sábado, 13 de julho de 2013

Coisas sólidas e verdadeiras


Manuel António Pina

Publicado em 2012-08-01





O leitor que, à semelhança do de O'Neill, me pede a crónica que já traz engatilhada perdoar-me-à que, por uma vez, me deite no divã: estou farto de política! Eu sei que tudo é política, que, como diz Szymborska, "mesmo caminhando contra o vento/ dás passos políticos/ sobre solo político". Mas estou farto de Passos Coelho, de Seguro, de Portas, de todos eles, da 'troika', do défice, da crise, de editoriais, de analistas!
Por isso, decidi hoje falar de algo realmente importante: nasceram três melros na trepadeira do muro do meu quintal. Já suspeitávamos que alguma coisa estivesse para acontecer pois os gatos ficavam horas na marquise olhando lá para fora, atentos à inusitada actividade junto do muro e fugindo em correria para o interior da casa sempre que o melro macho, sentindo as crias ameaçadas, descia sobre eles em voo picado.
Agora os nossos novos vizinhos já voam. Fico a vê-los ir e vir, procurando laboriosamente comida, os olhos negros e brilhantes pesquisando o vasto mundo do quintal ou, se calha de sentirem que os observamos, fitando-nos com curiosidade, a cabeça ligeiramente de lado, como se se perguntassem: "E estes, quem serão?"
Em breve nos abandonarão e procurarão outro território para a sua jovem e vibrante existência. E eu tenho uma certeza: não, nem tudo é política; a política é só uma ínfima parte, a menos sólida e menos veemente, daquilo a que chamamos impropriamente vida.

Constituição a pedido


Manuel António Pina

Publicado em 2012-07-30





O presidente do BPI, Fernando Ulrich, já classificara a decisão do TC que confirmou a inconstitucionalidade dos confiscos dos subsídios de férias e Natal a funcionários públicos e pensionistas de "negativa", "perigosa" e "inaceitável". Agora é o presidente do BCP, Nuno Amado, a clamar que foi "uma decisão muitíssimo infeliz".
A banca (falta conhecer a opinião de Ricardo Salgado, do omnipresente BES, para o ramalhete ficar completo) não só tem enormes responsabilidades na crise como tem sido beneficiária da maior parte dos sacrifícios que, a pretexto dela, vêm sendo impostos aos portugueses. Mas a banca quer mais do que o seu financiamento com a "ajuda" que a 'troika' cobra ao país em desemprego, fome e miséria ou do que a destruição do SNS que alimenta os seus negócios na Saúde, a banca quer também uma Constituição "sua", já que a Constituição da República se revela, pelos vistos, "negativa", "perigosa", "inaceitável" e "muitíssimo infeliz" para os seus interesses.
Nem Ulrich nem Amado o escondem: "É premente alguma revisão da Constituição" (Amado), e a decisão do TC pode "justificar a discussão de uma revisão constitucional, o que até seria positivo" (Ulrich).
Numa democracia que cumprisse os serviços mínimos, os desejos de dois banqueiros valeriam apenas dois votos. Não tardará que vejamos quanto valem num regime do género "que se lixem as eleições".

Dizer mais do que se quer


Manuel António Pina 17-01-2012

Não sei o que perco (embora saiba o que ganho) em ver pouca televisão. Felizmente a blogosfera vê mais televisão que eu e faz-me o, por assim dizer, trabalho de casa.
Foi no blogue "Der terrorist" que descobri a extraordinária constatação feita por António Arnaut na "Grande Entrevista" da RTP da passada quinta-feira a propósito das "negociatas, ou intrigas, ou influências feitas [...] a coberto da Maçonaria" que têm vindo a lume na comunicação social: "Não pode ter acontecido essas negociatas numa loja em funcionamento, isso é absolutamente interdito, pode acontecer é num jantar que antecede ou sucede a uma reunião maçónica".
A não ser que os maçons deixem de o ser à hora de jantar, tratou-se de um "lapsus linguae". Arnaut não quereria dizer que os maçons "não podem", no sentido de que "não lhes é permitido", fazer negociatas nas lojas (onde "isso é absolutamente interdito"), mas que o "podem" fazer, que isso "lhes é permitido", nos jantares antes ou depois das reuniões.
De acordo com a vulgata freudiana, o sentido do verbo "poder" na primeira parte da frase terá contaminado, por desleixo de atenção, aquele em que Arnaut pretendia usá-lo na segunda parte, deixando à vista a ideia reprimida que terá sobre o assunto, não muito diferente da que têm todos os que, segundo Arnaut, alimentam "preconceitos" contra a Maçonaria.
Se assim for, louve-se o desassombro do subconsciente do ex--grão mestre do GOL

Do fogo e das cinzas

Publicado em 2012-01-02

MANUEL ANTÓNIO PINA

Nove paquetes de cruzeiro com cerca de 15 mil turistas terá sido o saldo do espectáculo de fogo de artifício de 736 mil euros organizado por Jardim no final do ano.
A factura do foguetório foi integralmente paga pelo Governo Regional, isto é, pelos contribuintes do Cont'nente. Dando de barato que todos esses turistas tenham chegado a desembarcar, terão deixado em restaurantes e lojas de bugigangas do Funchal algo como 750 mil euros, o que, em miúdos, significa que 736 mil euros dos contribuintes passaram (essa, sim, a "passagem do ano"!) para as mãos dos comerciantes do Funchal através das vastas mãos de Jardim, acrescidos de uns trocos de turistas. Juntem-se agora mais 2 milhões de euros na "iluminação" das ruas dos restaurantes e lojas de bugigangas (adjudicada sem concurso à empresa de um ex-deputado do PSD e também paga pelos contribuintes), e calcule-se - é só fazer as contas, como dizia o outro - quem ganhou o quê e quem ficou de novo a arder com uns milhões.
Não seria mais rentável a Madeira dedicar-se, por exemplo, ao turismo de congressos e partilha de experiências de sucesso? Eis temas (mas haverá muitos mais) capazes de atrair ao Funchal multidões de jovens políticos de elevado potencial de todo o Mundo: "Como passar o ano em folguedos por conta de 10 milhões de otários insultando-os todos os dias" ou "Como transformar sifões em cifrões escolhendo os amigos certos no partido certo".

