domingo, 14 de julho de 2013

Deveríamos banir os cigarros?









Por Peter Singer

O médico do Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, confirmou no mês passado que o presidente já não fuma. Instado por sua mulher, Michelle Obama, o presidente teria primeiro decidido deixar de fumar em 2006, e tem feito terapia de substituição de nicotina desde então. Se demorou a Obama, um homem de vontade suficientemente forte para aspirar e chegar à presidência dos EUA, cinco anos para deixar o hábito, não surpreende que centenas de milhões de fumadores se achem incapazes de fazê-lo.

Embora o hábito de fumar tenha decaído fortemente nos EUA, de cerca de 40% da população em 1970 para apenas 20% hoje em dia, a proporção de fumadores deixou de diminuir por volta de 2004. Existem ainda 46 milhões de fumadores entre os Americanos adultos, e o hábito de fumar mata cerca de 443 mil Americanos por ano. Mundialmente, o número de cigarros vendido – seis biliões por ano, suficientes para cobrir a distância que nos separa do sol e voltar – atinge máximos históricos. Seis milhões de pessoas morrem todos os anos por causa do fumo – mais do que o conjunto das mortes devidas à SIDA, à malária e aos acidentes de viação. Dos 1300 milhões de Chineses, mais do que um em dez morrerá pelo consumo de tabaco.

No início deste mês, a Administração Federal de Alimentos e Medicamentos (AFAM) dos Estados Unidos anunciou que gastaria 600 milhões de dólares durante cinco anos para educar o público quanto aos perigos do uso do tabaco. Mas Robert Proctor, um historiador da ciência na Universidade de Stanford e autor de um futuro sucesso editorial intituladoHolocausto Dourado: Origens da Catástrofe dos Cigarros e Fundamentos para a Abolição, contesta que usar a educação como a única arma contra uma droga que causa tanta dependência e que é muitas vezes mortal é indesculpavelmente insuficiente.

“A política de controlo do tabaco”, refere Proctor, “centra-se muitas vezes em educar o público, quando devia focar-se em alterar ou eliminar o produto.” Ele salienta que não educamos apenas os pais no sentido de que os brinquedos pintados com tintas à base de chumbo sejam afastados da boca das crianças; banimos o uso das tintas à base de chumbo. Similarmente, quando se descobriu que a talidomida provocava defeitos congénitos graves, não educámos apenas as mulheres para evitar o uso desse medicamento durante a gravidez.

Proctor desafia a AFAM a usar as suas novas competências de regulação relativas ao conteúdo do fumo do tabaco em dois aspectos. Em primeiro lugar, porque os cigarros são desenhados para criar e manter dependência, a AFAM deveria limitar a quantidade de nicotina que estes contêm a um nível em que deixassem de criar dependência. Os fumadores que quisessem deixar de fumar teriam assim maior facilidade em fazê-lo.

Em segundo lugar, a AFAM deveria lembrar-se da História. Os primeiros fumadores não inalavam o fumo do tabaco; isso só se tornou possível no século dezanove, quando um novo modo de secar o tabaco tornou o fumo menos alcalino. Essa descoberta trágica já é responsável por cerca de 150 milhões de mortes, com um número muitas vezes maior que esse ainda por registar, se não se fizer algo drástico. A AFAM deveria portanto requerer que o fumo dos cigarros se tornasse mais alcalino, o que tornaria a sua inalação menos fácil, e assim dificultaria que o fumo dos cigarros chegasse aos pulmões.

Grande parte do livro de Proctor, que será publicado em Janeiro, baseia-se num vasto arquivo de documentos da indústria tabaqueira, divulgados durante processos legais. Mais de 70 milhões de páginas de documentos da indústria estão agora disponíveis online.

Os documentos mostram que, já desde a década de 1940, a indústria detinha provas que sugeriam que o fumo causa o cancro. Em 1953, no entanto, numa reunião dos executivos de topo das maiores companhias tabaqueiras Americanas tomou-se a decisão conjunta de negar que os cigarros fossem prejudiciais. Mais ainda, quando a prova cientifica de que o fumo causa o cancro se tornou pública, a indústria tentou criar a impressão de que a ciência era inconclusiva, de modo análogo ao daqueles que, negando que a actividade humana está a provocar mudanças climáticas, distorcem deliberadamente a ciência actual.

Como diz Proctor, são os cigarros, e não as armas ou as bombas, os artefactos mais mortíferos na história da civilização. Se quisermos salvar vidas e melhorar a saúde, nada mais prontamente alcançável será tão eficaz como uma proibição internacional na venda de cigarros. (Eliminar a pobreza extrema em todo o mundo é talvez a única estratégia que talvez salvasse mais vidas, mas isso seria muito mais difícil de conseguir.)Para os que reconhecem o direito do Estado em banir drogas recreativas como a marijuana e o ecstasy, uma proibição dos cigarros deveria ser fácil de aceitar. O tabaco mata muito mais pessoas do que estas drogas.

Alguns defendem que desde que uma droga apenas prejudique os que escolhem usá-la, o Estado deve deixar que os indivíduos tomem as suas próprias decisões, limitando o seu papel a assegurar-se de que os utilizadores estejam informados dos riscos que correm. Mas o tabaco não é uma droga desse tipo, dados os perigos colocados pelo fumo passivo, especialmente quando adultos fumam numa casa com crianças.

Mesmo ignorando o dano que os fumadores infligem aos não fumadores, o argumento da liberdade de escolha é pouco convincente no caso de uma droga que cria tanta dependência como o tabaco, e torna-se ainda mais dúbio quando se considera que a maior parte dos fumadores cria o hábito enquanto jovens e mais tarde pretende perdê-lo. Reduzir a quantidade de nicotina nos cigarros até um nível que não criasse tanta dependência talvez respeitasse este ponto.

O outro argumento para o status quo é que uma proibição do tabaco poderia resultar no mesmo tipo de fiasco ocorrido durante a Lei Seca nos EUA. Isto é, tal como o esforço para banir o álcool, proibir a venda de tabaco desviaria milhares de milhões de dólares para o crime organizado e alimentaria a corrupção nas forças responsáveis pela aplicação da lei, ao mesmo tempo que faria pouco para reduzir o hábito de fumar.

Mas essa talvez seja uma comparação descabida. Afinal, muitos fumadores talvez gostassem de ver os cigarros banidos porque, tal como Obama, querem deixar de fumar.

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