quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Rivka. Judia ultraortodoxa, mãe de 11 filhos e braço direito do presidente israelita

Rivka Ravitz

Aos 43 anos, Rivka Ravitz garante que a família e a religião não a impedem de ter uma vida profissional. Casou aos 18, espera o 12.º filho e o trabalho com o presidente israelita Reuven Rivlin já lhe permitiu conhecer inúmeras personalidades. Até o Papa Francisco - a quem não apertou a mão.
Saia comprida preta, casaco branco e preto, sandálias rasas que usa por cima dos collants e a peruca impecável a cobrir o seu cabelo natural, Rivka Ravitz entra na sala de um hotel em Jerusalém com a segurança de quem está habituada a percorrer o mundo e a falar em público. A barriga proeminente denuncia mais uma gravidez a caminho. Será a 12.ª. Sim, aos 43 anos, a mulher que nos últimos 20 anos se tornou o braço direito de Reuven Rivlin e é hoje a chefe de gabinete do homem que em 2014 foi escolhido para presidir a Israel encontrou maneira de equilibrar o respeito pelas regras religiosas da comunidade judia ultraortodoxa (ou haredi) com o trabalho e os 11 filhos.


"Olá, sou a Rivka, tenho 43 anos, sou mãe de 11 filhos e sou judia ultraortodoxa", começa por se apresentar. Para logo acrescentar: "Sou também a chefe de gabinete do presidente Reuven Rivlin." Diante de um grupo de jornalistas europeus, a referência religiosa não é um acaso. Rivka Ravitz faz questão de explicar que uma das grandes preocupações do chefe do Estado israelita é a coabitação entre as várias comunidades que compõem o país. Judeus e árabes, claro, com os chamados árabes israelitas (palestinianos que ficaram a viver no território após a criação do Estado de Israel em 1948 e seus descendentes, hoje cerca de dois milhões numa população de perto de nove milhões), mas também entre os vários grupos de judeus. Desde os ultraortodoxos, a que Ravitz e a família pertencem, aos laicos, passando pelos religiosos.

A verdade é que se a figura do judeu ultraortodoxo, com o chapéu preto, os caracolinhos e o fato escuros usado sobre uma camisa branca faz parte do imaginário colectivo, poucos têm contacto direto com a comunidade. Mesmo em Jerusalém, é possível vê-los nas ruas, junto ao Muro das Lamentações, com a mulher, sempre de cabelo coberto, seja por uma peruca, por um boné ou por uma espécie de turbante, quase sempre a empurrar um carrinho de bebé e rodeada pelos restantes filhos, ou cruzar-se com eles nas ruas de bairros como o Mea Shearim, onde se concentram. Mas continuam a ser um mistério.



Separação por sexos aos 3 anos


Um mistério que Rivka Ravitz procura explicar. "Sou uma de dez filhos, o meu marido tem 11 irmãos. Conhecemo-nos quando éramos muito jovens. Casei aos 18 anos. Aos 21 tive a minha primeira filha, quase ao mesmo tempo em que a minha mãe tinha a sua 10.ª", conta diante de um ecrã onde projeta informações sobre a população israelita. Na comunidade haredi não há acesso livre à internet e os computadores são escassos. Os telemóveis são daqueles antigos com uma tampa. Nas suas casas não há televisão e os únicos jornais que entram são os jornais haredi, aprovados pelos rabinos - ou seja, nada de imagens de mulheres, por exemplo. Idas ao cinema, nem pensar, e os casamentos são arranjados por casamenteiros que as famílias usam para encontrar noiva ou noivo para os seus jovens. São eles quem sugere um nome que consideram adequado e marcam o encontro. Num sítio público, claro, os dois jovens sentam-se frente a frente e conversam. Se gostarem, quando chegam a casa comunicam às famílias que desejam marcar um segundo encontro, os familiares voltam ao casamenteiro, que volta então a entrar em acção.

