domingo, 14 de julho de 2013

Prenúncios de mudança



Publicado em 2012-05-25





A Europa já começou a mudar e não foi por mérito de François Hollande ou de Angela Merkel. Como sempre, a União Europeia só progride quando não tem alternativa à mudança e, na verdade, o risco de colapso da moeda única, embora há longo tempo anunciado, tornou-se agora iminente sob a ameaça de ingovernabilidade grega, o avanço imparável da recessão económica e o contínuo agravamento da "dívida" dos estados-membros, impulsionado pela "austeridade a todo o custo", imposta até agora pelo defunto directório europeu de Merkel e Sarkozy. Compreende-se a teimosia do governo alemão. Os mesmos "mercados financeiros" que cobram juros usurários à Grécia desesperada, compram a dívida alemã sem cobrar juro. A mutualização da dívida no âmbito da união monetária não significa, portanto, qualquer vantagem imediata para a Alemanha. Compreende-se, apesar de tudo, a teimosia da Espanha que já paga juros desmesurados pela sua dívida galopante mas reserva para si o privilégio de cumprir as medidas de austeridade que recomenda aos outros, apenas nos prazos que lhe forem mais convenientes. Já não se entende, contudo, a mansa submissão do governo português ao cumprimento estrito dos termos de um "memorando" precariamente negociado pelo governo que o antecedeu e que ao fim de menos de um ano se demonstra insuficiente para travar o endividamento, continuando a destruir a nossa economia e a minar uma coesão social cada vez mais fragilizada pelo crescimento acelerado do desemprego, o aumento das desigualdades entre ricos e pobres e as assimetrias regionais de sempre.
As "políticas de austeridade" que tão bem serviam o sucesso alemão transformando as desgraças das suas vítimas em oportuna pedagogia de doutrinas conservadoras e da exemplaridade da disciplina germânica, enfrentam, agora, desfalcadas pelas eleições francesas da habitual muleta, o desafio da precipitação de uma crise catastrófica, no limiar das eleições alemãs do próximo ano. A aceleração do processo de integração política europeia já não representa um dilema. Qualquer alternativa pressupõe o reforço da União. Se este "pacto orçamental" já não vem a tempo de suster a cavalgada para o abismo urge inventar, com pragmatismo, uma combinação audaciosa das reformas institucionais com incentivos ao desenvolvimento que reponha o valor da solidariedade entre os povos no lugar que historicamente lhe cabe no projecto europeu.
A aprovação pela Assembleia da República da proposta de resolução do Partido Socialista sobre uma adenda ao "Pacto Orçamental" para a inclusão de medidas de crescimento e emprego é um claro prenúncio destas mudanças. A cimeira informal que juntou esta semana à volta da mesa os dirigentes europeus, para além das conclusões anunciadas e do apoio reiterado à solidariedade com a Grécia, assinalou o início de um novo ciclo em que a par do saneamento financeiro, se inscrevem as preocupações de relançamento económico, em particular, nos países mais afectados pela crise. A abertura de um ciclo mais promissor talvez possa salvar a Europa da desagregação mas não significa, infelizmente, o fim das graves privações que nos atormentam. Temos o problema do défice acumulado e não há sinais da reforma urgente e audaciosa de que o país carece e que só a nós cumpre fazer. Mas não há solução para os nossos problemas fora do quadro da União Europeia e do contexto internacional.
Está em curso um fenómeno irreversível de ajustamento das economias mundiais e as disparidades entre as condições de vida dos povos não podem ser apreciadas apenas no confronto entre vizinhos porque as exigências de justiça e de equidade, inevitavelmente, passaram a ser formuladas à escala global e as relações de "vizinhança" já não são aferidas pela proximidade dos territórios. Deste ajustamento tem aproveitado uma especulação financeira desregrada que beneficiou da cumplicidade das democracias constitucionais. É altura de os povos do mundo reclamarem o que lhes pertence.

