domingo, 14 de julho de 2013

Os pobres, os justos e as ruínas



Publicado em 2012-05-24





1.A ideia de partirmos aos pedaços o actual sistema democrático e económico tem algo de inspirador e revolucionário. Sonha-se que uma coisa nova florescerá das ruínas da actual economia, algo de inicial e fresco, capaz de nos fazer olhar para o amanhã com outra justiça, outro ideal, outra música. Talvez uma nova utopia, talvez não. Estranho é o facto de já não termos consciência, por muito mal que as coisas estejam a correr, de vivermos em cima de uma "utopia real" - a do alemão Otto von Bismark que no final do século XIX concretizou a ideia de protecção dos trabalhadores, uma espécie de mutualização do risco dos operários, que gradualmente se converteu no que conhecemos hoje por Segurança Social. Princípios extraordinários: garantir-se a sobrevivência dos mais pobres e dos mais velhos através da quotização dos mais bem-sucedidos. Algo de extraordinário. Um monumento à espécie humana.
Desde essa altura a Europa conheceu duas guerras mundiais, várias crises, mas a utopia da protecção social manteve-se sempre que houve criação de riqueza privada. Pelo contrário, quando foi o Estado a assumir esse ideal (o comunismo, por exemplo) gerou-se um nivelamento forçado, igualitário, que deu origem a uma espiral de pobreza e levou à implosão da União Soviética. Os homens podem querer-se irmãos, mas não se aceitam como iguais. Querer acabar com o mercado é contra o equilíbrio natural das coisas. As pessoas precisam da liberdade para criar prosperidade. E assim nascem os 'mercados' (coisa diferente de 'selva'), que geram os excedentes de riqueza capazes de significar "impostos", para depois os redistribuir entre os mais fracos da sociedade.
Sem confiança no Estado e na sociedade não se gera riqueza nem a cultura do mérito. Os que defendem um IRS de 75% sobre pessoas com rendimento acima de um milhão de euros, como François Holllande, ficam bem na fotografia mas dão um recado muito claro à sociedade: sê mediano. Ou então: pede ao Estado. Vive dele. Depois dos 75% de IRS de Hollande, sufragados nas urnas, qual é o limite? Qual é o crime do sucesso (desde que legal)? O fim da cultura do mérito será o fim do próprio Estado Social. É isto que tristemente os socialistas franceses anunciam ao som da 'Marselhesa 2012': a nacionalização do mérito.
2. Os gregos sentem que as coisas não podem piorar. A verdade é que podem. O problema alemão não parece ser em perdoar a Grécia. É não poder confiar na Grécia por não existir um consenso nacional sobre sair do euro e não pagar a dívida, ou ficar - ainda que debaixo da austeridade (por muito atenuada que deva ser). Basta ler-se a imprensa internacional: o factor mais importante da recuperação portuguesa não passa pelos resultados (incipientes) mas sim pela vontade nacional em mudar o perfil da economia. E isso não se confunde com o Estado ou a política. Isto está a acontecer silenciosamente em milhares de empresas nacionais cada vez mais exportadoras, desconhecidas dos comentadores de televisão. E não está a acontecer na Grécia.
3. O Prémio Nobel Paul Krugman continua a empurrar o euro pela ribanceira abaixo, pela melhores razões, enquanto outros o fazem pelas piores. Krugman anuncia que a saída da Grécia estimularia o crescimento das exportações e do turismo. É verdade. Depois de se arrasar todos os pilares da economia grega - incluindo o Estado Social, as parcas poupanças da classe média grega e a institucionalização da fome - então, nessa altura, alvíssaras!, essas duas coisas boas reerguer-se-ão das ruínas. Bom, estou à espera de ver a vontade de se fazer turismo na Grécia perante a fome ou a violência nas ruas. Ou ainda a capacidade das empresas gregas exportarem, apesar de paralisadas por greves e falta de liquidez...
Em Portugal haverá também muita gente a achar que mais vale quebrar tudo de uma vez. Sair do euro, não pagar a dívida, recomeçar do zero. Acho que Louçã, o grego, sonha com isso - ser o nosso Tsipras, chegar finalmente ao poder. Isto supõe passarmos de um país em que há pobres, remediados e ricos para onde temos apenas pobres. Começarmos todos do zero. É uma opção. Uma sociedade só com pobres é uma sociedade mais igual. Só não é mais justa.

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