Publicado em 2012-05-25
O presidente de uma câmara que tinha (e provavelmente continua a ter)
dívidas de milhões à Águas de Portugal foi premiado, mal o actual
Governo tomou posse e começou o bodo aos "boys", com o Conselho de
Administração da Águas de Portugal e nunca mais se soube dele, nem se
terá conseguido, agora como credor, ser tão eficaz como fora como
devedor.
Voltou agora às primeiras páginas e, após quase um ano de discreto e laborioso esforço, o rato pariu uma montanha: o preço da água vai, aleluia!, ser finalmente igual para todos os portugueses, vivam eles em palacetes da Avenida do Brasil, no Porto, ou da Lapa, em Lisboa, ou vivam em qualquer casal perdido do Nordeste Transmontano e da Beira Interior. Por fim uma medida revolucionariamente igualitária: toda a gente irá pagar entre 2,5 e três euros por m3 de água. Afinal, diz o novo administrador, "as pessoas podem gastar o que quiserem no telemóvel, e gastam muito mais que isso"...
Assim se fará (já não era sem tempo) justiça aos portugueses da Avenida do Brasil e da Lapa, que já pagam há anos isso, e se acabará com os privilegiados de algumas pequenas terras do interior, que - pois a igualdade tem um preço - verão a conta da água aumentar 200 ou 300%.
Se a água quando nasce é para todos, também o preço dela deve ser. E quem não puder pagá-la que fale menos ao telemóvel.
Manuel António Pina
Voltou agora às primeiras páginas e, após quase um ano de discreto e laborioso esforço, o rato pariu uma montanha: o preço da água vai, aleluia!, ser finalmente igual para todos os portugueses, vivam eles em palacetes da Avenida do Brasil, no Porto, ou da Lapa, em Lisboa, ou vivam em qualquer casal perdido do Nordeste Transmontano e da Beira Interior. Por fim uma medida revolucionariamente igualitária: toda a gente irá pagar entre 2,5 e três euros por m3 de água. Afinal, diz o novo administrador, "as pessoas podem gastar o que quiserem no telemóvel, e gastam muito mais que isso"...
Assim se fará (já não era sem tempo) justiça aos portugueses da Avenida do Brasil e da Lapa, que já pagam há anos isso, e se acabará com os privilegiados de algumas pequenas terras do interior, que - pois a igualdade tem um preço - verão a conta da água aumentar 200 ou 300%.
Se a água quando nasce é para todos, também o preço dela deve ser. E quem não puder pagá-la que fale menos ao telemóvel.
Vêm aí os turbomédicos
Manuel António Pina
Publicado em 2012-08-03
O alerta do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos de que irá
aparecer por aí, num futuro próximo, aquilo que o presidente desse
organismo chama de "médicos de segunda", com diplomas obtidos em escolas
privadas ou por "equivalência" (à maneira da controversa licenciatura
de Relvas), devia ser levado a sério pelo Ministério da Educação, que
tanto fala em "rigor" e em "qualidade".
A posição da Ordem dos Médicos surge na sequência da notícia de que uma escola privada terá arranjado maneira de transformar os seus licenciados em Ciências Biomédicas em turbolicenciados em Medicina (com dois meros anos de formação especializada), entrando por "equivalência" no 4.o ano da universidade espanhola Alfonso X, El Sabio. Tudo, como habitualmente, "dentro da lei".
O "caso Relvas" é apenas expressão daquilo que poderíamos classificar de "caso português", o chico-espertismo. Este atingiu proporções inimagináveis com o negócio de diplomas em que se tornou algum ensino superior privado (uma escola já oferece mesmo "licenciaturas duplas" em quatro anos, ao bom estilo promocional do "pague uma e leve duas").
A não ser que o Ministério da Saúde faça como o da Justiça, que não aceita licenciados à bolonhesa em Direito nas magistraturas, o mais certo é que os turbomédicos acabem no SNS-D (D de "desconstruído") do dr. Paulo Macedo: ficarão em conta e, para quem é, bacalhau basta.
Manuel António Pina
A posição da Ordem dos Médicos surge na sequência da notícia de que uma escola privada terá arranjado maneira de transformar os seus licenciados em Ciências Biomédicas em turbolicenciados em Medicina (com dois meros anos de formação especializada), entrando por "equivalência" no 4.o ano da universidade espanhola Alfonso X, El Sabio. Tudo, como habitualmente, "dentro da lei".
O "caso Relvas" é apenas expressão daquilo que poderíamos classificar de "caso português", o chico-espertismo. Este atingiu proporções inimagináveis com o negócio de diplomas em que se tornou algum ensino superior privado (uma escola já oferece mesmo "licenciaturas duplas" em quatro anos, ao bom estilo promocional do "pague uma e leve duas").
A não ser que o Ministério da Saúde faça como o da Justiça, que não aceita licenciados à bolonhesa em Direito nas magistraturas, o mais certo é que os turbomédicos acabem no SNS-D (D de "desconstruído") do dr. Paulo Macedo: ficarão em conta e, para quem é, bacalhau basta.
Viver sem dinheiro
Manuel António Pina
Publicado em 2012-07-31
A ex-psicoterapeuta alemã Heidemarie Schwermer, hoje com 69 anos,
tornou-se uma celebridade (um documentário sobre ela foi exibido nas TV
de 30 países) por viver há 16 anos "sem dinheiro". Pouco depois dos 50,
abandonou o emprego, doou o que tinha e passou a viver fazendo palestras
e outros trabalhos apenas a troco de tecto e comida, instalando-se em
casa de amigos ou de pessoas que vai conhecendo, que também lhe dão a
roupa que veste e lhe pagam tudo o resto, do cabeleireiro aos
transportes.
