domingo, 14 de julho de 2013

O primo do Sul



Publicado em 2012-05-27





Muito se tem falado dos Eurobonds, as obrigações europeias que, para alguns, seriam uma panaceia que resolveria todos os males e que só não foi realizada por culpa exclusiva da senhora Merkel. Na opinião desses crentes, a chegada ao poder do senhor Hollande irá resolver a equação, levando os alemães a aceitarem a receita.
Curiosamente, entre o muito que se vai lendo aqui e ali, parece haver falta de informação sobre a natureza dessas obrigações. Pior do que isso, há também muita desinformação. E, por isso, é conveniente descodificar uma palavra que entrou no jargão das conversas de café e das trocas ácidas de comentários nas redes sociais, mas que carece de contextualização.
Imagine o leitor, por um momento, que tem um primo que está em dificuldades financeiras. É gente boa, é um rapaz divertido, um estroina, que sempre teve uma atração fatal pelo consumo, e quando teve uma folga fez investimentos de risco que depois não conseguiu suportar. O leitor, pelo contrário, é um homem regrado, que só gasta aquilo que pode, porventura algo sisudo, mas que cuida dos seus deveres e das suas obrigações.
Certo dia, o seu primo aparece a bater-lhe à porta a pedir-lhe auxílio. Já não tem dinheiro para os seus gastos, e só se consegue financiar junto de agiotas. Propõe-lhe então uma visita ao gestor do seu banco, para procurar uma solução. O seu gerente diz-lhe que como o leitor é pessoa de bem e de posses, está disponível para abrir uma linha de crédito acessível aos dois, desde que ambos se responsabilizem solidariamente pelo cumprimento escrupuloso das obrigações assumidas. O leitor quer ajudar o parente mas, quando chega a casa, ouve a sua família, que lhe explica que se aceitar a proposta arrisca a sua fortuna. Pior do que isso, uma vez que se um dos dois não cumprir aquilo a que se obrigou, responde o outro pela totalidade da dívida, Pode pois acabar na mesma posição que o seu primo, se ele não arrepiar caminho e mudar de vida.
Ora, este pequeno exemplo serve para explicar o problema que se vive na Europa. O leitor é a senhora Merkel, a sua família é o eleitorado alemão, o seu primo são os países incumpridores da Europa. A proposta que lhe foi apresentada pelo banco é idêntica à da criação dos Eurobonds.
Dir-se-à que os alemães beneficiam com a existência do euro e que, por isso, por razões de justiça e de interesse terão de ser capazes de fazer mais do que aquilo que têm feito. Deveriam abrir os cordões à bolsa e investir, em seu benefício, em infraestruturas de que precisam. Esse investimento teria, como vantagem colateral e nada despicienda, um impulso na economia europeia, com impacto directo nos países periféricos que têm excesso de mão-de-obra e que, dessa forma, adquiririam riqueza que, depois, iria ser utilizada a comprar produtos alemães. Ou seja, criar-se-ia um ciclo virtuoso, que estimularia toda a economia europeia.
Para voltar ao seu exemplo pessoal, caro leitor, e se a situação lhe fosse colocada, propunha-lhe que só aceitasse ser solidário com o seu primo se ele, pelo seu lado, se comprometesse a cumprir com as regras do jogo. Sendo assim, não virá mal ao mundo se aproveitar a disponibilidade dele, e a sua proverbial capacidade de se ajustar à mudança, para contratar os seus serviços.
Verá que desta forma conforta os seus familiares, que são gente desconfiada, mas que serão persuadidos se retirarem um justo benefício da sua generosidade. Compreenderá que a alegria do seu primo é irradiante, e vai contribuir para a sua qualidade de vida. Perceberá que, com o tempo, tudo isto resultará num aprofundamento do espírito de família, e que as diferenças que sempre existirão ente as vossas formas de viver deixarão de ser um ónus, para resultarem num claro benefício para todos.
É desta forma que consigo imaginar o aprofundamento da identidade europeia. Com todas as diferenças, é este o continente que temos. Aliás, quanto mais conheço o Mundo, mais o aprecio. Falta, apenas, que sejamos capazes de tirar partido das suas complementaridades e de entender e de respeitar a importância de todas as suas diferenças.

