Publicado em 2012-05-22
A eventual saída da Grécia do euro terá enormes impactos, a começar no sistema financeiro e a acabar nas relações entre países. Chegou-se a esta situação porque, como de costume, os líderes europeus nunca acreditaram que... se pudesse chegar a esta situação. Mais uma vez, não agem, reagem. Nas actuais circunstâncias, talvez a única alternativa seja procurar minorar os danos causados pela saída da Grécia do euro, criando corta-fogos que protejam os países mais vulneráveis ao contágio, Portugal (ou Espanha?) à cabeça. O abandono do euro será, para os gregos, um retrocesso de mais de 40 anos, em nível de vida e, há esse risco, em condições democráticas. Se tal vier a suceder, o maior quinhão da responsabilidade é da Grécia, dos políticos que levaram o país à situação de bancarrota e que, depois, não foram capazes de estabelecer uma plataforma de entendimento que lhes permitisse a estabilidade indispensável a uma tarefa de salvação nacional. Esse clima parece ter contagiado (reflecte?) os próprios eleitores que escolheram o pior dos cenários, inviabilizando uma solução governativa estável, fosse ela pró ou anti-troika. A culpa, porém, não está toda do lado grego. A União Europeia ajudou à festa. A sua fixação em políticas de austeridade pró-cíclicas, a sua insistência em prazos de ajustamento demasiado curtos e o juro excessivo estabelecido acentuaram a recessão e, ao ignorarem a dimensão social, incitaram à radicalização o eleitorado grego.
Em economia diz-se que os agentes económicos sofrem de "racionalidade limitada" para designar as suas limitações em processar informação e formular e resolver problemas complexos de uma forma racional (optimizadora). Pensando bem, na conjuntura actual estamos a pedir aos decisores políticos que adoptem políticas que conduzam ao equilíbrio orçamental, evitem a bancarrota do sistema financeiro, estabeleçam uma agenda para o crescimento e impeçam (ou solucionem) problemas como o da Grécia. Como diz o povo, talvez seja "demasiada areia para o seu camião". Ao querer tudo abarcar e resolver, talvez uma ou mais rupturas venham a, ou tenham de, acontecer. Não sei! Pode ser que, em vez de mudanças fundamentais, pequenos ajustamentos em algumas políticas tornem viável a sua conciliação recíproca. Por exemplo, uma consolidação orçamental estrutural, não efémera, requer um tempo e um modo que não são compatíveis com a pressa que a troika tem demonstrado. Mesmo numa conjuntura económica normal, o que não é o caso, cumprir com o exigido tenderia a passar por medidas extraordinárias, como a transferência do fundo de pensões da Banca, por aumentos de impostos e por cortes cegos do lado da despesa. Num quadro destes, é puro cinismo anunciar uma agenda para o crescimento: somar cortes de despesa com aumentos de impostos é uma mistura explosiva cujo resultado só pode ser recessivo, com a fiscalidade a desempenhar o papel de detonador. A virtude está do lado do corte da despesa que tem, ainda assim, de ponderar consequências futuras para evitar o efeito colateral da desarticulação, pura e simples, da máquina do Estado com efeitos nefastos em termos de eficiência (e custos) e eficácia.
Ao impor prazos muito curtos, demasiado curtos, a tríade manifesta insensibilidade política e uma profunda desconfiança na nossa capacidade de manter uma linha de rumo e de planear para além do ciclo eleitoral. Verdade seja dita que lhes demos todas as razões para assim pensarem. Paradoxalmente, o seu frenesim com a produção de resultados poderá contribuir para descontinuidades que não são, nem mais nem menos, do que a repetição, travestidas de reformas, de comportamentos anteriores que fazem tábua rasa de tudo o que foi decidido antes quando o bom senso sugeriria, a mais das vezes, uma via incremental e não disruptiva. Saber discernir quando são precisas rupturas ou, tão-só, melhorias distingue o governante do reaccionário e do aventureiro, o futuro do passado e da catástrofe. Requer tempo para pensar com vagar. Tê-lo-emos?