"Muitas pessoas têm problemas", explicou à BBC. "Eu escuto-as e ajudo-as a pensar sobre as suas vidas". Isto é, continua a fazer psicoterapia, só que, agora, é paga em géneros. Prescindiu do intermediário geral das trocas e redescobriu a troca directa. E, assim, terá encontrado - diz - a felicidade.
Claro que as coisas não são tão simples: "Testemunho milagres diariamente. Por exemplo, no início, encontrava comida. Pensava nas coisas e depois encontrava-as na rua ou as pessoas traziam-mas". A psicoterapeuta acredita "que estes milagres acontecem devido à força do pensamento".
O dinheiro não faz, já se sabia, a felicidade. No entanto, é com dinheiro que se compram muitas das coisas que fazem a felicidade. O segredo de Heidemarie é que consegue, pelos vistos, obtê-las com "a força do pensamento". Ou então com o dinheiro dos outros. O que, vendo bem, não é tão incomum quanto isso.
"Muitas pessoas têm problemas", explicou à BBC. "Eu escuto-as e ajudo-as a pensar sobre as suas vidas". Isto é, continua a fazer psicoterapia, só que, agora, é paga em géneros. Prescindiu do intermediário geral das trocas e redescobriu a troca directa. E, assim, terá encontrado - diz - a felicidade.
Claro que as coisas não são tão simples: "Testemunho milagres diariamente. Por exemplo, no início, encontrava comida. Pensava nas coisas e depois encontrava-as na rua ou as pessoas traziam-mas". A psicoterapeuta acredita "que estes milagres acontecem devido à força do pensamento".
O dinheiro não faz, já se sabia, a felicidade. No entanto, é com dinheiro que se compram muitas das coisas que fazem a felicidade. O segredo de Heidemarie é que consegue, pelos vistos, obtê-las com "a força do pensamento". Ou então com o dinheiro dos outros. O que, vendo bem, não é tão incomum quanto isso.
Uma modesta proposta
Publicado em 2012-01-05
MANUEL ANTÓNIO PINA
Não sou quem o diz, é a Comissão Europeia: "Entre os seis países da UE
mais afectados pela crise, Portugal é o único onde as medidas de
austeridade exigiram um esforço financeiro aos pobres superior ao que
foi pedido aos ricos, revela um estudo recente publicado pela Comissão
Europeia".
A notícia vem no "Jornal de Negócios" e suscita uma
questão: sendo o empobrecimento do país a estratégia de saída da crise
publicamente assumida pelo actual Governo, não se justificaria que a
austeridade incidisse fortemente sobre os ricos até fazer deles pobres?
Democratizando a pobreza ao mesmo tempo que democratiza a economia, o
Governo realizaria o suave e patriótico milagre da multiplicação dos
pobres mais eficazmente do que limitando-se a empobrecer ainda mais os
pobres que já são pobres.
Imagino até um "slogan" para convencer os ricos, que costumam ser renitentes quando se trata de deixarem de ser tão ricos: "Faça algo pelo seu país: não vá empobrecer para a Holanda".
Nota: Na passagem sobre as mulheres que abortam da homilia do arcebispo de Granada citada na crónica de ontem há um erro de tradução (de minha responsabilidade) que altera o seu sentido. Traduzi "traga", do verbo "tragar", como sendo uma forma do verbo "traer" (trazer) quando, de facto, é do verbo "tragar" (tragar; suportar). Assim, a parte final dessa passagem é "ela é que suporta a tragédia, e suporta-a como se fosse um direito" e não como publicado.
Imagino até um "slogan" para convencer os ricos, que costumam ser renitentes quando se trata de deixarem de ser tão ricos: "Faça algo pelo seu país: não vá empobrecer para a Holanda".
Nota: Na passagem sobre as mulheres que abortam da homilia do arcebispo de Granada citada na crónica de ontem há um erro de tradução (de minha responsabilidade) que altera o seu sentido. Traduzi "traga", do verbo "tragar", como sendo uma forma do verbo "traer" (trazer) quando, de facto, é do verbo "tragar" (tragar; suportar). Assim, a parte final dessa passagem é "ela é que suporta a tragédia, e suporta-a como se fosse um direito" e não como publicado.
Uma democracia "com falhas"
Manuel António Pina 23-12-2011
Portugal deixou em 2011 de ser uma democracia plena, de acordo com o
Índice da Democracia 2011 do Economist Intelligence Unit, que classifica
o país como "democracia com falhas". Segundo o serviço de investigação
de "The Economist", isso deveu-se, sobretudo, à erosão da soberania
associada à crise da zona euro.
É mais um título, o de coveiros da democracia, de que
podem orgulhar-se PSD, CDS e PS, subscritores do memorando com a
'troika', e o Governo de Passos Coelho, que o põe submissamente em
prática contra os portugueses sem o mínimo rebate de autonomia ou
patriotismo.
A venda da soberania nacional aos 'mercados', a troco de uma 'ajuda' a prestações dependentes do bom e obediente comportamento dos seus feitores locais, teria que ter consequências sobre o regime democrático pois não é possível governar contra os interesses dos povos sem amordaçar as liberdades civis.
