domingo, 14 de julho de 2013

CARPINTEIRAR OS CÉREBROS...

Capa

CARPINTEIRAR OS CÉREBROS...


POR JOHN PILGER

Um dos livros mais originais e provocantes da última década é /Mentes
disciplinadas (Disciplined Minds)/de Jeff Schmidt (Rowman & Littlefield).
"Um olhar críticos aos profissionais assalariados", diz a capa, "e o
sistema de massacre de almas que molda as suas vidas". O seu tema é a
América pós-moderna mas também se aplica à Grã-Bretanha, onde o estado
corporativo engendrou uma nova classe de administradores americanizados
para dirigir os sectores privado e público: os bancos, os principais
partidos, corporações, comités importantes, a própria BBC.

Dizem que os profissionais são meritórios e não ideológicos.

Mas, apesar da sua educação, escreve Schmidt, eles pensam menos
independentemente do que não profissionais. Eles utilizam jargões
corporativos como "modelo", "desempenho", "alvos", "visão estratégica".
Em /Mentes disciplinadas,/Schmidt argumenta que o que faz profissional
moderno não é conhecimento técnico mas "disciplina ideológica". Aqueles
na educação superior e nos media fazem "trabalho político" mas de um
modo que não é visto como político. Ouçam um indivíduo sénior da BBC
descrever o nirvana da neutralidade ao qual ele ou ela se elevaram. "Tomar
partido" é anátema; e o profissional moderno sabe nunca desafiar a
"ideologia incorporada do /status quo/".

O que importa é a "atitude certa".

Uma chave para o treino de profissionais é o que Schmidt chama
"curiosidade assinalável". As crianças são naturalmente curiosas, mas ao
longo do caminho para tornar-se um profissional eles aprendem que a
curiosidade é uma série de tarefas assinalada por outros. Ao entrar no
treino, os estudantes são optimistas e idealistas. Ao deixá-lo, estão
"pressionados e perturbados" porque percebem que "o objectivo primário
para muitos é serem suficientemente compensados por abandonarem seus
objectivos originais". Tenho encontrado muitos jovens, especialmente
jornalistas novatos, que se reconheceriam a si próprios nesta descrição.
Pois não importa quão indirecto é o seu efeito, a influência primária
dos administradores profissionais é culto político extremo da devoção
ao dinheiro e à desigualdade conhecido como neoliberalismo.

O supremo administrador profissional é Bob Diamond, o presidente do
Barclays Bank em Londres, que em Março obteve um bónus de £6,5 milhões.
Mas de 200 administradores do Barclays levaram para casa £554 milhões no
ano passado. Em Janeiro, Diamond disse no comité do Tesouro do parlamento
britânico que "o temo do remorso está ultrapassado". Ele referia-se ao
£1 milhão de milhões /(trillion)/de dinheiro público entregue sem
condições a bancos corrompidos por um governo trabalhista cujo líder,
Gordon Brown, descreveu tais "financeiros" como a sua "inspiração"
pessoal.

Isto foi o acto final do golpe de estado corporativo, agora disfarçado
por um debate especioso acerca de "cortes" e de um "défice nacional". _A
maior parte das premissas humanas da vida britânica estão a ser
eliminadas_. O "valor" dos cortes diz-se ser de £83 mil milhões, quase
exactamente o montante da tributação evitada legalmente pelos bancos e
corporações. _Que o público britânico continua a dar aos bancos um
subsídio adicional anual de £100 mil milhões em seguro gratuito e
garantias – um número que financiaria todo o Serviço Nacional de Saúde
– é abafado._

Assim, também, é o absurdo da própria noção de "cortes". Quando a
Grã-Bretanha estava oficialmente em bancarrota a seguir à Segunda Guerra
Mundial, havia pleno emprego e algumas das suas maiores instituições
públicas, tais como o Serviço de Saúde, foram montadas. Mas os "cortes"
são administrados por aqueles que dizem opor-se a eles e fabricam
consentimento para a sua aceitação ampla. Este é o papel dos
administradores profissionais do Partido Trabalhista.

Em questões de guerra e paz, as mentes disciplinadas de Schmidt promovem
violência, morte e caos numa escala ainda não reconhecida na
Grã-Bretanha. Apesar da evidência incriminatória no inquérito Chilcot
do antigo chefe de inteligência, general de divisão Michael Laurie, o
administrador do "negócios principal", Alastair Campbell, permanece solto,
assim como todos os outros administradores da guerra trabalharam com Blair
e no Foreign Office para justificar e vender o banho de sangue no Iraque.

Os media de referência muitas vezes desempenham um papel subtilmente
crítico. Frederick Ogilvie, o qual sucedeu ao fundador da BBC, Lord Reith,
como director geral, escreveu que o seu objectivo era transformar a BBC num
"instrumento de guerra plenamente efectivo". Ogilvie teria ficado deliciado
com os seus administradores do século XXI. Na corrida para a invasão do
Iraque, a cobertura da BBC reflectia esmagadoramente a posição mentirosa
do governo, como mostra estudos da Universidade de Gales.

Contudo, o grande levantamento árabe não pode ser facilmente
administrado, ou apropriado, com omissões e advertências, como deixa
claro um diálogo no programa /Today,/da BBC, de 16 de Maio. Com o seu
celebrado profissionalismo, concentrado em discursos corporativos, John
Humphrys entrevistou um porta-voz palestino, Husam Zomlot, a seguir ao
massacre de Israel de manifestantes desarmados no 63º aniversário da
expulsão ilegal do povo palestino dos seus lares.

Humphrys: ... não é surpreendente que Israel tenha reagido do modo o
fez?

Zomlot: ... estou muito orgulhoso e satisfeito [eles estavam] a
manifestar-se pacificamente só para... realmente chamar atenção para os
seus 63 anos de infortúnio.

Humphrys: Mas eles não se manifestaram pacificamente, esse é o meu
ponto...

Zomlot: Nenhum deles... estava armado... Opuseram-se a tanques,
helicópteros e F-16s israelitas. Voc não pode sequer começar a
comparar a violência... Isto não  uma questão de segurança... [os
israelitas] sempre falharam em tratar com assuntos puramente políticos,
humanitários e legais...

Humphrys: Desculpe interrompê-lo mas... se eu marcho dentro da sua casa
agitando um cassetete e lançando-lhe um pedra então isso seria uma
questão de segurança, não seria?

Zomlot: Desculpe-me. Segundo as resoluções do Conselho de Segurança
das Nações Unidas, aquelas pessoas estavam a marchar para as suas casas;
elas têm os direitos sobre os seus lares; é sua propriedade privada.
Vamos então por as coisas em pratos limpos de uma vez por todas...
Foi um momento raro. Por as coisas em pratos limpos não é um
"objectivo" administrativo.

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