domingo, 21 de julho de 2013

NÚCLEO INEVITÁVEL


Paul Klee, Composição Cósmica, 1919.
Talvez se trate de necessidade do espírito, ou talvez se reduza a mera distracção do corpo, o apreço que, em geral, o ser humano revela em declarar de que lado se coloca no que respeita à existência de Deus. Pode, então, afirmar-se ateu militante, crente incontroverso, teísta esclarecido, agnóstico reservado, panteísta satisfeito ou seguidor convicto de alguma invenção teórica do divino menos usual na praça. O que daqui parece ressaltar é que a noção de Deus, qualquer que seja afinal o seu recheio, constitui uma espécie de ideia reguladora, um ponto medianamente sólido no espaço da mente, um núcleo que suaviza ao pensamento a sensação de errância.
Tal núcleo será, consoante os casos mencionados, uma realidade negada, um âmago afectivo, uma inteira Providência, uma hipótese diferida, um quadro unificador. Refutar-se-á o carácter inevitável do núcleo em análise com a perspectiva de que ele é puro resultado contingente da época e dos temperamentos individuais. O problema é obter dados fiáveis que o asseverem, tanto mais que um núcleo assim abrange, virtualmente, quase tudo.
Haverá ainda quem esteja disposto a vestir t-shirts com dizeres estampados, alusivos ao seu grau de abertura à transcendência: «Eu sou indiferente», «Ecléctico me assumo», «Careço de certezas fortes». Ora esses manifestos não deixam de representar curiosos modos de traduzir ao semelhante a tendência metafísica inscrita na nossa condição.
Augusto Comte, o positivista, rejeitaria o corolário anterior. No entanto, ao criar a Religião da Humanidade, acabou por substituir (ou por preencher) o “buraco” das ausências místicas, teológicas e afins pelo, digno de culto, “Grande Ser” – uma entidade vasta e colectiva onde se aninham todos os abismos.

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