E a procissão ainda vai no adro. Não se sabe se "The Economist" já teve em conta o comportamento da PSP durante a manifestação de 24 de Novembro e as ameaçadoras declarações do seu director nacional ("Nós não andamos com bastões, nem com pistolas, nem com algemas, nem com escudos e etc. para mostrar que temos aquele equipamento"). Certo é que, entre outras "falhas", ainda não considerou - pois, para já, foi travada pela CNPD - a intenção do Governo de polvilhar cidades e florestas com câmaras vídeo por simples decisão administrativa.
Manuel António Pina 02-12-2011
A venda da soberania nacional aos 'mercados', a troco de uma 'ajuda' a prestações dependentes do bom e obediente comportamento dos seus feitores locais, teria que ter consequências sobre o regime democrático pois não é possível governar contra os interesses dos povos sem amordaçar as liberdades civis.
E a procissão ainda vai no adro. Não se sabe se "The Economist" já teve em conta o comportamento da PSP durante a manifestação de 24 de Novembro e as ameaçadoras declarações do seu director nacional ("Nós não andamos com bastões, nem com pistolas, nem com algemas, nem com escudos e etc. para mostrar que temos aquele equipamento"). Certo é que, entre outras "falhas", ainda não considerou - pois, para já, foi travada pela CNPD - a intenção do Governo de polvilhar cidades e florestas com câmaras vídeo por simples decisão administrativa.
Um trabalhador em apuros
Manuel António Pina 02-12-2011
Deixa-me sempre pesaroso (embora só agora tenha assistido a tal coisa)
ver o Fisco exigir 750 mil euros de impostos a um pobre trabalhador,
mesmo que esse trabalhador seja o homem mais rico de Portugal e um dos
200 mais ricos do Mundo. Ainda por cima, o Fisco assaca a Américo Amorim
coisas feias como ter feito, sem licença, obras de engenharia criativa
na contabilidade das suas empresas.
A má vontade da Justiça contra Américo Amorim não é de
hoje. Já em 1991, o MP o acusara de abuso de confiança e desvios em
subsídios de 2,5 milhões de euros do Fundo Social Europeu; felizmente
Deus e a morosidade dos tribunais escrevem direito por linhas tortas e o
processo acabou por prescrever. Depois foi a "Operação Furacão" e uma
investigação por fraude fiscal e branqueamento de capitais, mas tudo
acabou de novo em bem e sem julgamento.
Agora as Finanças não compreendem os contratempos hormonais das empresas de Américo Amorim e recusam aceitar como despesas os seus gastos em tampões higiénicos e outras exigências da feminilidade como roupas, cabeleireiros ou massagens. Até as contas da mercearia e festas e viagens dos netos o Fisco acha impróprias de um grupo de empresa só pelo facto de os grupos de empresas não costumarem ter netos.
Um trabalhador consegue juntar um pequeno pé-de-meia de 3,6 mil milhões e o Estado quer reduzir-lho a pouco mais de 3,599 mil milhões. Muito ingrato é ser trabalhador em Portugal!
Manuel António Pina 21-12-2011
Agora as Finanças não compreendem os contratempos hormonais das empresas de Américo Amorim e recusam aceitar como despesas os seus gastos em tampões higiénicos e outras exigências da feminilidade como roupas, cabeleireiros ou massagens. Até as contas da mercearia e festas e viagens dos netos o Fisco acha impróprias de um grupo de empresa só pelo facto de os grupos de empresas não costumarem ter netos.
Um trabalhador consegue juntar um pequeno pé-de-meia de 3,6 mil milhões e o Estado quer reduzir-lho a pouco mais de 3,599 mil milhões. Muito ingrato é ser trabalhador em Portugal!
Um romance português
Manuel António Pina 21-12-2011
Capítulo I: Em 2004, o Governo português era, como hoje, resultado de
uma coligação entre o PSD e o CDS. O primeiro-ministro era Durão
Barroso; Paulo Portas era ministro da Defesa. O Governo negociou então
com o consórcio alemão GSC, de que faz parte a Ferrostaal, a compra de
dois-submarinos-dois para a Marinha, que custaram a módica quantia de
880 milhões, negócio que desde cedo levantou dúvidas.
Capítulo II: Ontem, um tribunal alemão condenou dois
ex-executivos da Ferrostaal a dois anos de prisão e ao pagamento de
elevadas coimas por suborno de funcionários públicos estrangeiros na
venda dos submarinos. O tribunal deu como provado que a Ferrostaal
subornou o ex-cônsul de Portugal em Munique, pagando-lhe 1,6 milhões de
euros para que ele propiciasse "contactos com o Governo português".
Capítulo III: Em Portugal corre também no DCIAP, desde 2006, um processo sobre o negócio por indícios de tráfico de influências, financiamento partidário ilegal e corrupção. Em meados do ano, estava parado "por falta de meios". Fora-lhe atribuído um só magistrado, que acumulava com outros processos; as traduções da documentação enviada pelas autoridades alemãs continuavam por fazer; ainda não tinham sido nomeados os peritos necessários ao prosseguimento da investigação...
Final feliz: Durão Barroso é hoje presidente da Comissão Europeia e Paulo Portas voltou ao Governo e é agora ministro dos "Negócios Estrangeiros".
Capítulo III: Em Portugal corre também no DCIAP, desde 2006, um processo sobre o negócio por indícios de tráfico de influências, financiamento partidário ilegal e corrupção. Em meados do ano, estava parado "por falta de meios". Fora-lhe atribuído um só magistrado, que acumulava com outros processos; as traduções da documentação enviada pelas autoridades alemãs continuavam por fazer; ainda não tinham sido nomeados os peritos necessários ao prosseguimento da investigação...
