domingo, 21 de julho de 2013

ESPAÇOS


Vincent van Gogh, Vista de Paris a partir de Montmartre, 1886.
Ao observar as casas na tarde emudecidas, sustento por instantes a ideia de que a exterioridade do mundo ocorre no nosso lugar interior. Todavia, um pensamento súbito vem fulminar tal conclusão: se o lado de fora é irreal, então o de dentro nunca existiu.
Perguntava Shāntideva, antigo sábio budista:


«Se entre o poder sensorial e uma coisa
Há um espaço, como se encontrarão os dois termos?
Se não há espaço, formam uma unidade,
E, deste modo, o que se encontra com o quê?» (1)


Ora, o espaço que separa a percepção do percepcionado – e, claro, o interior do exterior, o latente do manifesto – não é um vazio, uma ausência ou uma distância impossível de vencer. É, antes, uma extensão composta de linguagem, a mesma linguagem que assegura referências à unidade e às suas divisões. Estas, à semelhança do que talvez aconteça ao partir-se um bolo ou ao cortar-se um fruto, são geralmente feitas de acordo com o ritmo da palavra, o apetite da frase e até os movimentos do estômago.
Volto de novo os olhos para as telhas, as janelas, as fachadas, estendendo-os em seguida às gruas, às árvores, à relva, ao céu de cor indecisa. Noto que objecto nenhum se alterou com a minha reflexão.Algumas aves esbanjam melódico assobio, outras acrescentam riscos à aragem, que secretamente os dilui; outras ainda fixam-se aos ramos, como se desde sempre os conhecessem.

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