domingo, 14 de julho de 2013

Estão a pôr-se ao fresco



Publicado em 2012-05-26





Muitos dos que têm reclamado sacrifícios para o povo andaram, ao longo dos anos, a apoderar-se da riqueza que não lhes pertencia e a esvaziar os cofres do Estado, contribuindo activamente para os problemas com que nos debatemos.
Nestes últimos tempos, em que tanto é necessário dinheiro para investimento (público e privado), prosseguem nas suas manipulações colocando interesses e riqueza a "salvo". Nos meios onde se fala destes processos, diz-se que "o povo nem imagina quanto dinheiro saiu do país em 2011". Sem criar pânico e agravar o problema, seria saudável que os portugueses tivessem uma noção real do que se passa.
É positivo que os cidadãos em condições de fazerem alguma poupança, e mesmo a esmagadora maioria dos empresários e detentores de capital, "não estejam a retirar o dinheiro do banco"; parece que continuam a fazer depósitos! Mas os maus exemplos propagam-se rápido e, quer no plano nacional, quer em países europeus em dificuldades, todos os dias assistimos a comportamentos perigosos e antissolidários.
Seria interessante que as "entidades europeias", que nos últimos anos impuseram ao povo grego humilhante austeridade geradora de desemprego, de pobreza e de uma queda do Produto Interno Bruto em 20%, informassem quanto dinheiro fugiu da Grécia, onde está e quem dele beneficia.
Portugal não caiu neste perigoso buraco em que se encontra porque "andamos todos a viver acima das nossas possibilidades", apesar de ter sido criada muita ilusão de riqueza, de o valor do salário ter sido substituído por "facilidades" no acesso ao crédito, e mesmo que franjas da sociedade se tenham, pontualmente, entregado a formas de vida associadas ao "desenrasca". Quando o trabalho não é valorizado e dignificado, desaparece a responsabilização a partir do trabalho.
As grandes causas internas da crise que vivemos - também existem causas europeias e mundiais - residem: i) na destruição criminosa do aparelho produtivo, em vários casos feita através de chorudos negócios em que o dinheiro, no todo ou em parte, não ficou no país; ii) nos gastos gigantescos feitos pelo Estado, por decisão dos governantes que facilitaram o enriquecimento dos grandes capitalistas dos negócios das parcerias público-privadas, das privatizações, da proliferação de "rotundas" e estádios de futebol, ou de grandes negócios do cimento armado; iii) nas chorudas recompensas trocadas entre os grandes accionistas das empresas, os "gestores de topo" e um amplo leque de ex-governantes, sendo claro que alguns destes trataram do seu futuro enquanto ainda governavam; iv) no facto de os meios financeiros destinados à modernização da economia, à educação e à formação profissional terem sido, em parte, desviados para fins particulares.
Não são surpresa as notícias vindas a público, nomeadamente na "Visão" de 24.05, que denunciam gigantescas operações de fuga de dinheiro (em alguns casos com passagem por operações de branqueamento) para contas em bancos suspeitos, através de processos de fraude absoluta, mesmo quando sustentados em "esquemas legais" ou de aparente legalidade. Como sabemos, a dimensão da legalidade está sempre na razão directa das "capacidades" técnicas dos grandes escritórios de advogados e da eficácia do sistema de justiça, sujeito a um emaranhado processual e aprisionado nos poderes e valores dominantes.
No domínio público esta será apenas a ponta do iceberg. Reafirmo: a crise que vivemos - observe-se as suas dimensões nacional, europeia e mundial - é provavelmente o maior roubo organizado da história da Humanidade. As suas consequências podem ser gravíssimas.
É preciso coragem nas denúncias das pressões - p.e. do ministro das inevitabilidades e seus acólitos -, dos compadrios, das chantagens, das mentiras de práticas privadas e da governação.
Detentores de capital põem-se ao fresco e deixam o povo a pagar a factura, também porque os governantes entram na promiscuidade entre a economia e a política, submetendo o interesse público à ganância de umas centenas de portugueses, "nascidos para o arco do poder", que em vez de nos governarem se governam.