Final feliz: Durão Barroso é hoje presidente da Comissão Europeia e Paulo Portas voltou ao Governo e é agora ministro dos "Negócios Estrangeiros".
Um Mi(ni)stério Público
Publicado em 2012-01-06
MANUEL ANTÓNIO PINA
Parece
que o Ministério Público abriu, após queixa de um "grupo de cidadãos",
um inquérito às declarações de Otelo, que, em entrevista à Lusa, terá
dito: "Para mim, a manifestação dos militares deve ser, ultrapassados os
limites, fazer uma operação militar e derrubar o Governo".
O 1.º de Maio, que se comemora em todo o Mundo, evoca a luta dos
trabalhadores de Chicago e a repressão policial que, nesse dia e
seguintes de 1886, provocou dezenas de mortes entre os operários que
reclamavam não mais de 8 horas de trabalho por dia.
O patronato não gosta do 1.ºo de Maio, como não gosta de jornadas de trabalho de "apenas" 8 horas. E, como os tempos vão de feição, este ano, à semelhança de 2011, as grandes superfícies, propriedade de alguns dos "Donos de Portugal", romperam o compromisso de fechar nesse dia. Por isso os sindicatos convocaram uma greve dos trabalhadores dessas lojas, em geral precários e miseravelmente pagos.
O Pingo Doce não esteve com meias medidas: para evitar que os seus empregados aderissem à greve, anunciou para ontem (só ontem) uma "promoção" de 50% em compras de mais de 100 euros, usando o desprezível processo de atirar consumidores contra trabalhadores e humilhando estes com um dia de trabalho se possível ainda mais penoso, no meio do caos generalizado, filas, discussões, agressões e incidentes de toda a ordem.
Lá longe, na Holanda, Alexandre Soares dos Santos deve estar a rir-se. Ele sabe bem que, como diz um anúncio do seu Pingo Doce, nas "'promoções', baixa-se o preço de um lado e aumenta-se do outro e (...), quando se fazem as contas, gastou-se mais do que se poupou".
Manuel António Pina 18-01-2012
Não
disse contudo que os "limites" tenham sido ultrapassados neste momento
mas, sim, em 1974: "Esse limite foi ultrapassado em 1974 e culminou com a
"Revolução dos Cravos".
Otelo é, como se sabe, um criminoso. Cometeu um imperdoável crime na madrugada de 25 de Abril de 1974, que hoje seria punido com 5 a 15 anos de prisão. O MP não abriu, porém, qualquer inquérito. Talvez, que sei eu?, porque não tenha sabido ou nenhum "grupo de cidadãos", dos muitos que não gostaram da coisa, se tenha queixado.
Agora, que os tempos vão de feição, já apareceu quem se queixasse. Tudo indica que dando as declarações de Otelo como "instigação pública a um crime", punida pelo artº 297º do Código Penal, se não pelo 326º. Estranho é que o MP, vinculado pelo seu Estatuto, "a critérios de legalidade e objectividade" e não de conveniência política, não tenha também aberto um inquérito às declarações de Belmiro de Azevedo segundo as quais "quando o povo tem fome, tem o direito de roubar", puníveis, com muito menos boa (ou má) vontade, pelo mesmo artº 297º e em que a acção penal não depende sequer de queixa. Mistérios públicos do Ministério Público...
Otelo é, como se sabe, um criminoso. Cometeu um imperdoável crime na madrugada de 25 de Abril de 1974, que hoje seria punido com 5 a 15 anos de prisão. O MP não abriu, porém, qualquer inquérito. Talvez, que sei eu?, porque não tenha sabido ou nenhum "grupo de cidadãos", dos muitos que não gostaram da coisa, se tenha queixado.
Agora, que os tempos vão de feição, já apareceu quem se queixasse. Tudo indica que dando as declarações de Otelo como "instigação pública a um crime", punida pelo artº 297º do Código Penal, se não pelo 326º. Estranho é que o MP, vinculado pelo seu Estatuto, "a critérios de legalidade e objectividade" e não de conveniência política, não tenha também aberto um inquérito às declarações de Belmiro de Azevedo segundo as quais "quando o povo tem fome, tem o direito de roubar", puníveis, com muito menos boa (ou má) vontade, pelo mesmo artº 297º e em que a acção penal não depende sequer de queixa. Mistérios públicos do Ministério Público...
Tudo "dentro da lei"
Sem pingo de vergonha
O patronato não gosta do 1.ºo de Maio, como não gosta de jornadas de trabalho de "apenas" 8 horas. E, como os tempos vão de feição, este ano, à semelhança de 2011, as grandes superfícies, propriedade de alguns dos "Donos de Portugal", romperam o compromisso de fechar nesse dia. Por isso os sindicatos convocaram uma greve dos trabalhadores dessas lojas, em geral precários e miseravelmente pagos.
O Pingo Doce não esteve com meias medidas: para evitar que os seus empregados aderissem à greve, anunciou para ontem (só ontem) uma "promoção" de 50% em compras de mais de 100 euros, usando o desprezível processo de atirar consumidores contra trabalhadores e humilhando estes com um dia de trabalho se possível ainda mais penoso, no meio do caos generalizado, filas, discussões, agressões e incidentes de toda a ordem.