E a dívida alemã?


Publicado em 2012-01-31

Manuel António Pina

Gostaria de ver os arautos dos "mercados" que moralizam que "as dívidas são para pagar" (no caso da Grécia, com a perda da própria soberania) moralizarem igualmente acerca do pagamento da dívida de 7,1 mil milhões de dólares que, a título de reparações de guerra, a Alemanha foi condenada a pagar à Grécia na Conferência de Paris de 1946.
Segundo cálculos divulgados pelo jornal económico francês "Les Echos", a Alemanha deverá à Grécia em resultado de obrigações decorrentes da brutal ocupação do país na II Guerra Mundial 575 mil milhões de euros a valores actuais (a dívida grega aos "mercados", entre os quais avultam gestoras de activos, fundos soberanos, banco central e bancos comerciais alemães, é de 350 mil milhões).
A Grécia tem inutilmente tentado cobrar essa dívida desde o fim da II Guerra. Fê-lo em 1945, 1946, 1947, 1964, 1965, 1966, 1974, 1987 e, após a reunificação, em 1995. Ao contrário de outros países do Eixo, a Alemanha nunca pagou. Estes dados e outros, amplamente documentados, constam de uma petição em curso na Net (http://aventar.eu/2011/12/08/peticao-sobre-a-divida-da-alemanha-a-grecia-em-reparacao-pela-invasao-na-ii-guerra-mundial) reclamando o pagamento da dívida alemã à Grécia.
Talvez seja a altura de a Grécia exigir que um comissário grego assuma a soberania orçamental alemã de modo a que a Alemanha dê, como a sra. Merkel exige à Grécia, "prioridade absoluta ao pagamento da dívida".

Em nosso nome


Publicado em 2012-01-20

Manuel António Pina

Quando, às 3 da manhã de quarta-feira, ouvi na SIC Notícias que "Governo, patrões e sindicatos" tinham assinado um Acordo de Concertação Social, suspeitei de tanta unanimidade. Mas quando, ia já a reportagem no fim, a estação revelou que os "sindicatos" eram, afinal... a UGT, fiquei tranquilo já que a UGT se compromete nos seus Estatutos a defender "os direitos dos trabalhadores", a "estabilidade (...) das relações de trabalho", a "livre negociação colectiva" e a lutar pelo "direito ao trabalho" e "pela sua segurança".
O que a UGT assinou veio no dia seguinte nos jornais: "Acordo torna mais fácil e mais barato despedir e reduz indemnizações, subsídios, férias e feriados" (Público); "Patrões reconquistam sábado de trabalho/(...)/ Trabalhador perde até sete dias de descanso/ Empresas podem pôr e dispor do funcionário durante 150 horas" (JN); "Patrões podem impor trabalho ao sábado e só pagar mais 25% (DN); "Faltas sem motivo junto às pontes tiram quatro dias de salário" (Diário Económico); "Despedimentos alargados (...) Empresas ganham mais poder na escolha do pessoal a despedir" (Jornal de Negócios).
A UGT só representa os sindicatos nela filiados (bancários, enfermeiros, engenheiros, construção, comércio, artes e espectáculos, etc.). Aplicar-se-ão apenas a esses os compromissos de pesadelo subscritos por João Proença? Não acredito que João Proença tenha assinado em nome de quem não representa...

Ensaio sobre a cegueira


Manuel António Pina 10-11-2011

Na Madeira, o Carnaval é sempre que um homem quiser. E o homem, Jardim, quer que seja todos os dias. Assim, os cerca de 30 mil funcionários públicos madeirenses (mais de 10% da população total!) tiveram ontem direito a três horas de tolerância de ponto para assistir "pessoalmente ou através dos meios de comunicação social" à tomada de posse do querido líder.
O piedoso acto realizou-se às 17 horas na Assembleia Regional, mas a dispensa de serviço foi dada a partir das 14, imagina-se que para os funcionários entrarem em estágio de preparação para muitas e emocionantes horas de discursos e elogios mútuos.
Três é exactamente o número de horas de trabalho a mais que os "cubanos" do cont'nente terão que agora prestar gratuitamente todas as semanas em nome crise financeira do país, incluindo a grossa parte dela por que é responsável o Carnaval orçamental madeirense, onde abunda, não o em trabalho gratuito, mas a ociosidade remunerada: ainda há pouco tempo, em Agosto, Jardim tinha dado (isto é, demos todos nós) mais uma tolerância de ponto, com direito a "ponte", para os funcionários verem o Rali Vinho Madeira...
A "troika" descobriu na Grécia uma ilha turística onde há 700 falsos cegos que o Governo subsidiava anualmente com 6,4 milhões de euros. Em Portugal descobrirá um continente com 10 milhões de cegos que subsidiam anualmente, com muitos mais milhões de euros, o Governo turístico de uma ilha.

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