Novas esperanças




Publicado em 2012-05-18





Não há indício mais flagrante do desvario que se apoderou de alguns dirigentes europeus - confrontados com a maior crise que alguma vez atingiu a União - do que a perversidade dos "lugares comuns" invocados para qualificar a situação presente e a sua dramática indigência.
A "preguiça dos povos do Sul", que outrora serviu para justificar o esclavagismo e a colonização do continente africano, serve agora para exigir o pagamento de juros usurários a gregos, italianos, espanhóis e portugueses que, alega-se, "viviam acima das suas possibilidades". É certo, recorde-se, que até rebentar a bolha imobiliária nos EUA - o maior devedor do Mundo - a Banca estimulava o endividamento competindo entre si pela oferta dos empréstimos mais atractivos e que, ainda recentemente, todos exaltavam as virtudes infinitas do crédito.
Agora, a dívida foi "requalificada" e passou a designar-se por "dívida soberana", provavelmente por antítese da perda da soberania monetária dos estados que aderiram ao euro, vítimas das assimetrias provocadas pela adopção da moeda única sem a correspondente integração dos instrumentos financeiros e das políticas económicas adequadas.
Todavia, a "punição" prescrita pela velha dupla franco-alemã, de Merkel e Sarkozy, previa a redenção milagrosa dos devedores, pela estrita submissão às "políticas de austeridade". Os resultados são bem conhecidos. O que inicialmente foi descrito como a "excepção" grega, continuou a agravar-se, alastrou a Portugal e ameaça a Espanha e a Itália. Na Holanda, caiu um governo dependente do apoio da extrema-direita, na Alemanha, o partido no governo sofreu no passado domingo mais uma clamorosa derrota nas eleições da Renânia do Norte-Vestefália. Na França, o indispensável aliado das "políticas de austeridade" impostas na Europa, Nicolas Sarkozy perdeu também as eleições. Entretanto, na Grécia, a democracia enunciou, precariamente, os insondáveis paradoxos de ingovernabilidade.
Embora se tenha transformado na banalidade mais comum, é verdade que "as crises são uma oportunidade". Isto significa apenas que não sendo desejadas e muito menos desejáveis, também as crises acabam por passar e que cada um, de facto, constrói o seu próprio futuro, no presente. Não seria mais do que isto, o que o primeiro-ministro português terá pretendido dizer aos desempregados, como se aqui não houvesse, também, um terrível drama colectivo, um grave problema social e um sério desafio à governação. O "memorando de entendimento" com a troika, como todos bem se recordam, foi concluído à pressa e assinado a contragosto por um governo demissionário, sem margem negocial e com uma legitimidade democrática diminuída, na véspera de eleições antecipadas. Para compensar a evidente fragilidade desse compromisso, a principal força política da oposição - que iria vencer as eleições e formar o actual governo - declarou a sua adesão ao "memorando" e prometeu, com inusitado entusiasmo, que pretendia mesmo "ir além" dos compromissos que o governo cessante admitia com resignação. Não obstante, há quem tente agora confundir a necessidade incontornável de honrar os compromissos assumidos nesse "memorando" conjuntural, com a submissão fatal à leitura ideologicamente empenhada que dele faz a maioria governante, e quem pretenda continuar a excluir do debate político democrático a orientação até hoje hegemónica do defunto directório europeu.
Mas enganam-se! Como sempre, as crises abrem múltiplas oportunidades. À direita e à esquerda, só os demagogos podem prometer para breve um futuro radioso mas convém não esquecer que o chamado "Estado de Bem-estar" emergiu da grande depressão dos anos 20 e que a "democracia social" europeia foi construída, pela esquerda e pela direita, sobre as ruínas da Segunda Guerra Mundial. Que não nos falte a ousadia indispensável para enfrentar os desafios, promover as mudanças... e prevenir novas catástrofes.

Sem comentários:

Enviar um comentário