Lá longe, na Holanda, Alexandre Soares dos Santos deve estar a rir-se. Ele sabe bem que, como diz um anúncio do seu Pingo Doce, nas "'promoções', baixa-se o preço de um lado e aumenta-se do outro e (...), quando se fazem as contas, gastou-se mais do que se poupou".
Roubar pouco é no que dá
Manuel António Pina 18-01-2012
Começou ontem a ser julgado no Porto um homem acusado de tentativa
(tentativa...) de furto de uma embalagem de polvo e um champô no valor
de 25,66 euros num supermercado Pingo Doce.
No que toca ao polvo, Alexandre Soares dos Santos,
presidente do Grupo Jerónimo Martins (proprietário do Pingo Doce) e
segundo homem mais rico de Portugal - o seu património aumentou 88,9% em
plena crise (qual crise?) para 1 917,4 milhões - discorda do terceiro
mais rico, Belmiro de Azevedo (1297,6 milhões), que entende que, "quando
o povo tem fome, tem direito a roubar". Para o bilionário dos
supermercados, qual roubar qual quê: nem tentem!
Por isso, o Pingo Doce não desistiu da queixa. O que se compreende pois o famigerado Estado é que pagará a factura da instrução do processo, dos salários dos oficias de Justiça e magistrados envolvidos, da papelada, das notificações, do advogado oficioso... O Estado e o estado da Justiça que, enquanto anda ocupada com casos de 25 euros, deixa prescrever os de milhões.
Pouco avisado foi o réu, presumivelmente esfomeado e sujo, em deixar-se tentar por 25,66 euros de comida e produtos de higiene. Se se dedicasse antes aos "comportamentos evasivos e fraudatórios [...] em matéria fiscal" por que o Grupo Jerónimo Martins foi recentemente condenado a pagar 20,888 milhões de euros ao abrigo das normas fiscais anti-abuso, se calhar andaria hoje pelas TV a pregar moralidade aos portugueses.
Manuel António Pina 05-12-2011
Por isso, o Pingo Doce não desistiu da queixa. O que se compreende pois o famigerado Estado é que pagará a factura da instrução do processo, dos salários dos oficias de Justiça e magistrados envolvidos, da papelada, das notificações, do advogado oficioso... O Estado e o estado da Justiça que, enquanto anda ocupada com casos de 25 euros, deixa prescrever os de milhões.
Pouco avisado foi o réu, presumivelmente esfomeado e sujo, em deixar-se tentar por 25,66 euros de comida e produtos de higiene. Se se dedicasse antes aos "comportamentos evasivos e fraudatórios [...] em matéria fiscal" por que o Grupo Jerónimo Martins foi recentemente condenado a pagar 20,888 milhões de euros ao abrigo das normas fiscais anti-abuso, se calhar andaria hoje pelas TV a pregar moralidade aos portugueses.
Resignados a Berardo
Manuel António Pina 05-12-2011
As épocas de crise são propícias ao aparecimento de Berardos, sobretudo
se acompanhadas de crise de audiência dos media. Obrigados a ter
manchetes todos os dias, quando assuntos como o euro ou a dívida pública
se banalizam, os media têm que recorrer ao "sound bite" ou ao insólito.
Felizmente, para tal nicho de mercado, surgem sempre fornecedores
avidamente disponíveis.
Assim a Lusa, esgotado o caso do Estripador e enquanto
não chega a cimeira europeia, foi entrevistar mais uma vez Joe Berardo,
de quem se espera sempre uma "boca" capaz de desenfadar leitores e
telespectadores em carência.
A última dessas "bocas" de que me recordo foi a de que Portugal precisa de "um novo género de ditadura". Desta vez é o apelo à resignação de Cavaco Silva. Uma das razões que, segundo Berardo, deveriam levar o PR a resignar seria o facto de que Cavaco se "relacionou com o BPN, ganhou dinheiro, e isso nunca foi bem explicado aos portugueses". Substitua-se BPN por CGD e "ganhou dinheiro" por "pediu dinheiro emprestado para apostar no BCP" e a mesma razão poderia ser invocada para Berardo resignar. Isto para já não falar da acusação a Cavaco de que "era tudo empréstimos e realmente pensava que não tínhamos que pagar esta dívida"...
Mas a mais grave acusação que Berardo faz a Cavaco é a de que é "uma pessoa culta". Só que também ela é reversível para o próprio Berardo, que é, como se sabe, uma eminência cultural.
Manuel António Pina 14-12-2011
A última dessas "bocas" de que me recordo foi a de que Portugal precisa de "um novo género de ditadura". Desta vez é o apelo à resignação de Cavaco Silva. Uma das razões que, segundo Berardo, deveriam levar o PR a resignar seria o facto de que Cavaco se "relacionou com o BPN, ganhou dinheiro, e isso nunca foi bem explicado aos portugueses". Substitua-se BPN por CGD e "ganhou dinheiro" por "pediu dinheiro emprestado para apostar no BCP" e a mesma razão poderia ser invocada para Berardo resignar. Isto para já não falar da acusação a Cavaco de que "era tudo empréstimos e realmente pensava que não tínhamos que pagar esta dívida"...
Mas a mais grave acusação que Berardo faz a Cavaco é a de que é "uma pessoa culta". Só que também ela é reversível para o próprio Berardo, que é, como se sabe, uma eminência cultural.