Ora, para quem conhece um pouco o estilo de vida dos haredi, essa é a parte verdadeiramente surpreendente. Separados por sexos na escola a partir dos 3 anos. As raparigas seguem um método de ensino semelhante ao da restante população israelita, com disciplinas como Hebraico, Matemática, Inglês ou Ciências. Já os rapazes, passam a dedicar-se apenas aos estudos religiosos, da Torá e do Talmude, passando longas horas na yeshivá. E assim continuam, vida fora. Para eles não há matemática, nem inglês, nem ciências. Só estudos religiosos. Num país onde o serviço militar é obrigatório para todos - três anos para os rapazes, dois para as raparigas - os ultraortodoxos estão, no entanto, isentos. Tudo para evitar distrações. Uma posição que lhes vale duras críticas por parte de alguns sectores dentro da própria sociedade israelita.



E a maior parte dos homens não trabalham - só 45% o fazem. São as mulheres quem traz dinheiro para casa, apesar dos muitos filhos - seis, sete, dez ou doze por família. Muitas são professoras na comunidade. Algumas trabalham como secretárias ou aprenderam informática. Mas muito poucas foram para a universidade e arranjaram um emprego com o destaque do de Rivka, formada em Gestão na Universidade Aberta de Israel e com um doutoramento em Políticas Públicas pela Universidade de Haifa. A própria filha mais velha, explica a chefe de gabinete do presidente, começou a trabalhar mas, quando engravidou pela segunda vez, desistiu: "Disse-me: "mãe, não quero criar os meus filhos como tu nos criaste"", confessa Rivka a rir.

Foi este emprego pouco comum para uma haredi que lhe permitiu conhecer gente famosa. Seja a Mulher-Maravilha, a também israelita Gal Gadot, da qual diz nunca ter ouvido falar antes de lhe ser apresentada, ou não estivesse o cinema proibido aos ultraortodoxos, até ao Papa Francisco, cuja mão recusou apertar uma vez que as haredi não podem tocar num homem que não seja seu marido.

"Quando chegámos ao Vaticano recebemos instruções sobre como agir com o Papa. O nosso cônsul disse-me que tinha de lhe apertar a mão. Eu expliquei que não podia, porque não aperto a mão a homens. As mulheres ultraortodoxas não tocam num homem que não seja o marido", conta. O cônsul não ficou muito convencido e tentou pressioná-la a fazer o que ele estava a pedir. "Não respondi, mas quando o Papa chegou eu expliquei-lhe: "Desculpe, mas não posso apertar-lhe a mão, sou religiosa". E ele percebeu tão bem que fez isto [aponta para a fotografia em que o Papa surge inclinado diante dela, num cumprimento à distância respeitoso].


Jovens decidem sair da comunidade


Rivka orgulha-se de, apesar de todas as viagens e de até ter um smartphone por motivos de trabalho, sempre ter mantido as tradições da sua fé. Mas confessa que hoje muitos jovens - cerca de 10% - ultraortodoxos deixam a comunidade. Seja para ir para a universidade ou para o exército.
Apesar disso, e com taxas de natalidade de 6,2 filhos por mulher, os ultraortodoxos são uma comunidade em forte crescimento em Israel. Em 2009 eram cerca de 750 mil numa população de 7,5 milhões (menos de 10%), hoje são mais de 12% dos 8,7 milhões de israelitas. Estima-se que cheguem aos 16% em 2030 e em 2065 sejam um quarto da população.

Um problema para qualquer governo, uma vez que esta população em crescimento não contribui de forma proporcional para a economia do país. Rivka admite que esse é um desafio real. Mas acredita que o Estado israelita vai encontrar uma solução.

Textos e imagens 
retirados da internet

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Os segredos de "Morte Branca", o atirador mais mortífero da história


Simo Häyhä é uma lenda para os finlandeses; um pesadelo para os russos que viveram sob a ameaça de uma bala, durante a guerra de Inverno, entre Rússia e Finlândia, entre 1939-40, um conflito paralelo à II Guerra Mundial.