Norte ao Norte e ao país


É preciso analisar os graves problemas económicos e sociais com que se depara a Região Norte. Entretanto, há que construir, com os cidadãos que residem nessa região e com as suas organizações e instituições, respostas concretas à crescente fragilização da sua estrutura económica e às carências sociais.
Essa análise e desafio devem ser feitos no quadro do debate sobre o modelo de desenvolvimento do país no seu todo.
Dar norte ao Norte significa, pois, dar futuro a Portugal.
Quando se analisa a situação do Porto e do Norte do país, como de resto as condições de outras regiões, surge uma certa focalização das causas dos seus problemas na "macrocefalia de Lisboa". Reconheço alguma verdade naquela constatação, mas não em todos os tempos, nem em todas as áreas da intervenção.
A macrocefalia de Lisboa tem sido, muitas vezes, construída em favor de estratégias e interesses de alguns portugueses que tanto se instalam em Lisboa, no Norte ou no Sul.
Em certas fases, um forte poder económico tem estado situado na Região Norte e, historicamente, também não se pode falar do Norte como um espaço geográfico e uma população com absoluta coesão territorial ou cultural (há microculturas). O Porto, naturalmente, foi e é, em certos contextos, pólo de centralidade em relação ao todo da região. E os fenómenos de desertificação, ou de concentração de actividades e populações em centro maiores, também existem, em escalas diferentes, dentro da região.
O problema mais profundo situa-se no modelo de desenvolvimento do país. Precisamos de estrutura e actividade económica sustentadas e modernas, de equilíbrio entre as dimensões sociais, económicas, culturais e políticas para uma sociedade de progresso e de desenvolvimento humano, onde a coesão da sociedade seja seriamente trabalhada.
No Norte estavam instaladas indústrias que entraram em declínio. Algumas por efeito de mudanças de contextos de concorrência no plano europeu e mundial, outras porque os seus proprietários se encostaram à sombra de apoios do Estado, ou não utilizaram os lucros para reinvestimento.
A política nacional de desindustrialização, de desvalorização de profissões e actividades essenciais - em nome de um modernismo bacoco -, de incremento exagerado do consumo, de promoção do individualismo, ajudaram a empurrar essa região - industrial e laboriosa - para comportamentos de desatenção e falta de responsabilização pelo seu desenvolvimento. Mas há ainda muito a defender e valorizar.
Uns anos atrás, participei num debate, em Moreira de Cónegos, a convite de uma Associação Empresarial, sobre os problemas do desenvolvimento da região, as dificuldades das empresas, a quebra do investimento público, as contradições das políticas de emprego e a já elevada taxa de desemprego em vários concelhos.
Uma das pessoas presentes, filho de um empresário da região, apresentou uma situação típica da actuação da Banca. Ele havia tentado obter um empréstimo para criar uma pequena empresa, tinha o aval o pai, foi várias vezes ao banco e este não lhe concedia o empréstimo. Mas para comprar um carro de gama média/alta o banco já lhe concedia empréstimo de valor igual àquele.
Há que inverter políticas e comportamentos e tratar a sério dos problemas sociais mais gritantes.
O Norte precisa de reforço de investimento público e privado, mas que este seja voltado para actividades que respondam às necessidades dos portugueses e ao aumento da produtividade média da região que era, em 2009, apenas 84% da nacional. Urge a criação de emprego! A região tem 42% do desemprego do país e uma taxa superior à média nacional.
A distribuição da riqueza tem de ser melhor e isso implica uma melhoria dos salários, no contexto da promoção de actividades mais produtivas. Aumentar a cobertura de protecção no desemprego e o combate à elevada taxa de pobreza são outros objectivos imediatos a assumir.
A valorização e responsabilização das pessoas a partir do trabalho digno e a defesa do Estado Social - objectivos interligados - são, no Norte como no país, combates prioritários.