Queres diálogo? Ora toma
Manuel António Pina 14-12-2011
Primeiro
foram os sindicatos a anunciar que não subscreverão "qualquer acordo
tripartido" em sede de concertação social, pois, diz a UGT, "há limites
para aquilo que é possível aceitar", referindo-se a questões como o
regime de férias, pontes e feriados e a meia hora de trabalho forçado
diário.
Agora foi o próprio presidente da CIP a
condenar a recusa do Governo em ouvir os parceiros sociais sobre
acelerada meia hora e a afirmar que a atitude do Governo "vem prejudicar
o
diálogo social".
Parece que os patrões consideram que o Governo foi expedito demais na defesa dos seus, do patronato, interesses. Prefeririam que a coisa não fosse feita à bruta, mas com "diálogo". Não terão, por isso, gostado de ver o ministro Álvaro, espécie de escuteiro neoliberal desejoso de mostrar serviço, a forçar a velhinha a atravessar a rua pelo meio do trânsito quando a velhinha queria seguir paulatinamente pelo passeio.
Aparentemente o Governo estará convencido de que as polícias de Miguel Macedo já se encontram em estado q.b. de prontidão (comprova-o o modo como a PSP resolveu - depois de, tudo o indica, os ter criado - os "problemas" da manifestação de 24 de Novembro) para que os debates da concertação social fiquem sob tutela do MAI e se transformem em de-bates e correrias desordenadas. E para que os habituais encontros na sede do Conselho Económico e Social passem a realizar-se na rua sob a forma de recontros.
Manuel António Pina 16-12-2011
Parece que os patrões consideram que o Governo foi expedito demais na defesa dos seus, do patronato, interesses. Prefeririam que a coisa não fosse feita à bruta, mas com "diálogo". Não terão, por isso, gostado de ver o ministro Álvaro, espécie de escuteiro neoliberal desejoso de mostrar serviço, a forçar a velhinha a atravessar a rua pelo meio do trânsito quando a velhinha queria seguir paulatinamente pelo passeio.
Aparentemente o Governo estará convencido de que as polícias de Miguel Macedo já se encontram em estado q.b. de prontidão (comprova-o o modo como a PSP resolveu - depois de, tudo o indica, os ter criado - os "problemas" da manifestação de 24 de Novembro) para que os debates da concertação social fiquem sob tutela do MAI e se transformem em de-bates e correrias desordenadas. E para que os habituais encontros na sede do Conselho Económico e Social passem a realizar-se na rua sob a forma de recontros.
Quase uma notícia
Manuel António Pina 16-12-2011
Conta
a Lusa que "o Tribunal da Relação de Coimbra condenou os proprietários
de uma loja de Aveiro a pagar 6.500 euros a uma trabalhadora [na
realidade ter-se-á tratado de uma coima] que obrigou a cumprir o horário
laboral sentada virada para a parede e sem nada fazer".
A
notícia adianta que a trabalhadora fora transferida para essa loja, a
70 quilómetros do seu anterior lugar de trabalho, sem precedência de
qualquer processo disciplinar e que o acórdão concluiu que a gerência da
loja colocou a trabalhadora na situação referida "com a intenção,
declarada, de não lhe atribuir quaisquer funções", criando-lhe assim um
"ambiente hostil e humilhante".
A notícia é, de facto, duas notícias: a da condenação da empresa e a do seu inqualificável comportamento, pormenorizadamente descrito. E igualmente uma quase-notícia: o nome da empresa (o "Quem?" da teoria clássica do jornalismo) é pudicamente omitido.
Talvez, quem sabe?, nem loja nem empresa tenham nome, ou talvez o seu nome não conste do acórdão "a que a Lusa hoje teve acesso". Ficam, pois, todos os "proprietário[s] de loja[s]" de Aveiro sob suspeita de assédio no local de trabalho. Ou talvez nem todos. Atrevo-me a admitir (mas eu sou um cínico) que a loja em questão não seja de ciganos, cabo-verdianos, paquistaneses ou chineses, casos em que o jornalismo (e não me refiro particularmente ao da Lusa) costuma ser menos pudico no que toca ao "Quem".
A notícia é, de facto, duas notícias: a da condenação da empresa e a do seu inqualificável comportamento, pormenorizadamente descrito. E igualmente uma quase-notícia: o nome da empresa (o "Quem?" da teoria clássica do jornalismo) é pudicamente omitido.
Talvez, quem sabe?, nem loja nem empresa tenham nome, ou talvez o seu nome não conste do acórdão "a que a Lusa hoje teve acesso". Ficam, pois, todos os "proprietário[s] de loja[s]" de Aveiro sob suspeita de assédio no local de trabalho. Ou talvez nem todos. Atrevo-me a admitir (mas eu sou um cínico) que a loja em questão não seja de ciganos, cabo-verdianos, paquistaneses ou chineses, casos em que o jornalismo (e não me refiro particularmente ao da Lusa) costuma ser menos pudico no que toca ao "Quem".
PSD e CDS na oposição
Publicado em 2012-01-03
MANUEL ANTÓNIO PINA
Numa altura em que - como previu, ante o gozo geral, o Prof. Karamba
Futre - "está a vir charters" da China para comprar na loja dos
trezentos das privatizações (a participação do Estado português na EDP
foi "privatizada" através da venda ao... Estado chinês, mas esse é um
pormenor despiciendo), ninguém se deu conta da notícia do dia: a de que
PSD e CDS terão passado à oposição.
O secretário-geral do PSD não podia ser mais claro.