Perder a paciência
Publicado em 2012-05-29
1. Os portugueses estão a lidar com a pressão da crise com um misto de resignação e determinação. Na falta de alternativas credíveis, vão, umas vezes com renitência, outras por antecipação, ajustando comportamentos. São mais criteriosos no que compram, procuram poupar, agarram-se ao emprego ao ponto de suportar salários em atraso, esconjuram o fantasma do desemprego. Colectivamente, as dificuldades estimularam mecanismos de fraternidade e colocaram novos desafios às instituições vocacionadas para a solidariedade social. Cresceu o voluntariado, a disponibilidade para a partilha, mesmo (sobretudo?) entre os carenciados. Salvo um ou outro afloramento, dir-se-ia que tudo está calmo. Dir-se-ia que os portugueses estarão a ter uma atitude exemplar perante todos os condicionalismos decorrentes do processo de ajustamento. A manter-se, essa paz social é, como já foi dito e redito, um trunfo, um factor diferenciador que nos coloca próximo da Irlanda e nos afasta da Grécia.
Da mesma forma que há uma gota que faz transbordar o copo ou um pequeno aumento de tensão que rebenta a corda, projectar o futuro próximo com base no que se passou até agora é simplista e perigoso. A calma talvez seja mais aparente do que alguns pressupõem. É preciso estar muito atento aos sinais que vêm do quotidiano com o qual os partidos e as corporações, fechados nas suas representações e centrados nos seus interesses, perdem, cada vez mais, o contacto, afastando-se dos cidadãos e afastando os cidadãos da política, desta política, num prenúncio de morte deste regime. O que, por si só, não é mau, nem bom. Tudo vai depender da capacidade que a democracia tenha de se reinventar, dando espaço para novas expressões de cidadania e recentrando-se nos valores. A fronteira entre democracia, demagogia e populismo, e o que se lhe pode seguir, é perigosamente ténue. Os sinais, as dinâmicas, as suas representações, são contraditórios. Sem líderes à altura do desafio, aumenta a responsabilidade das organizações da sociedade que souberem determinar-se por causas e valores.
2. Rara é a semana em que um ou outro interesse instalado na CP não desencadeie um protesto que se reflecte no serviço prestado. Cancelamentos e atrasos passaram a rotina. O comboio é, sobretudo, utilizado por trabalhadores das classes baixa e média, potencialmente solidários com os seus colegas ferroviários. A sucessão de greves foi erodindo esse apoio. O cansaço e os prejuízos foram dando lugar à irritação e à contestação, inicialmente em surdina, envergonhada, agora cada vez mais às claras. Ninguém está disposto a pagar mais por um serviço de pior qualidade. Centradas em exclusivo nos seus interesses, incapazes de se adaptar, fora da realidade, as corporações perderam a solidariedade dos utentes e estão a criar, objectivamente, as condições para que mudanças radicais no seu estatuto, ou no das empresas em que trabalham, tenham apoio generalizado. Se um serviço público de transportes, com a ênfase em serviço, passar por aí, talvez seja um mal que vem por bem.
3. Para um liberal, um ministério da Economia é excedentário em quase tudo o que vá além da supervisão e regulação. Nestes termos, o que parecia um erro de casting (um ministro sem tarimba política e desconhecendo a realidade empresarial portuguesa) e uma teimosia arrogante (persistir na manutenção de um ministério ingovernável) pode ser uma maneira subtil de alcançar o propósito de reduzir, drasticamente, a intervenção do Estado na economia. Parece que há, mas não há. O Ministério está lá para fazer a reforma do mercado de trabalho e pouco mais. Faz que faz, mas não faz. Um exemplo: se os autarcas da Área Metropolitana do Porto se sentem desconsiderados pelo arrastar da situação na Metro, na STCP ou na APDL, obtêm como resposta que a nomeação das novas administrações não é uma prioridade. Quanto menos as empresas públicas puderem decidir, melhor. É a lógica das finanças a comandar a economia. Não convém à Junta Metropolitana do Porto? Paciência.
Sem comentários:
Enviar um comentário