Reino Unido: O imponente legado da Dama de Ferro
9 abril 2013 The Independent Londres
Sobre o pedestal, as palavras do poeta Percy Bysshe Shelley (1792-1822) sobre Ozymandias: "Observa as minhas obras, ó Poderoso, e desespera!" Dave Brow
Entre ter esmagado os sindicatos nacionais e derrotado os militares argentinos nas Ilhas Falkland/Malvinas, os onze anos de reinado de Margaret Thatcher originaram alterações profundas na paisagem económica e política do país. O seu legado persistente continuará a ser discutido.
The Independent
Passaram mais de duas décadas desde o dia em que, de lágrimas nos olhos, Margaret Thatcher saiu pela última vez do número 10 de Downing Street como primeira-ministra. Uns lamentaram a sua saída, outros congratularam-se com ela, mas o significado do momento não escapou a ninguém. Descera o pano sobre um período de governação que definira e simultaneamente transformara o país – para o bem e para o mal. Os últimos anos que Margaret Thatcher passou à margem da política britânica não alteraram esse facto.
Os anos de 1970 parecem estar muito longe: tanto o Reino Unido como o mundo mudaram. Mas as paixões que Margaret Thatcher suscitou desde o dia em que assumiu o cargo estão tão vivas agora como então. As divisões que ainda se sentem no Reino Unido de hoje são as mesmas do dia em que abandonou o cargo. Um epitáfio fora do comum, não antecedido pelo sentimento de “amá-la ou odiá-la”.
Talvez soubesse que viria a tornar-se uma figura que fomentaria divisões, quando, numa alocução que ficou célebre, pronunciada após a sua primeira vitória eleitoral, citou a oração de S. Francisco e pediu: “onde houver discórdia, que possa haver harmonia”. Mas a firme convicção com que assumiu a liderança, primeiro do Partido Conservador e depois do país – que tanto contrastava com o espírito de confusão e depressão de ambos –, foi simultaneamente um sinal da sua força e, com o tempo, a sua fraqueza fatal.
Ridicularizada por ser filha de um merceeiro
Sem a determinação férrea de que deu provas – quanto a uma política monetária sólida ou ao capitalismo popular (vendendo ações de serviços de utilidade pública a novos investidores), quanto à venda de edifícios camarários ou, a partir de 1988, no combate às alterações climáticas – Margaret Thatcher não teria conseguido alcançar o que alcançou. Mas houve alturas em que a sua recusa total do compromisso tornou a sua vida política mais difícil do que poderia ter sido e veio, mesmo, a ser a sua perdição.
Encarada segundo a perspetiva da vitória, a guerra das Malvinas talvez tenha sido o seu melhor momento. Mas poderia essa guerra ter sido evitada, se Margaret Thatcher não tivesse rejeitado a realização de conversações? Teria havido alguma forma de reduzir o poder excessivamente perturbador dos sindicatos, sem o trauma da greve dos mineiros? E poderia ter havido paz na Irlanda do Norte mais cedo? Os seus apoiantes dirão que “não”: a sua recusa em ceder – depois do atentado bombista de 1984, em Brighton – era necessária. Pondo de lado a Irlanda do Norte, os seus detratores discordariam. Mesmo hoje, os pontos de vista são divergentes e, na superfície da política britânica, persiste uma ampla fissura de ressentimento.
Pelas suas origens vulgares – foi muitas vezes ridicularizada por ser filha de um merceeiro – e pelo facto de ser mulher, num mundo então ainda mais um mundo de homens do que hoje, só poderia ter sido uma lutadora e uma intrusa.
Perda de contacto com o círculo eleitoral
No entanto, aquilo que começou por ser uma mais-valia, viria a tornar-se um problema, quando Margaret Thatcher pareceu perder o contacto com o círculo eleitoral a que devia o poder que detinha. Os distúrbios causados pelo “poll tax” [imposto regional regressivo] – que obrigou a um dos poucos recuos por parte da dama que não recuava – mostraram o quanto se tinha afastado dos contribuintes, cujos interesses proclamava defender.