"Acompanhando" a mensagem de Ano Novo do presidente da República,
reclamou "equidade na repartição dos sacrifícios", anunciando que o
partido "não deixará de incentivar o Governo a pautar a sua acção por
políticas que restabeleçam o clima de confiança (...) entre os
portugueses". Por fim, contestou ainda a estratégia de empobrecimento do
país publicamente defendida por Passos Coelho, revelando que o PSD
pretende, sim, "transformações" e "reformas estruturais" que façam "de
Portugal uma sociedade mais próspera".
Por sua vez, o CDS subscreveu o apelo de Cavaco no sentido do "aprofundamento da concertação social" ("Tem que haver consenso e concertação", sublinhou o eurodeputado Nuno Melo), numa altura em que, por o Governo querer impor, sem "consenso e concertação", meia hora diária de trabalho forçado, os sindicatos já anunciaram que não subscreverão qualquer acordo e a CIP que discorda de tal "método".
Se PSD e CDS estão na oposição, quem é que tem andado a governar-nos?
Manuel António Pina
Por sua vez, o CDS subscreveu o apelo de Cavaco no sentido do "aprofundamento da concertação social" ("Tem que haver consenso e concertação", sublinhou o eurodeputado Nuno Melo), numa altura em que, por o Governo querer impor, sem "consenso e concertação", meia hora diária de trabalho forçado, os sindicatos já anunciaram que não subscreverão qualquer acordo e a CIP que discorda de tal "método".
Se PSD e CDS estão na oposição, quem é que tem andado a governar-nos?
Passa para cá a soberania
Publicado em 2012-01-30
Manuel António Pina
Os olhos cobiçosos da
Alemanha voltam-se de novo para a soberania dos países "periféricos". De
facto, confirmando uma notícia avançada pelo "Financial Times", a AFP
revelou que uma "nota informal" apresentada ao Eurogrupo pela Alemanha
(que ainda é devedora à Grécia de muitos milhares de milhões que foi
condenada a pagar-lhe a título de dívidas de guerra) no sentido de que a
Grécia seja forçada a ceder a sua soberania orçamental em troca de novo
pacote de "ajuda".
Os olhos cobiçosos da sra. Merkel não são substancialmente distintos, senão nos processos, dos que uma outra Alemanha deitou há décadas à soberania dos países vizinhos, Grécia incluída. Taxas de juro usurárias e batalhões de burocratas com "certos poderes de decisão" que reforcem "o controlo dos programas e das medidas 'in loco'" são coisa mais discreta mas não menos arrasadora do que "panzers" e exércitos de ocupação. O seu efeito prático é, porém, o mesmo: a sujeição de um país e de um povo.
Que o actual Governo português, vendo as barbas gregas a arder, persista em atirar o país para o desastre, vergando-se a "ajudas" arma(dilha)das e afundando a economia no ciclo infernal da austeridade e da recessão, ou é cegueira obstinada (do género da de quem não quer ver) ou coisa pior.
Neste contexto, a intenção do mesmo Governo de pôr fim ao feriado que recorda a data da Restauração da Independência assume hoje uma involuntária carga simbólica.
Manuel António Pina 07-11-2011
Os olhos cobiçosos da sra. Merkel não são substancialmente distintos, senão nos processos, dos que uma outra Alemanha deitou há décadas à soberania dos países vizinhos, Grécia incluída. Taxas de juro usurárias e batalhões de burocratas com "certos poderes de decisão" que reforcem "o controlo dos programas e das medidas 'in loco'" são coisa mais discreta mas não menos arrasadora do que "panzers" e exércitos de ocupação. O seu efeito prático é, porém, o mesmo: a sujeição de um país e de um povo.
Que o actual Governo português, vendo as barbas gregas a arder, persista em atirar o país para o desastre, vergando-se a "ajudas" arma(dilha)das e afundando a economia no ciclo infernal da austeridade e da recessão, ou é cegueira obstinada (do género da de quem não quer ver) ou coisa pior.
Neste contexto, a intenção do mesmo Governo de pôr fim ao feriado que recorda a data da Restauração da Independência assume hoje uma involuntária carga simbólica.
Para quem fala o presidente
Manuel António Pina 07-11-2011
"Os próximos tempos podem
ser insuportáveis para alguns dos nossos concidadãos, em especial os
reformados e os desempregados", avisou ontem Cavaco Silva em Carregal do
Sal. O presidente apelou ao "espírito solidário dos portugueses" e a um
"diálogo frutuoso e construtivo" na AR de modo evitar "custos
insuportáveis" para uma parte da população e a "preservar a coesão
social e criar um ambiente social menos negativo" no país.
Ninguém contestará as palavras do presidente da República. Mas, para serem ouvidas por aqueles a quem se dirige e assobiam para o lado, não deveriam ter sido ditas e repetidas antes no Palácio de Belém ao primeiro-ministro? Acredito que Cavaco Silva já o tenha feito e que Passos Coelho conheça a sua preocupação com a "coesão social" e o "ambiente social negativo" que o OE gerará. Provavelmente até já a conheceria antes da elaboração do OE para 2012. Mas, se a ignorou até agora, porque haverá ela de lhe importar vinda de Carregal do Sal?
Já o apelo presidencial ao "espírito solidário dos portugueses", supõe-se que dos mais ricos, ficaria talvez melhor em algum dos fóruns empresariais a que Cavaco Silva regularmente vai. Talvez aí o mais rico dos portugueses, o "trabalhador" Américo Amorim, percebesse o que significa "solidariedade" (para os católicos, a virtude cardial da "liberalitas") já que, nos seus domingos de missa, nunca terá ouvido falar do pecado mortal da avareza.
