domingo, 21 de julho de 2013

DISCUSSÕES - II



René Magritte, A Arte da Conversação, 1950.

É vulgar ouvirem-se vozes que se dizem disponíveis para discutirem tudo, excepto política,futebol e religião. Se, portanto, alguém decide interrogá-las acerca da possibilidade de existirem aspectos das nossas vidas que não se enquadrem, directa ou indirectamente, na política, na religião – ofutebol pode ficar de fora – ou nas duas em simultâneo, o interpelado jurará que sim, talvez com acertadas razões, invocando, a título de exemplo, a arte, a gastronomia, os afectos, em suma, os gostos de cada um. Todavia, quando se lhe propõe «Nesse caso, discutamos os gostos!», a resposta costuma surgir em jeito de cliché: «Gostos não se discutem!» Ora, se há tanto escrúpulo ou receio em discutir religião, futebol e política, o problema não reside na falta de matéria de debate, antes nos tópicos – associados a pessoas e paixões, mais do que a ideias e argumentos – que se procura debater. Além disso, numa tal conjuntura, encaram-se em geral os três domínios referidos apenas sob o ângulo dos gostos, que o chavão proíbe que se transformem em controvérsia. Usualmente, com efeito, religião, futebol e política são apreciados só como pilares de pontes que nos ligam a diferentes recompensas. Isto porque a primeira anuncia ao fiel o galardão definitivo; o segundo garante ao adepto a satisfação temporária; a terceira promete ao candidato a gratificação ininterrupta.

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