licenciado vai conseguir arranjar um emprego. Não será recorrendo a truques como o de entregar o mesmo trabalho em mais de uma disciplina (prática confessada por quase metade dos inquiridos) que um jovem vai preservar o emprego e subir na vida.
A culpa deste lamentável estado de coisas não pode ser atirada apenas para as costas de estudantes. Neste banco dos réus também se sentam a escola e família que não lhes ensinaram a ter um comportamento ético, os professores que preparam exames onde copiar compensa pois a trafulhice não é detectada - bem como um ensino baseado na acumulação e débito de conhecimentos, em que exemplos luminosos como do curso de Medicina não são a regra. Infelizmente.


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