O insustentável sucesso


Foi divulgado nesta semana o resultado da terceira revisão do programa da troika. "No seu conjunto o programa corre sobre os carris" diz a troika, saudando o Governo pela sua prestação. Dizem que o "ajustamento fiscal" é "notável", a "desalavancagem do sector financeiro está a progredir", as "reformas nos mercados de trabalho" estão a avançar.
Quando já é absolutamente claro que a "austeridade" em contexto recessivo e o "ajustamento estrutural" estão a aprofundar as crises europeias, e no próprio FMI se tornam mais audíveis as vozes que o reconhecem abertamente, a troika precisa de propagandear histórias de sucesso. Neste relatório, Portugal foi escolhido para contar uma delas.
Pouco importa que o desemprego tenha ultrapassado a barreira dos 15 por cento, que o "ajustamento fiscal" esteja comprometido pela quebra das receitas, que a diminuição das exportações inviabilize a "única" fonte de crescimento possível, que a "desalavancagem" do sector financeiro esteja a ser feita à custa do financiamento da economia, que se assista a uma acelerada destruição de empresas em resultado da diminuição de salários, pensões e rendimentos do povo, que a destruição de serviços públicos torne inacessível o acesso à saúde para muitos portugueses.
Pouco lhes importa as injustiças, o sofrimento e a pobreza resultantes das alterações ao regime do subsídio de doença, dos cortes no Rendimento Social de Inserção, da diminuição da protecção na maternidade e na paternidade.
Para a troika e o Governo, que se comporta como governo de um país ocupado - veja-se as trapalhadas e mentiras sobre o corte dos subsídios de Natal e de férias -, tudo isto são "riscos", ou "sacrifícios necessários", nada mais do que isso; o programa é perfeito e está a ser executado de forma exemplar!
Os perigos acumulam-se: os ataques aos mais diversos sectores profissionais, dos sectores público e privado, colocaram no senso comum a ideia de que os direitos no trabalho são privilégios, enfraquecendo a sua capacidade de reacção e luta; o empobrecimento das classes médias (instituíram que pertence à classe média quem ganha mais do que o salário mínimo) está a manietá-las e a provocar rupturas de solidariedade; a estigmatização de grupos mais desprotegidos, desenvolvendo invejas entre pobres e paupérrimos, cria o clima propício para um brutal ataque à segurança social e a outros direitos sociais universais e solidários.
Na realidade, "os riscos" de que nos falam não são mais que factos e resultados previsíveis das políticas em curso, não só do que está a ser executado em Portugal, mas de todos os programas semelhantes, da Grécia e da Irlanda a toda a União Europeia, com relativa excepção da Alemanha.
É dramático ouvir os senhores da troika expressarem preocupação pelo "aumento mais rápido que o previsto do desemprego", eles que sabem muito bem da preocupante possibilidade de o desemprego ultrapassar os 20% no prazo de um ano, em resultado das políticas que estão a ser implementadas.
Na Europa capitaneada por uma direita neoliberal, que está a fazer da crise uma oportunidade para aplicação de um programa não sufragado de destruição do Estado Social, o ar está a tornar-se irrespirável.
O sucesso na implementação desta agenda política perigosa, sustentada numa ofensiva ideológica reaccionária ocultada pela propaganda e posições repetidas nos grandes meios de comunicação, é, para a generalidade do povo, empobrecimento, insegurança e infelicidade que os poderes dominantes querem individualmente sofrida.
Entretanto, de Espanha e de França, da Itália, e de Portugal também, por vezes de onde menos se espera, chegam sinais de superação da atomização e do conformismo, de disponibilidade para a acção colectiva. Por aí passa a esperança e confiança no futuro, indispensáveis para a exigência de coisas tão simples e elementares como a afirmação do valor do trabalho na vida das pessoas e na economia, a satisfação de necessidades básicas, o combate às desigualdades e à pobreza, que se constituem como os fundamentais conteúdos de políticas alternativas.