Simo Häyhä

Apelidado pelos inimigos como "Morte Branca", Simo tem um registo difícil de alcançar: 505 soldados abatidos em apenas 105 dias, a uma média de quase cinco inimigos mortos por dia, num cenário de extrema dificuldade, no inverno gelado das nórdicas paragens da fronteira entre Rússia e Finlândia, com as temperaturas entre os 20 e os 40 graus negativos.

Os segredos da eficácia mortal de Simo Häyhä foram contados em livro por Tapio Saarelainen, ele próprio um atirador especial ao serviço do exército finlandês. Com base em entrevistas a Simo e visitas aos locais onde "Morte Branca" actuou, conta os segredos do franco-atirador mais mortífero da história.

Simo Häyhä fez uma demonstração de como actuava

Simo usava uma espingarda M28 Pystykorva, sem mira telescópica. Uma desvantagem para apontar, que o mantinha mais seguro, uma vez que evitava o reflexo da neve no vidro da mira, preservando a posição.

Os pequenos pormenores fizeram do pequeno Simo, um homem esguio, com pouco mais de 1,5 metros de altura, provavelmente o maior atirador da história militar mundial. Conta Tapio Saarelainen que Simo tapava a boca com neve para que o inimigo não pudesse ver-lhe o bafo ao longe e compactava neve em volta do buraco em que se escondia, para que esta não se desprendesse quando disparava.

Simo Häyhä fez uma demonstração de como actuava

"Simo Häyhä não tinha acesso a informação. Era um caçador e um atirador de elite, não um matemático", escreve Saarelainen. Aprendera com o pai os truques para seguir os alces, fundir-se na natureza branca e matar o animal. Estratégias que usou com os soldados russos: estudava minuciosamente o terreno, decorava cada tronco no chão, cada monte de neve, as pegadas de animal. Se algo mudava, se havia menos neve, se um pássaro se calava, Simo entrava em modo morte.

Simo Häyhä fez uma demonstração de como actuava

A fama que aterrorizava os inimigos, superiores aos finlandeses numa proporção de 10 para 1, fez dele um alvo prioritário para o exército de Estaline, que enviou os melhores atiradores para o localizar. Nunca conseguiram. Mas a estratégia de força bruta acabou por ter resultados. Os russos faziam bombardeamentos para o tentar obrigar a sair da posição, até que um dia, uma bomba de fragmentação lançada ao calhas o apanhou.

Foi encontrado em coma pelos companheiros, com o lado esquerdo do corpo desfigurado. Recuperou a consciência uma semana após o ataque, na altura em que Rússia e Finlândia assinaram um acordo de paz. Não teve de usar mais a arma para matar homens, mas regressou às florestas da fronteira para caçar alces, como lhe ensinara o pai.

domingo, 11 de agosto de 2019

Elogio da brevidade

Um matemático resolve um quebra-cabeça de 30 anos em apenas duas páginas. E faz isso em onda de calor total

JAVIER SAMPEDRO
11 DE AGOSTO DE 2019

James Watson (à esquerda) e Francis Crick, com um modelo de estrutura de DNA. CSHL / SUSAN LAUTER

"Um matemático é uma máquina que transforma o café em teoremas", disse uma dessas máquinas, o húngaro Alfred Rényi. Nossa seção Café y Teoremas leva o nome daquela saída de Alfred. O caso de Hao Huang, matemático da Universidade Emory, em Atlanta, é um pouco diferente. Hao teve a má sorte de estar em Madrid no final de Junho, durante a primeira onda de calor dos dois que incendiaram a Europa neste verão. Enquanto a esposa visitava o Instituto de Ciências Matemáticas (Icmat), Hao trancou-se no hotel e, na ausência de algo melhor para fazer, demonstrou um teorema que estava flutuando no limbo de conjecturas há 30 anos. Hao transformou o calor em teoremas. E o mais incrível de tudo é que fez isso em apenas duas páginas. Leia no Sujeito um artigo muito didático por Albert Atserias, Professor de Informática Teórica do Politécnico da Catalunha, sobre a grande realização de Hao e suas implicações práticas.