Manuel António Pina 14-11-2011
Ninguém contestará as palavras do presidente da República. Mas, para serem ouvidas por aqueles a quem se dirige e assobiam para o lado, não deveriam ter sido ditas e repetidas antes no Palácio de Belém ao primeiro-ministro? Acredito que Cavaco Silva já o tenha feito e que Passos Coelho conheça a sua preocupação com a "coesão social" e o "ambiente social negativo" que o OE gerará. Provavelmente até já a conheceria antes da elaboração do OE para 2012. Mas, se a ignorou até agora, porque haverá ela de lhe importar vinda de Carregal do Sal?
Já o apelo presidencial ao "espírito solidário dos portugueses", supõe-se que dos mais ricos, ficaria talvez melhor em algum dos fóruns empresariais a que Cavaco Silva regularmente vai. Talvez aí o mais rico dos portugueses, o "trabalhador" Américo Amorim, percebesse o que significa "solidariedade" (para os católicos, a virtude cardial da "liberalitas") já que, nos seus domingos de missa, nunca terá ouvido falar do pecado mortal da avareza.
Otelo ainda lhes mete medo
Manuel António Pina 14-11-2011
"Para
mim, a manifestação dos militares deve ser, ultrapassados os limites,
fazer uma operação militar e derrubar o Governo", disse Otelo à Lusa. A
hoje corajosa e vociferante trupe de ressentidos do 25 de Abril logo viu
aí o "apelo" a novo golpe de Estado, sacando ofegante do Código Penal
(esqueceu-se do RDM) contra o agora coronel na reserva. No tinteiro
deixou o inconveniente "para mim", que faz da afirmação mera expressão
de uma opinião pessoal. Ou de uma convicção: "Estou convicto de que, em
qualquer altura, se os militares estiverem dispostos a isso, podem
avançar sempre para uma tomada de poder", disse ainda Otelo, no óbvio
papel de "Monsieur" de La Palice.
A Renascença foi
mesmo ao ponto de ridicularizar a PGR por esta não abrir um inquérito ao
caso, "a não ser que factos posteriores o justifiquem", deitando-se a
interpretar o que serão "factos posteriores", além de factos
posteriores. Os resultados divergem: para o corpo da notícia, factos
posteriores são... "consequências práticas", para o título já é...
"golpe de Estado", coisa bem mais sonora e radiofónica.
A mesma gente não manifesta, no entanto, idêntico fervor democrático face aos recentes golpes de Estado, consumados e não imaginários, na Grécia e em Itália, países onde, por imposição do Deus Mercado e de Merkel e Sarkozy, seus profetas, governos resultantes do voto foram substituídos por governos "técnicos" sem mandato popular.
A mesma gente não manifesta, no entanto, idêntico fervor democrático face aos recentes golpes de Estado, consumados e não imaginários, na Grécia e em Itália, países onde, por imposição do Deus Mercado e de Merkel e Sarkozy, seus profetas, governos resultantes do voto foram substituídos por governos "técnicos" sem mandato popular.
O regresso da Velha Senhora
Publicado em 2012-01-26
Manuel António Pina
A Antena 1 acabou com a rubrica de opinião "Este Tempo" após, numa
crónica de Pedro Rosa Mendes, aí ter sido criticado o servilismo do
Governo face ao regime corrupto de Luanda e o tipo de jornalismo que,
pago a peso de oiro com dinheiros públicos, sabuja, sob o diáfano manto
da "informação", cada poder do momento.
A decisão recorda-me episódios idênticos vividos no JN
antes de 1974. Um em que uma crónica de Olga Vasconcelos sobre Indira
Ghandi, filha de Nehru (que ordenara a invasão da "Índia Portuguesa"),
levou à ordem de encerramento da rubrica onde fora publicada; e um outro
que pôs fim ao Suplemento Literário dirigido por Nuno Teixeira Neves
por aí não ter sido devidamente louvado um medíocre romance do escritor
do regime Joaquim Paço d'Arcos. Os dois jornalistas só não foram
despedidos porque tiveram o apoio do então director Pacheco de Miranda
e, no primeiro caso, também do chefe de Redacção Costa Carvalho.
As personagens são agora outras, ou as mesmas com outros nomes, mas as semelhanças são inquietantes (só não há na Antena 1 Pachecos de Miranda nem Costas Carvalhos). E vivemos, diz-se, em democracia, regime em que a Velha Senhora, a Censura, não tem, diz-se, lugar.
Mas por algum motivo 64,6% dos portugueses estão hoje, segundo o "Barómetro da Qualidade da Democracia" apresentado há dias, insatisfeitos com a democracia que temos, quando em 1999 mais de 80% a consideravam "boa" ou "muito boa".
As personagens são agora outras, ou as mesmas com outros nomes, mas as semelhanças são inquietantes (só não há na Antena 1 Pachecos de Miranda nem Costas Carvalhos). E vivemos, diz-se, em democracia, regime em que a Velha Senhora, a Censura, não tem, diz-se, lugar.
Mas por algum motivo 64,6% dos portugueses estão hoje, segundo o "Barómetro da Qualidade da Democracia" apresentado há dias, insatisfeitos com a democracia que temos, quando em 1999 mais de 80% a consideravam "boa" ou "muito boa".
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