Por Peter Singer
No ano passado, disse a uma colega que incluiria a ética na Internet num curso que estava a leccionar. Ela sugeriu que lesse uma antologia publicada recentemente sobre ética na computação – e anexou o volume completo no e-mail. Deveria ter recusado ler um livro pirateado? Estaria eu a receber bens roubados, tal como os defensores de leis mais rigorosas contra a pirataria na Internet alegam?
Se roubar o livro de alguém, à maneira antiga, eu fico com livro e o verdadeiro proprietário deixa de o ter. Eu fico melhor, mas ele fica numa situação pior. Quando as pessoas utilizam livros pirateados, a editora e o autor ficam muitas vezes numa má situação – perdem receitas por não venderem o livro.
Mas, se a minha colega não me tivesse enviado o livro, eu requisitá-lo-ia na biblioteca da minha universidade. Poupei o tempo necessário para o fazer e parece que ninguém foi prejudicado. (Curiosamente, tendo em conta que o tema de conversa é o livro, este não se encontra à venda em formato digital.) Na verdade, outras pessoas também beneficiaram com a minha escolha: o livro permaneceu na prateleira da biblioteca, disponível para outros utilizadores.
Por outro lado, se o livro não estivesse na prateleira e se os outros utilizadores pedissem aos funcionários da biblioteca para o recuperar ou reservar, a biblioteca poderia ter em consideração a procura pelo livro e adquirir um outro exemplar. Mas existe apenas uma pequena probabilidade de que a minha utilização do livro persuadiria a biblioteca a comprar outro exemplar. E, em todo o caso, neste momento estamos muito longe dos casos normais de roubo.
Perguntei aos 300 alunos da minha classe de ética se algum deles não tinha transferido algo da Internet, sabendo ou suspeitando que estavam a violar os direitos de autor. Apenas cinco ou seis ergueram a mão. A maioria do restante grupo pensava que o que tinha feito era errado, mas disse que “toda a gente faz isso”. Outros disseram que não comprariam a música ou o livro, independentemente da situação, logo não estavam a prejudicar ninguém. Não parecia que algum deles estivesse preparado para deixar de o fazer.
O motivo para reforçar as leis dos direitos de autor foi fortalecido com os detalhes que surgiram após a detenção em Nova Zelândia, no mês passado, de Kim Dotcom (Kim Schmitz, nome de nascimento), fundador do site Megaupload (actualmente desactivado pelo FBI). O Megaupload permitiu que os seus 180 milhões de utilizadores registados carregassem e transferissem filmes, programas televisivos e música, sendo que algum do dinheiro ganho pelo Dotcom (a partir de publicidade e assinaturas) estava exposto na sua mansão perto de Auckland, onde mantinha o seu Rolls-Royce e outros carros exóticos.
O advogado de Dotcom alega que o Megaupload servia meramente para armazenar os arquivos dos assinantes e que não tinha qualquer controlo sobre o que era armazenado. Mas o site da Megaupload oferecia recompensas monetárias aos utilizadores cujos ficheiros carregados fossem populares para os outros utilizadores.
No mês passado, os Estados Unidos ponderaram a legislação destinada a impedir a pirataria na Internet. As propostas de lei foram redigidas devido à insistência dos estúdios de Hollywood e das indústrias editoriais e fonográficas, que afirmam que as violações dos direitos de autor na Internet custam 100 mil postos de trabalho norte-americanos. Os que se opõem dizem que a lei proposta iria chegar muito além dos sites como o Megaupload, tornando o Google e o YouTube responsáveis pela violação dos direitos de autor – e permitindo que o governo bloqueasse (sem autorização do tribunal) o acesso aos sites que considerasse facilitarem a violação dos direitos de autor.
Para já, activistas da Internet, juntamente com utilizadores do Google, do Facebook e outros principais intervenientes online, levaram a melhor, ao convencerem o Congresso dos EUA a arquivar a sua legislação anti-pirataria. Mas a luta continuará: no mês passado, a União Europeia e 22 Estados-membros assinaram o Acordo Comercial Anti-Contrafacção, que estabelece as normas internacionais e uma nova organização para fazer valer os direitos de propriedade intelectual. O contrato já foi assinado pela Austrália, pelo Canadá, pelo Japão, por Marrocos, pela Nova Zelândia, por Singapura e pelos EUA. Agora deve ser ratificado, entre outros, pelo Parlamento Europeu.Sou autor, assim como sou leitor. Uma das maravilhas da Internet é que alguns dos meus trabalhos mais antigos, há muito fora do mercado, nunca estiveram tão disponíveis como agora – em versões piratas. Obviamente, sou mais sortudo do que muitos outros autores ou artistas criativos, uma vez que o meu salário académico significa que não sou obrigado a depender apenas dos direitos de autor para sustentar a minha família. No entanto, não é difícil encontrar melhores fins para os meus rendimentos com os direitos de autor do que o estilo de vida prejudicial para o ambiente de Kim Dotcom. Temos de encontrar uma maneira de maximizar o potencial verdadeiramente espantoso da Internet, ao mesmo tempo que se recompensa devidamente os criadores.
A Austrália, o Canadá, Israel, a Nova Zelândia e muitos países europeus têm agora o direito de comodato, desenvolvido para compensar os autores e as editoras pela perda de vendas causada pela presença dos seus livros em bibliotecas públicas. Precisamos de algo semelhante para a Internet. Uma taxa de utilizador poderia compensar e, se a taxa fosse bastante baixa, diminuiria o incentivo para a utilização de cópias piratas. Juntem a taxa com a execução da lei contra o mega abuso dos sites e o problema pode ser solúvel. Caso contrário, as pessoas mais criativas terão de ganhar a vida com outra actividade em simultâneo e todos seremos perdedores.