E muitas das políticas às quais o seu nome ainda hoje se encontra associado conservam os aspetos negativos pelos quais foram então alvo de oposição. A cedência dos impostos autárquicos depauperou a reserva de habitações sociais, fazendo crescer a fatura que o país ainda está a pagar. O capitalismo popular fez surgir novos acionistas, mas também produziu perdedores, quando rebentou a crise financeira. O “Big Bang”, que libertou a atividade da City de muitas das restrições, pode igualmente ser encarado, em retrospetiva, como a origem dos excessos cometidos nos anos de 1990 e 2000. Pode argumentar-se que a retirada de poder aos sindicatos – entre cujos efeitos benéficos se inclui o facto de ter tornado possíveis novas iniciativas, como o jornal The Independent – também contribuiu para os problemas dos baixos salários e da baixa produtividade que afetam a economia em grande medida não regulamentada de hoje.
Adorada pelo discurso franco
No estrangeiro, a Sra. Thatcher, como sempre foi conhecida, era vista a uma luz menos ambígua. Em toda a Europa de Leste e Central, foi adorada pelos seus princípios e pelo seu discurso franco. As suas relações com Ronald Reagan e com Mikhail Gorbachov, em cujas credenciais reformistas apostou desde muito cedo, ajudaram a criar as condições para o fim da Guerra Fria. E também conquistaram para o Reino Unido um tipo de influência mundial que este não detinha talvez desde os tempos de Churchill e que – apesar de todas as ambições de Tony Blair – o país não foi capaz de conquistar desde então. O seu euroceticismo era do mesmo tipo do seu conservadorismo bem inglês. No entanto, em comparação com a estirpe que hoje infeta a política britânica, esse conservadorismo parece, por um lado, mais sério e, por outro, quase benigno. Ainda assim, a Europa foi a questão cuja discussão no interior do partido viria a fazê-la cair.
Durante onze anos, a Sra. Thatcher dominou o Reino Unido e assumiu um papel na cena mundial. E deu o exemplo de como exercer o poder de primeiro-ministro. Mas o facto de, apesar de o Thatcherismo ser um credo reconhecido, a própria Margaret Thatcher não ter um herdeiro doutrinário nem político diz muito sobre a sua herança, a nível nacional. Desde cedo que David Cameron teve o cuidado de se demarcar da declaração da Sra. Thatcher segundo a qual “a sociedade não existe”.
E, apesar de o Reino Unido que ela tão relutantemente deixou de governar em 1991 ser um país muito diferente, em 2013, muitas das batalhas que ela travou – impostos, desregulamentação, relações laborais, proteção da soberania britânica na Europa – voltam a estar na ordem do dia. Esse facto pode dar uma medida da sua presciência, mas também reflete as limitações que mesmo um político dinâmico e corajoso enfrenta quando tenta concretizar mudanças, numa democracia.
No seu apogeu, Margaret Thatcher deu uma lição a solo sobre liderança. Mas – como acontece muitas vezes – os britânicos mostraram-se teimosamente, ou mesmo admiravelmente, relutantes em se deixarem liderar.
Política Estados-membros
Reino Unido: O rosto da revolução conservadora
9 abril 2013
Presseurop Die Welt, Libero, Libération & 3 outros
Shooty / Caglecartoons.com
Adulada pelos que apreciavam o seu estilo e a sua política sem concessões, odiada por aqueles que a criticavam pela sua falta de empatia e pelo seu ultraliberalismo, Margaret Thatcher não deixou ninguém indiferente na Europa. Um dia depois da sua morte, a imprensa europeia reflete esta diversidade de sentimentos.
Para o jornal Die Welt, a influência de “Maggie” sobre os seus sucessores estendeu-se para além da sua passagem por Downing Street: “A relação de Thatcher com o continente europeu ainda hoje define a política europeia britânica”, escreve o diário conservador alemão, para quem
a “Dama de Ferro” deixou uma herança que ainda hoje se faz sentir para além das fronteiras britânicas: a sua relação com a UE, aberta, no início, e depois cada vez mais difícil até se tornar hostil. Ainda hoje há uma guerra civil no seio dos Tories em torno da pertença [do Reino Unido à UE], que pode fazer explodir os conservadores.
O diário italiano de direita, Libero, despede-se da Dama de Ferro de que a Itália precisa. “Thatcher deixa-nos sozinhos com euro-pesadelo de Merkel”, escreve o Libero, que pergunta “que género de Europa teríamos hoje se Thatcher não se tivesse demitido em 1990?