Como é que uma conjectura que resistiu aos melhores cientistas da computação teórica por 30 anos pode ser resolvida em duas páginas? Se a solução fosse tão concisa, por que não ocorreu a ninguém antes? Bem, aqui está uma chave para o avanço do conhecimento. Durante a primeira metade do século XX, a actividade febril nos laboratórios de genética gerara tal o transbordar de dados que nem mesmo os especialistas mais experientes poderiam ter ideia geral sobre o seu campo de estudo. Tudo isso mudou radicalmente em 1953, quando Watson, Crick e Franklin descobriram a dupla hélice do DNA, a explicação final da herança, o segredo da vida. Watson e Crick apresentaram esse achado colossal numa página e meia da revista Nature.


Na década de 1880, Maxwell fez o mesmo com o emaranhado de resultados que um punhado de experimentalistas obtivera com electricidade e magnetismo. Em apenas quatro equações que podem ser escritas num guardanapo de bar dobrado em quatro, Maxwell mostrou que electricidade e magnetismo não eram mais do que duas maneiras de olhar para um único fenómeno, a força electromagnética, uma das forças fundamentais da física. e descobriu de passagem que a luz era uma onda electromagné-tica, como radiação ultravioleta e infravermelha, raios X, as microondas do nosso forno e as ondas de rádio que usamos 16 horas por dia para absolutamente tudo o que fazemos.

Acabaremos por lembrar que a tese de doutorado de Einstein foi a mais curta da história da universidade e que Borges disse: "Não sei por que as pessoas escrevem tanto". Eu posso pensar em muitos mais exemplos, mas um elogio da brevidade deve começar por ser breve, não é?

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

A última Aula de um Professor...


Leonardo Haberkorn, jornalista e escritor, era professor de jornalismo numa universidade deMontevideu.

Corre na "internet" um artigo seu publicado em papel, em 2015, com o título "Me cansé... me rindo...", onde declara ter deixado o ensino, que antes o apaixonava, e explica porquê.

"Depois de muitos e muitos anos, hoje dei a última aula na Universidade.

Cansei-me de lutar contra os telemóveis, contra o whatsapp e contra o facebook. Ganharam-me. Rendo-me!

Cansei-me de falar de assuntos que me apaixonam perante jovens que não conseguem desviar a vista do telemóvel que não pára de receber selfies.

Claro que nem todos são assim. Mas cada vez são mais...

Até há três ou quatro anos a advertência para deixar o telemóvel de lado durante 90 minutos, ainda que fosse só para não serem mal-educados, ainda tinha algum efeito.

Agora não. Pode ser que seja eu, que me desgastei demasiado no combate... Ou que esteja a fazer algo mal.

Mas há algo certo: muitos desses jovens não têm consciência do efeito ofensivo e doloroso do que fazem. Além disso, cada vez é mais difícil explicar como funciona o jornalismo a pessoas que não lêem um livro, nem vêem sentido em estar informadas.

Esta semana foi tratado o tema Venezuela. Só uma estudante entre 20 conseguiu explicar o básico do conflito. O muito básico. O resto não fazia a mais pequena ideia. Perguntei-lhes (...) o que se passa na Síria? Silêncio. Que partido é mais liberal ou que está mais à 'esquerda' nos Estados Unidos, os democratas ou os republicanos?Silêncio. Sabem quem é Vargas Llosa? Sim!

Alguém leu algum dos seus livros? Não, ninguém!

Lamento que os jovens não possam deixar o telemóvel, nem na aula. Levar pessoas tão desinformadas para o jornalismo é complicado.

É como ensinar botânica a alguém que vem de um planeta onde não existem vegetais. Num exercício em que deviam sair para procurar uma notícia na rua, uma estudante regressou com a notícia de que se vendiam, ainda, jornais e revista na rua.

Chega um momento em que ser jornalista é colocar-se na posição do contra. Porque está treinado a pôr-se no lugar do outro, cultiva a empatia como ferramenta básica de trabalho.