No ano passado, disse a uma colega que incluiria a ética na Internet num curso que estava a leccionar. Ela sugeriu que lesse uma antologia publicada recentemente sobre ética na computação – e anexou o volume completo no e-mail. Deveria ter recusado ler um livro pirateado? Estaria eu a receber bens roubados, tal como os defensores de leis mais rigorosas contra a pirataria na Internet alegam?
Se roubar o livro de alguém, à maneira antiga, eu fico com livro e o verdadeiro proprietário deixa de o ter. Eu fico melhor, mas ele fica numa situação pior. Quando as pessoas utilizam livros pirateados, a editora e o autor ficam muitas vezes numa má situação – perdem receitas por não venderem o livro.
Mas, se a minha colega não me tivesse enviado o livro, eu requisitá-lo-ia na biblioteca da minha universidade. Poupei o tempo necessário para o fazer e parece que ninguém foi prejudicado. (Curiosamente, tendo em conta que o tema de conversa é o livro, este não se encontra à venda em formato digital.) Na verdade, outras pessoas também beneficiaram com a minha escolha: o livro permaneceu na prateleira da biblioteca, disponível para outros utilizadores.
Por outro lado, se o livro não estivesse na prateleira e se os outros utilizadores pedissem aos funcionários da biblioteca para o recuperar ou reservar, a biblioteca poderia ter em consideração a procura pelo livro e adquirir um outro exemplar. Mas existe apenas uma pequena probabilidade de que a minha utilização do livro persuadiria a biblioteca a comprar outro exemplar. E, em todo o caso, neste momento estamos muito longe dos casos normais de roubo.
Perguntei aos 300 alunos da minha classe de ética se algum deles não tinha transferido algo da Internet, sabendo ou suspeitando que estavam a violar os direitos de autor. Apenas cinco ou seis ergueram a mão. A maioria do restante grupo pensava que o que tinha feito era errado, mas disse que “toda a gente faz isso”. Outros disseram que não comprariam a música ou o livro, independentemente da situação, logo não estavam a prejudicar ninguém. Não parecia que algum deles estivesse preparado para deixar de o fazer.
O motivo para reforçar as leis dos direitos de autor foi fortalecido com os detalhes que surgiram após a detenção em Nova Zelândia, no mês passado, de Kim Dotcom (Kim Schmitz, nome de nascimento), fundador do site Megaupload (actualmente desactivado pelo FBI). O Megaupload permitiu que os seus 180 milhões de utilizadores registados carregassem e transferissem filmes, programas televisivos e música, sendo que algum do dinheiro ganho pelo Dotcom (a partir de publicidade e assinaturas) estava exposto na sua mansão perto de Auckland, onde mantinha o seu Rolls-Royce e outros carros exóticos.
O advogado de Dotcom alega que o Megaupload servia meramente para armazenar os arquivos dos assinantes e que não tinha qualquer controlo sobre o que era armazenado. Mas o site da Megaupload oferecia recompensas monetárias aos utilizadores cujos ficheiros carregados fossem populares para os outros utilizadores.
No mês passado, os Estados Unidos ponderaram a legislação destinada a impedir a pirataria na Internet. As propostas de lei foram redigidas devido à insistência dos estúdios de Hollywood e das indústrias editoriais e fonográficas, que afirmam que as violações dos direitos de autor na Internet custam 100 mil postos de trabalho norte-americanos. Os que se opõem dizem que a lei proposta iria chegar muito além dos sites como o Megaupload, tornando o Google e o YouTube responsáveis pela violação dos direitos de autor – e permitindo que o governo bloqueasse (sem autorização do tribunal) o acesso aos sites que considerasse facilitarem a violação dos direitos de autor.
Para já, activistas da Internet, juntamente com utilizadores do Google, do Facebook e outros principais intervenientes online, levaram a melhor, ao convencerem o Congresso dos EUA a arquivar a sua legislação anti-pirataria. Mas a luta continuará: no mês passado, a União Europeia e 22 Estados-membros assinaram o Acordo Comercial Anti-Contrafacção, que estabelece as normas internacionais e uma nova organização para fazer valer os direitos de propriedade intelectual. O contrato já foi assinado pela Austrália, pelo Canadá, pelo Japão, por Marrocos, pela Nova Zelândia, por Singapura e pelos EUA. Agora deve ser ratificado, entre outros, pelo Parlamento Europeu.Sou autor, assim como sou leitor. Uma das maravilhas da Internet é que alguns dos meus trabalhos mais antigos, há muito fora do mercado, nunca estiveram tão disponíveis como agora – em versões piratas. Obviamente, sou mais sortudo do que muitos outros autores ou artistas criativos, uma vez que o meu salário académico significa que não sou obrigado a depender apenas dos direitos de autor para sustentar a minha família. No entanto, não é difícil encontrar melhores fins para os meus rendimentos com os direitos de autor do que o estilo de vida prejudicial para o ambiente de Kim Dotcom. Temos de encontrar uma maneira de maximizar o potencial verdadeiramente espantoso da Internet, ao mesmo tempo que se recompensa devidamente os criadores.
A Austrália, o Canadá, Israel, a Nova Zelândia e muitos países europeus têm agora o direito de comodato, desenvolvido para compensar os autores e as editoras pela perda de vendas causada pela presença dos seus livros em bibliotecas públicas. Precisamos de algo semelhante para a Internet. Uma taxa de utilizador poderia compensar e, se a taxa fosse bastante baixa, diminuiria o incentivo para a utilização de cópias piratas. Juntem a taxa com a execução da lei contra o mega abuso dos sites e o problema pode ser solúvel. Caso contrário, as pessoas mais criativas terão de ganhar a vida com outra actividade em simultâneo e todos seremos perdedores.
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