Nos idos da Guerra
Colonial, chegou-me às mãos, enviado de Paris a embrulhar um frasco de
água de colónia (a imaginação não tinha limites para iludir os homens da
PIDE que, nos CTT, espiolhavam a correspondência "vinda de fora"), um
número da "Paris Match" sobre a guerra na Guiné. A edição incluía uma
foto de Spínola primorosamente fardado e de monóculo, e - reportando-se
ao facto de o general, para manter elevado o moral das tropas, ser
implacável na exigência de ver os soldados sempre bem barbeados e, como
se diz no Exército, devidamente "ataviados" - tinha como título algo do
género: "Perder a guerra sim, mas com a barba feita".
Passaram 40 anos e, hoje, a guerra é outra, já não contra os "turras" em nome da "civilização cristã ocidental", mas contra trabalhadores, pensionistas e pobres em nome da civilização dos "mercados".
E Spínola parece ter deixado epígonos, pelo menos na Câmara de Barcelos. Conta a Lusa que a autarquia, para manter elevado o moral (a Câmara de Barcelos diz "bem-estar") dos humilhados e ofendidos pela política governamental de, como Passos Coelho reconhece, empobrecimento geral, contratou um cabeleireiro que lhes assegurará serviços gratuitos de coloração, corte, "brushing" e "manicure".
Como a "Paris Match" diria, as "pessoas afectadas por situações de carência" de Barcelos poderão morrer de fome, mas morrerão impecavelmente penteadas e de unhas envernizadas e aparadas.
Manuel António Pina
Passaram 40 anos e, hoje, a guerra é outra, já não contra os "turras" em nome da "civilização cristã ocidental", mas contra trabalhadores, pensionistas e pobres em nome da civilização dos "mercados".
E Spínola parece ter deixado epígonos, pelo menos na Câmara de Barcelos. Conta a Lusa que a autarquia, para manter elevado o moral (a Câmara de Barcelos diz "bem-estar") dos humilhados e ofendidos pela política governamental de, como Passos Coelho reconhece, empobrecimento geral, contratou um cabeleireiro que lhes assegurará serviços gratuitos de coloração, corte, "brushing" e "manicure".
Como a "Paris Match" diria, as "pessoas afectadas por situações de carência" de Barcelos poderão morrer de fome, mas morrerão impecavelmente penteadas e de unhas envernizadas e aparadas.
Agora é o açúcar
Publicado em 2012-01-19
Manuel António Pina
Parece que a Comissão Parlamentar da Saúde levou a sério e discutiu
ontem uma petição de quatro (!) estudantes de Tomar que, apoiados no
impressionante número de 145 assinaturas, reclamam uma lei que obrigue a
que os pacotes de açúcar servidos nos cafés com a "bica" não tenham
mais de 6 gramas. Isto para combater "a diabetes, a obesidade [e as]
doenças cardiovasculares e cerebrovasculares".
Um dos problemas das cruzadas é acordarem o macho alfa
adormecido em indivíduos normalmente sociáveis e pacatos que,
sentindo-se de súbito possuídos de um "espírito de missão", logo se
congregam em matilhas punitivas ou disciplinadoras.
A cruzada higienista em curso não foge à regra. Basta ver as reacções que suscitam os anúncios de medidas restritivas contra os "outros", os que persistem em continuar a manter hábitos contrários à causa: "Ai eles persistem?, que os obriguem!"
A lei substitui hoje a espada. Campanhas de informação que contribuam para uma opção livre e informada não bastam, há que"vigiar e punir". E, assim, vão-se sucedendo as leis ("péssima republica, plurimae leges", isto é, "mau governo, muitas leis"). E os disparates também: não passou pela cabeça dos jovens cruzados de Tomar que, mesmo que os pacotes tenham um quilo de açúcar, ninguém é obrigado a despejá-los na "bica", ou que, se tiverem só 6 gramas, quem gostar dela muito doce só terá que pedir mais um pacote (ou dois, ou três) ao empregado.
A cruzada higienista em curso não foge à regra. Basta ver as reacções que suscitam os anúncios de medidas restritivas contra os "outros", os que persistem em continuar a manter hábitos contrários à causa: "Ai eles persistem?, que os obriguem!"
A lei substitui hoje a espada. Campanhas de informação que contribuam para uma opção livre e informada não bastam, há que"vigiar e punir". E, assim, vão-se sucedendo as leis ("péssima republica, plurimae leges", isto é, "mau governo, muitas leis"). E os disparates também: não passou pela cabeça dos jovens cruzados de Tomar que, mesmo que os pacotes tenham um quilo de açúcar, ninguém é obrigado a despejá-los na "bica", ou que, se tiverem só 6 gramas, quem gostar dela muito doce só terá que pedir mais um pacote (ou dois, ou três) ao empregado.
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