domingo, 21 de julho de 2013

 
Salvador Dali

Propõe-nos Avicena que imaginemos uma pessoa criada por inteiro num único momento, em queda, no ar ou no vazio, sem que sinta qualquer pressão. De olhos vendados, não toca em nada, nem sequer em si mesma. Estará tal ser em condições de afirmar a sua própria existência? Avicena acredita que sim, dando a entender que ele se encontra numa situação em que toma consciência de existir, independentemente do comprimento, da largura, da profundidade, de ter ou não ter corpo.
Mas é possível a este “homem voador”, cuja essência reside na alma e não nos membros ou nas vísceras, possuir consciência de si como entidade individual? Similar questão nos é suscitada por um tópico da filosofia de Descartes, respeitante ao célebre cogito – ou seja, o “Penso, logo existo” –, evidência alcançada após um exercício análogo ao de Avicena. Em ambos os casos, a haver consciência de existir, ela corresponderá inicialmente (assim o exige o metódico esforço) a uma coisa indefinida, privada de identidade, sem vestígios de sujeito nem indícios de objecto.A transição implícita do “algo pensa” para o “eu penso” – e, por conseguinte, do “algo é” para o “eu sou” – mostra uma forma bastante subtil de teimosia: achando ser inabalável fonte de que dimana a exagerada dúvida, nega-se o eu a recorrer à dúvida para julgar essa ilusão da fonte.

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