E então vê que estes jovens, que continuam a ter inteligência, simpatia e afabilidade, foram enganados, a culpa não é só deles. Que a incultura, o desinteresse e a alienação não nasceram com eles.

Que lhes foram matando a curiosidade e que, com cada professor que deixou de lhes corrigir as faltas de ortografia, os ensinaram que tudo é mais ou menos o mesmo. Então, quando compreendemos que eles também são vítimas, quase sem darmos conta vamos baixando a guarda.

E o mau é aprovado como medíocre e o medíocre passa por bom, e o bom, as poucas vezes que acontece, celebra-se como se fosse brilhante. Não quero fazer parte deste círculo perverso. Nunca fui assim e não serei assim.

O que faço sempre fiz questão de o fazer bem. O melhor possível. E não suporto o desinteresse face a cada pergunta que faço e para a qual a resposta é o silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio.

Eles queriam que a aula terminasse...

Eu também.”

domingo, 4 de agosto de 2019

Justiça


CONTRIBUTO PARA UM ESCLARECIMENTO DA SITUAÇÃO FINANCEIRA E DA JUSTIÇA (QUE NÃO FUNCIONA) DO NOSSO PAÍS.

Economia <https://sicnoticias.pt/economia> Link:
https://sicnoticias.pt/economia/
Banqueiro norte-americano condenado a 110 anos de prisão por fraude aos investidores. O banqueiro norte-americano Allen Stanford foi sentenciado a 110 anos de prisão. O Ministério Público norte-americano tinha pedido a pena máxima de 230 anos por Stanford ter defraudado milhares de investidores em mais de sete mil milhões de dólares.

milionário do Texas foi considerado *culpado* de 13 dos 14 crimes de que era acusado, incluindo fraude e conspiração.

O esquema era semelhante ao de Bernard Madoff que em 2008 foi condenado a 150 anos de cadeia*. **DC*

CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS
<https://observador.pt/seccao/economia/banca/caixa-geral-de-depositos/>
Há um nome por detrás de Berardo: Sócrates /premium

· *Alexandre Homem Cristo*

*16/5/2019*

*É justo que Berardo cause indignação. Mas é também exigível que esta se alargue a quem tenta convencer-nos que Portugal é o país dos enganados – onde ninguém sabia de nada e ninguém desconfiou de nada

O país abraçou um consenso nacional sob a forma de indignação contra Joe Berardo. A questão é que esse consenso cheira a podre: chegou com 10 anos de atraso e aconteceu por mero acaso – na sua audição parlamentar, o empresário não trouxe novidades de conteúdo, mas errou na forma e atropelou os limites da desfaçatez de tal modo que ascendeu a inimigo n.º1 do regime
<https://www.publico.pt/2017/06/03/economia/entrevista/governo-de-jose-socrates-precisava-de-dominar-o-bcp-1774243>.
E, mais importante ainda, a indignação falhou o alvo e esconde a parte maior do problema. Essa parte é que Joe Berardo só é o que é (e deve o que deve) porque houve quem na esfera do Estado o permitisse e até o promovesse em nome dos seus planos de poder. Sim, Berardo merece que a espada da justiça lhe caia em cima sem contemplações. Mas fazer de Berardo o vilão de um período negro da nossa vida colectiva (2006-2009) é esquecer que ele foi sobretudo o protagonista visível de um esquadrão de tomada de poder na sociedade portuguesa. Liderado por quem? É só seguir o trilho do dinheiro em três episódios.