Seria a mesma, esmagada sob o pé da Alemanha de Merkel, com a moeda única, o pacto fiscal e tudo o resto que nos está a sufocar? Provavelmente não. [...] Aquela senhora que fazia lembrar uma tia *démodé* nunca teria deixado passar uma Europa como aquela em que hoje vivemos. Thatcher considerava o federalismo de Maastricht um filho do socialismo que ela tinha combatido sempre. [...] Via o euro como uma perda de soberania. Não gostava da posição fideísta de alguns federalistas. Queria uma Europa unida, não uma Europa morta ou sem alma. [...] A Dama de Ferro imaginou e lutou, infelizmente, em vão contra aquilo que muitos outros só perceberam 20 anos mais tarde.
Para o Libération, foi “A grande ceifeira” que partiu. O diário de esquerda não esconde a sua aversão por aquela que “inventou uma ideologia: o thatcherismo, que continua a prosperar, apesar dos seus comprovados falhanços”. “A crise dos anos 2000 é, também, a crise do thatcherismo levado ao extremo pelos seus seguidores”, acrescenta o jornal, para quem
>durante onze anos, ela encarnou o liberalismo triunfante dos anos de 1980. Algumas ideias simples que ela soube vender como um novo evangelho: glória às privatizações, à desregulamentação do setor financeiro, à flexibilidade do trabalho e ataques cerrados contra os sindicatos. Ideias que aplicou com a convicção de um pregador, explicando que não havia outra opção, a famosa Tina: “There is no alternative”. Os mineiros, os argentinos, os grevistas da fome irlandeses foram as vítimas das suas convicções inabaláveis. [...] Thatcher impôs a sua visão da sociedade ao seu partido e ao seu país, antes de polinizar o mundo, sobretudo a América de Reagan, mas também a esquerda europeia.
Em Praga, o Hospodářské noviny lembra que, com Ronald Reagan e João Paulo II, Thatcher contribuiu para o desmantelamento do bloco soviético e para o fim da guerra fria. Esse intocável “ícone da transformação económica da Checoslováquia”
>apontava o caminho para a transformação de uma sociedade bafienta numa sociedade dinâmica de mercado e de liberdades individuais, dizia-se. Lembrando as euforias revolucionárias dos anos de 1990, predomina entre os checos uma visão idealizada, que não menciona as consequências das suas reformas conservadoras: o ambiente sufocante bem como a crise social no Reino Unido.
Na Estónia, antiga república soviética, insiste-se igualmente sobre o papel de Margaret Thatcher no desmoronamento do bloco comunista. Assim, o Postimees classifica-a como “ícone do anticomunismo”, cujo estilo governativo serviu de modelo a muitos líderes pós-comunistas:
>As suas palavras-chave, como “Estado mínimo”, mercado”, “privatizações”, etc., vendiam-se como pãezinhos quentes nos países pós-comunistas da Europa oriental. […] Thatcher era, à sua maneira, uma eurocética, sem cair no populismo. Disse sempre que uma União Europeia com mais integração teria muitos problemas e seria [um projeto] utópico, porque via a UE, sobretudo, como uma vasta zona de comércio livre. Lembrar-nos-emos dela, sobretudo, como a “Dama de Ferro” que, com [Ronald] Reagan, ganhou a guerra fria, aboliu o império soviético e que nos deu o seu apoio logo após esses acontecimentos.
Em Bucareste, o Adevărul desfaz alguns mitos que circularam em volta da personalidade de Margaret Thatcher e do seu “duríssimo estilo de governação”:
Era uma pessoa formal e moralista – Pelo contrário, tinha um excelente sentido de humor, ficava indiferente perante o comportamento dos seus colegas masculinos, muitas vezes envolvidos em escândalos sexuais. Opunha-se à unificação europeia – Completamente falso: Thatcher defendeu com paixão a unificação europeia! Em 1975 liderou a campanha pelo “sim” [à adesão à Comunidade Europeia], promovida pelo partido conservador. O Ato Único Europeu de 1986, que modernizou o tratado de Roma e ampliou as competências da CEE, foi iniciativa sua. O thatcherismo provocou a crise financeira – Absolutamente falso: a desregulamentação bancária defendida por Thatcher nada tem a ver com a falta de fiscalização que provocou a crise iniciada em Wall Street. Ela defendia uma rigorosa regulamentação bancária.
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