Édipo e a Esfinge. |
Simon Critchley, em obra intitulada The Book of Dead Philosophers, salienta ser justo reivindicar o estatuto de primeiro filósofo para a Esfinge e o de segundo para Édipo (1). A história (ou uma das suas versões) é bastante conhecida. Enviada por Hera a castigar a cidade de Tebas, a Esfinge apresentava enigmas aos viajantes e devorava os que não fossem capazes de os decifrar. Acabou com estes jogos depois de Édipo solucionar um quebra-cabeças que ela lhe lançara: qual a criatura que de manhã anda de quatro pernas, ao meio-dia de duas e, ao anoitecer, de três? «É o homem!», aventara Édipo. E a Esfinge, furiosa, precipitou-se para a morte do cimo do seu alto rochedo.
Embora a temática seja relevante, a sugestão de Critchley não parece inteiramente idónea. Se considerarmos o termo filósofo no alegado sentido em que Pitágoras o usou – aquele que ama e busca o saber, colocando questões essenciais, não o detentor da verdade ou o que tal se crê –, é difícil inferir algo de semelhante da cena descrita, em cujo contexto uma das interrogações fundamentais possíveis – o que é o homem? – não chegou, afinal, a ser objecto de exame. O facto de o bicho humano gatinhar enquanto bebé e se deslocar sobre duas pernas quando adulto, auxiliando-o a bengala na velhice, constitui uma curiosidade que nem ao de leve toca o mistério do que somos. Assim, a Esfinge formulou uma pergunta para a qual já possuía resposta. Édipo deu uma resposta que deveria ter convertido em pergunta.O resto da lenda é escassamente animador. O monstro, dissemo-lo, suicidou-se. O filho de Laio, por seu turno, haveria de se tornar um parricida incestuoso. Se admitirmos que as entidades referidas – posto que mitológicas – foram as primeiras a filosofar, ficamos com a ideia de que a reflexão conduz a desfechos morais e existenciais pouco interessantes. Nalguns casos, a conclusão é certeira. Mas a regra geral nunca foi essa.
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