O dia do consumidor




Publicado em 2012-05-06





As celebrações do dia do trabalhador foram ofuscadas pela inédita campanha de promoção dos supermercados Pingo Doce. Como não poderia deixar de ser, as esquerdas ofenderam-se com a dessacralização de uma data que lhe é querida. Esse sentimento não é alheio ao facto de a iniciativa ter partido de Soares dos Santos, por quem os partidos à esquerda têm um ódio de estimação, não só pelas suas desassombradas posições públicas, mas também pelo facto de ter transferido a sede da sua "holding" para a Holanda.
Não tenho, confesso, qualquer predilecção pelos supermercados de Soares dos Santos, ainda que seja seu cliente regular, porque reconheço que tem uma boa relação qualidade/preço. Não conheço Alexandre Soares dos Santos, nem me comovo com as suas tiradas, ainda que aprecie o seu génio como empresário e compreenda as razões que o levaram a transferir a sua sede. Considero a sua estratégia lícita, porque não houve um desconto excessivo nos produtos individuais, ainda que tenha havido um benefício para os clientes que compraram o valor mínimo estipulado na promoção. Se acreditarmos nos mercados, a operação foi bem-sucedida, na medida em que as acções do grupo se valorizaram, no dia seguinte, em mais de 1%.
Aflijo-me com os complexos anti-mercado dos nossos governantes, e com o furúnculo a que se chama Autoridade da Concorrência. No primeiro caso, como é possível que a ministra que quer impor uma taxa que pague a segurança alimentar se tente imiscuir numa estratégia comercial? Proibirá ela o Engenheiro Belmiro de Azevedo de oferecer a camisola de 1966 do Eusébio,, n "O Continente", quando chegar o "Europeu"? Quanto à Autoridade da Concorrência, aconselho a que percorra as nossas autoestradas e se incomode com a cartelização dos combustíveis, antes de interferir na concorrência agressiva entre as nossas grandes superfícies.
Já não me comovo com as análises de cariz sociológico que pude ler. Pedro Guerreiro, porventura o melhor jornalista português na área da economia, conta-nos que "visto é inacreditável: uma turba faminta amotina-se, espanca-se, enlouquece, encena uma pilhagem sórdida. É uma miséria de marketing, é um marketing de miséria". Ao contrário do Pedro, confesso que não estive lá, porque não sabia da promoção e porque, por norma, desconfio dos saldos. O que, convenhamos, é um luxo pelo qual me penitencio perante o cidadão comum e menos abonado.
Ouvi os relatos de quem lá esteve, e não tenho pachorra para a hipermediatização dos raros distúrbios. A ideia de que houve uma pilhagem encenada é obscena porque, pese embora alguma desordem (que também sucede todos anos em Janeiro, nos saldos dos luxuosos armazéns "Harrods") não houve excessos de monta. Como João Miranda assinala, no "Blasfémias", Pedro Guerreiro devia lembrar-se que, de vez em quando, o seu jornal é distribuído gratuitamente sem que ninguém reclame. O que Helena Matos recorda, no mesmo blogue, é que a Feira do Livro abriu, nesse mesmo dia, oferecendo descontos que ninguém discutiu ou contestou. O que eu recordo, aqui é que os portugueses, mais ou menos necessitados, adoram as borlas. Os italianos utilizam, para os borlistas, a expressão "fare il portoghese".
Neste caso, e como diz o povo, juntou-se a fome á vontade de comer. O consumismo, retraído pela crise, foi libertado por uma campanha de "marketing" de uma empresa que quer crescer. É claro que o "Pingo Doce" poderia, e pelo mesmo preço, ter organizado um festival de "rock" ou poderia ter patrocinado uma corrida de automóveis de luxo, de iates ou de aviões. Em vez disso, e por um preço seguramente inferior, organizou uma promoção para os seus clientes que, concorrendo com o Dia do Trabalhador, encheu as dispensas e os frigoríficos de muitos portugueses. Para muitos deles, foi uma benesse em tempo de penúria. Por causa desta campanha, houve quem voltasse a comer iogurtes, chocolates, e outras coisas que tinham sido transformadas em frutos proibidos. Querem que eu ache mal? Enganem-se, meus amigos, porque acho muito bem.

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