domingo, 14 de julho de 2013

Notícias do outro Portugal




Há momentos em que um livro , uma música, uma paisagem, um vinho, uma gastronómica novidade, um quadro, um olhar são suficientes para que as rugas da nossa alma se espreguicem, se estiquem, deixando-nos um pouquinho mais crentes no que é e no que há de ser a nossa vida individual e coletiva.
E também há pessoas capazes de nos fazer acreditar que, para lá da espuma dos dias, mergulhadas no país profundo que se confronta com o destino de negritude acentuada, são capazes de nos provocar o mesmo tipo de sensação de alívio, de gosto, de gozo e de esperança.
Encontrei uma (o que, por estes dias, vai sendo uma raridade) em Viseu, numa conferência organizada, na passada segunda-feira, pela TSF e pelo JN, numa parceria com a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas. João Silva foi professor de Educação Física anos a fio. Hoje é presidente da Cooperativa Agrícola de Távora. Desempoeirado como todos os homens que sentem o que fazem e sofrem com o que não os deixam fazer, atirou estes números para a plateia: em meia dúzia de anos, o espumante feito na região do Távora-Varosa pulou de 5 mil para mais de meio milhão de unidades; a Cooperativa que João Silva lidera dá emprego directo a 57 pessoas; é o ganha-pão de 1200 famílias; e só arranca com uma nova campanha depois de ter pago a anterior aos agricultores.
Este "caminho da honradez" (palavras dele) é feito numa altura em que "a agricultura bateu no fundo" (palavras dele também). Quer dizer: o mais fácil, para a Cooperativa de Távora, seria refugiar-se na crise e permanecer, quieta, num recanto à espera que a tormenta passe. Nada disso. "Temos de ser ambiciosos, inovadores e empreendedores, senão a história acaba por nos apagar"."É por isso que a junção com a Cooperativa de Armamar está em curso. Para que a história não se encarregue de apagar quem não quer, nem merece, ser apagado.
Há queixas, claro. E dirigidas a quem, no sossego de um qualquer gabinete, decide estimular a colocação de toneladas de fruta no mercado, mas se esquece de criar, a montante, condições para que o objectivo se concretize. "Não temos, por exemplo, câmaras de frio, essenciais para este negócio", exemplifica João Silva. "O tempo do ensaio e erro já lá vai. Se Deus quiser e o Governo também, nós cá estamos". Para lutar.
Do Interior, desse outro Portugal onde a alma se estremunha com compreensível facilidade, chegam, portanto, boas notícias. Que mil presidentes como este floresçam pelo país, a ver se a coisa avança.
P.S.: Scolari disse, numa entrevista, que não convocou Baía para a selecção porque Pinto da Costa lhe dissera que o guarda-redes era "problemático". É uma das mais cobardes e rasteiras desculpas que ouvi a um treinador. Lamentável.

Rio e Valentim, os piedosos




Publicado em 2012-05-27





A debandada registada na Metro do Porto, com a saída dos quatro administradores que restavam, só peca por tardia. Como peca por tardia a reacção conjunta dos autarcas da Área Metropolitana àquilo que tem sido o inominável tratamento que o inonimável ministro da Economia tem dado ao assunto. Ou melhor: aos assuntos, porque a STCP tem sido igualmente alvo da incompetência técnica e política de Álvaro Santos Pereira, ou da equipa que supostamente comanda. Chega uma altura em que é preciso dar nome às coisas: este filme de rasteira qualidade não se traduz apenas numa desconsideração aos autarcas e aos trabalhadores das empresas - traduz-se, antes de mais, numa inqualificável desconsideração para com a Área Metropolitana do Porto.
A inépcia do ministro Álvaro chega ao ponto de não perceber (talvez seja necessário um power point cheio de cores, gráficos e setinhas para o ajudar) que esta é a pior altura para deixar que a situação se arraste. À força de muito trabalho e competência, a Metro e a STCP conseguiram mostrar que, no meio da tormenta que nos apoquenta, é possível ter operações equilibradas nos dois meios de transporte. Como sabemos que a troika, mais cedo do que tarde, obrigará o Governo a arcar com os custos da dívida das empresas públicas, Metro e STCP transformar-se-ão em activos muito interessantes. Há sérias razões para temer que a incompetência declarada, nesta matéria, pelo ministro da Economia possa, mesmo nestas condições, deitar tudo a perder.
Deste inenarrável caso é preciso, contudo, tirar outra conclusão. Que é esta: a incapacidade de os autarcas se fazerem ouvir é arrepiante. Atente-se nos argumentos aduzidos por Rui Rio e Valentim Loureiro para tentar explicar a balbúrdia: "Não acredito que o senhor primeiro-ministro saiba o que está a passar-se", diz o autarca de Gondomar, no que é secundado pelo seu homólogo do Porto. "O Ministério da Economia é gigantesco. É muito difícil conseguir gerir com eficácia um ministério tão grande", diz Rio.
Quem há muitos anos procura justificação para a perda de influência e de poder do Porto e do Norte tem aqui (mais) um belíssimo exemplo. Piedosos, Valentim e Rio acreditam na inocência de Passos Coelho e na falta de tempo do ministro Álvaro para tomar conta de dossiers como este. A piedade fica-lhes bem. A ignorância nem por isso. Na verdade, o ministro da Economia acha que tem mais que fazer do que andar a incomodar-se com os problemas que estão lá para o fundo da lista das prioridades."É por isso que manda amanuenses às reuniões. É por isso que promete o que não cumpre. É por isso que se entretém com power points.
Vai sendo tempo de, parafraseando Victor Hugo, parar com a filosofia e passar à acção, indispensável para que o protesto incomode e tenha consequências. Se não for assim, o ministro Álvaro continuará a brincar aos power point. Coisa em que, é preciso dizê-lo, é grande craque.

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