Violências do desemprego




Publicado em 2012-05-19





A revista Economia Pura (fev. 1999) publicou um artigo de Amartya Sen onde este enuncia várias penalizações do desemprego. É de enorme actualidade esse enunciado, pois as violências que recaem sobre os desempregados não diminuíram.
O primeiro-ministro (PM) ao afirmar "despedir-se ou ser despedido não tem de ser um estigma, tem de representar também uma oportunidade para mudar de vida, tem de representar uma livre escolha também, uma mobilidade da própria sociedade", mostrou quão balofo é o seu conceito de modernidade e a concepção neoliberal que está inculcada no seu pensamento, demonstrou ausência de vida vivida e de dimensão cultural.
Perante os dados do desemprego relativos ao final do primeiro trimestre - 819 300 desempregados, mais de um milhão e 200 mil desempregados e subempregados, uma taxa de desemprego de 36,2% nos jovens até aos 25 anos - o PM não foi capaz de encarar o problema e dizer algo de sensato e responsável. A sua postura de "boa pessoa" e "homem educado" não o torna menos perigoso na condução do governo do país!
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) agendou para a Conferência Anual que se inicia no próximo dia 1 de Junho, o tema "A crise do emprego jovem: tempo de agir", porque este grave problema está a tomar "proporções sem precedentes" em resultado da actual crise e da "crise antes da crise", ou seja, da desregulação do mercado de trabalho, da precarização generalizada, da ruptura de solidariedade entre gerações, e das políticas de austeridade e empobrecimento em curso.
No artigo atrás referido, Amartya Sen identifica dez (10) "penalizações de um desemprego massivo, para além do fraco rendimento". São elas:
"Perda de produção e peso fiscal", pois o desemprego não só desperdiça poder produtivo, como agrava os gastos do Estado. O desempregado é afectado nos seus rendimentos e afecta os rendimentos dos outros;
"Perda de liberdade e exclusão social", porque o desempregado empobrece e a pobreza gera fortes perdas de liberdade. E, como diz Sen, "o desemprego pode ser a maior causa na predisposição das pessoas à exclusão social";
"Perda de qualificações e danos de longo prazo", em resultado de ausência de práticas de trabalho que rapidamente destrói competências, capacidades cognitivas e confiança;
"Danos psicológicos" como consequência do sofrimento provocado pela diminuição dos rendimentos, da perda de respeito próprio e "da depressão associada a estar dependente e sentir-se rejeitado e improdutivo";
"Saúde doente e mortalidade", como se pode confirmar através da emergência de doenças graves e do aumento de suicídios. Adoece-se perante a dureza das dificuldades e a perda de esperança;
"Perda de motivação e trabalho futuro", dado que o prolongamento na situação de desemprego gera enfraquecimento de motivação e desadaptação a novas situações de trabalho;
"Perda de relações humanas e vida familiar", porque o desemprego gera um abaixamento acelerado do patamar de relações sociais, crises de identidade e privações muito sérias na vida pessoal e familiar;
"Desigualdade racial e de género", como podemos observar pela consulta de dados estatísticos ou pelo ressurgir de propostas políticas xenófobas e racistas na Europa e em Portugal;
"Perda de valores sociais e responsabilidade", em decorrência da privação material, da quebra da autoconfiança e de responsabilidade face a um sentimento de injustiça sentido perante uma sociedade que não oferece oportunidades para uma vida honesta;
"Inflexibilidade organizacional e conservantismo técnico", pois o desemprego generalizado provoca ausência de perspectivas, maior resistência à mudança e um acentuar de velhas soluções (redução de salários, aumento dos horários de trabalho, desregulação laboral) inimigas da evolução, da inovação e da organização. Não há, assim, "empreendedorismo" que vingue!
A OIT constata que aquilo que os jovens sentem - a oportunidade que lhes é oferecida pelas políticas de Passos Coelho e seus pares - é "marginalização e exclusão económica e social".
O desemprego em grande escala é uma enorme ameaça à coesão social, tolhe o futuro, nega a liberdade, a democracia e o desenvolvimento.



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