Oficiais das SS num momento de repouso perto do campo de extermínio nazi de Auschwitz REUTERS
O último "caça-nazis", Efraim Zuroff, explica a recente campanha do centro Simon Wiesenthal, enquanto na Alemanha são investigados 50 alegados guardas de Auschwitz.
Efraim Zuroff poderia estar cansado e farto de repetir os mesmos argumentos. Poderia acusar o fardo de esbarrar na recusa insidiosa de países investigarem ou acusarem suspeitos de crimes durante o regime nazi, com nome e morada conhecidos, de procurar provas da existência ou morte de dois dos mais importantes nazis que se evaporaram sem deixar rasto, de ser, como ele diz a brincar, "o único judeu no mundo que reza para que os nazis estejam de boa saúde". E poderia estar farto de repetir que a passagem do tempo não diminui a culpa, de que a idade não transforma antigos criminosos em vítimas, que é um dever para com as verdadeiras vítimas encontrar e acusar os culpados.
Mas Efraim Zuroff não está cansado nem farto. E o Centro Simon Wiesenthal de Jerusalém, de que é o principal responsável, acaba de lançar a Operation Last Chance II -a última das últimas hipóteses para levar a julgamento suspeitos de crimes cometidos durante o Holocausto, em que morreram cerca de seis milhões de judeus.
Em resposta a um pedido feito ao Centro Wiesenthal por email, é o próprio Zuroff que telefona para falar ao PÚBLICO do seu trabalho - é importante, diz, que haja informação, e é preciso que esta passe depressa. "88% destas pessoas estão mortas", sublinha, referindo-se aos que cometeram crimes no Holocausto. "Não temos muito tempo."
Todos os anos, o Centro Simon Wiesenthal compila uma lista dos dez nazis mais procurados. O nome engana, já que não estão lá os pesos pesados do regime e da chamada "solução final". São pessoas que fizeram parte da máquina de extermínio a níveis intermédios. O seu lugar na lista é baseado em três critérios: "Responsabilidade de comando, se cometeram pessoalmente assassínios, e o número de pessoas afectadas negativamente pelas suas acções", enumera Zuroff. "Acreditem ou não, há muitos candidatos. O número de casos potenciais de criminosos de guerra nazis é muito maior do que o que muita gente imagina."
E Zuroff acrescenta algo da sua experiência: "Nunca conheci um nazi que mostrasse qualquer remorso. Nem um."
Nem necessidade de se esconder: ao contrário de alguns responsáveis como Aribert Heim, o Dr. Morte, que terá morrido em 1992, no Egipto, depois de viver anos ali sob a identidade de Tarek Hussein Farid, ou do chefe da Gestapo Heinrich Müller, do qual não aparecem provas de vida ou morte, estes nazis vivem sem ter alterado o seu nome, sem terem adoptado identidades falsas, sem temer consequências.
Onde começa a culpa
Isso poderá agora mudar. Na Alemanha, na sequência de uma decisão de um tribunal de Munique em relação a John Demjanjuk em 2011, deixou de ser necessário provar a ligação a um crime específico para uma acusação de cumplicidade com crimes nazis. O tribunal decidiu que, apesar de não estar ligado a um crime em específico, ao ser guarda de um campo onde morreram 27.900 pessoas, o acusado era "parte da máquina de destruição".
Abriu assim a porta a que as autoridades alemãs olhem para outros casos semelhantes. Foi já anunciada uma investigação a cerca de 50 homens, todos na casa dos 90 anos, que poderão vir a ser acusados de cumplicidade no assassínio de milhares de pessoas por terem, alegadamente, sido guardas do campo de extermínio nazi de Auschwitz. Até agora, só foi anunciada uma acusação concreta, em Maio, em Estugarda: a de Hans Lipschis, 93 anos, guarda no campo (ele nega, dizendo que era apenas cozinheiro). Lipschis estava em quarto lugar na lista dos mais procurados.
Em Junho, a Hungria anunciou a acusação de Laszlo Csatary, 98 anos, por cumplicidade no assassínio de 15.700 judeus, supervisionando deportações para Auschwitz, e directamente de alguns casos de morte e tortura no gueto de Kassa (hoje Kosice), o primeiro na Hungria ocupada pelos nazis. Csatary era o primeiro na lista dos nazis mais procurados pelo Centro Wiesenthal, e foi encontrado em Budapeste numa investigação do tablóide britânico The Sun,com ajuda do centro em 2012. O acusado diz que era apenas um intermediário entre responsáveis húngaros e alemães e nega envolvimento em crimes de guerra.
Recompensa: 25 mil euros
A Operation Last Chance II vai ter uma série de anúncios na Alemanha e recompensas até 25 mil euros. Zuroff diz que a Alemanha "tem uma consciência bem desenvolvida dos crimes nazis" e conta que é "um dos poucos países em que as pessoas telefonam com informação sobre familiares" - embora, por outro lado, inquéritos mostrem que metade dos alemães acreditam hoje que na sua família todos seriam contra Hitler e apenas 6% admitam ter familiares nazis.
Quase 70 anos após o final da II Guerra, as investigações da autoridade alemã que se dedica aos crimes nazis sucedem-se. Zuroff tinha estimado há pouco mais de um ano que o número de guardas nos campos exclusivamente de extermínio seria no mínimo 4000. "Mesmo se apenas 2% destas pessoas estiverem vivas, e partindo do princípio de que pelo menos metade não estão em condições físicas de ir a julgamento, ainda seria possível acusar 40", disse.
A Alemanha (junto com o Canadá e a Hungria) está em segundo lugar na lista de países que mais exemplarmente investiga, uma lista encabeçada pelos Estados Unidos.
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