Primeiro episódio: o assalto ao BCP. Joe Berardo é um grande devedor da Caixa Geral de Depósitos (CGD) – cerca de 400 milhões de euros, obtidos entre 2006 e 2007, contornando todas as regras e critérios de prudência definidos pela CGD (ou seja, com interferência superior). Obteve ainda mais 600 milhões de euros entre o BCP e o BES. Esse dinheiro foi utilizado para comprar acções do BCP (um negócio ruinoso) quando o banco vivia internamente uma guerra de poder entre o seu fundador (Jardim Gonçalves) e um grupo de accionistas (Berardo, Mexia, Nuno Vasconcelos da Ongoing, e Carlos Santos Ferreira líder da CGD à época, Armando Vara, entre outros). A operação foi um sucesso político (Jardim Gonçalves saiu do BCP, entrando Carlos Santos Ferreira e Armando Vara) e uma desgraça financeira, com a desvalorização acelerada do BCP. Em Novembro de 2008, Berardo entra em incumprimento mas nunca as garantias bancárias que deu foram executadas. O golpe tinha uma razão de ser, como explicou
<https://www.publico.pt/2017/06/03/economia/entrevista/governo-de-jose-socrates-precisava-de-dominar-o-bcp-1774243>
recentemente o próprio Jardim Gonçalves: “o primeiro-ministro [José Sócrates] e o ministro das Finanças [Fernando Teixeira dos Santos] precisavam de ter um
controlo mais fino do sistema financeiro para fazerem a colocação da dívida pública; mandavam na CGD e o BES [Ricardo Salgado] era dócil e tomava a
dívida pública e o BCP era independente”. Ou seja, Berardo integrou um golpe de controlo político do sistema bancário que escavou um gigantesco
buraco de dívidas.

Segundo episódio: a derrota da OPA da SONAE à Portugal Telecom (PT). Em 2006, a SONAE lançou uma Oferta Pública de Aquisição sobre a PT. Nessa
altura, Berardo adquiriu acções da PT e rapidamente se colocou do lado contrário ao da SONAE, opondo-se à venda da PT. Foi o rosto público da
defesa desse lado, juntamente com Zeinal Bava e Henrique Granadeiro – assim como o BES de Ricardo Salgado, a CGD e a Ongoing de Nuno Vasconcelos. Foi o
lado vencedor, mas a um preço: em troca da oposição à venda, Zeinal Bava distribuiu dividendos aos apoiantes e alinhou nas instrumentalizações
políticas que, anos depois, viriam a destruir a empresa (fragilizada pela queda do BES e a perda dos empréstimos que havia feito ao banco de Ricardo
Salgado). Felizmente para Berardo, o empresário vendeu as suas acções antes do descalabro – e com ganhos.

Terceiro episódio: a colecção Berardo no CCB. Abdiquem-se dos rodeios: foi extremamente polémica a decisão, em 2006, de entregar o centro de exposições do CCB à Fundação Colecção Berardo (uma entidade privada) e atribuir-lhe poderes de gestão de um espaço que era público e onde surgiu um museu com o nome do empresário madeirense. O Presidente da República de então, Cavaco Silva, promulgou com reservas face aos poderes demasiado amplos de Berardo na gestão do museu. A Ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, diz-se ter sido ultrapassada no processo negocial pelo próprio primeiro-ministro José Sócrates. Mais ainda: os termos dessa negociação demoraram anos a tornar-se claros e públicos, ficando posteriormente evidente que o Estado havia assumido responsabilidades de investimento (500 mil euros anuais, que entretanto deixou de se aplicar) e encargos de manutenção (que superaram o milhão de euros) – num museu cuja entrada era gratuita por vontade irredutível do empresário. Balanço: Berardo conseguiu um acordo que sobrecarregou o orçamento do CCB, poupou nos seus próprios custos de manutenção das obras e ganhou um enorme prestígio social ao ter no CCB um museu com o seu nome.

Estes três episódios, todos passados entre 2006 e 2008, têm um elemento em comum: José Sócrates, o primeiro-ministro que, aliás, Berardo nunca se inibiu de elogiar
<https://observador.pt/2019/05/12/em-2007-o-comentador-marcelo-elegeu-o-comendador-berardo-figura-do-ano/>

“se queremos acompanhar a competitividade do mundo, temos que ter líderes como ele [Sócrates] senão estamos tramados”. E, com Sócrates, todos os nomes do poder financeiro e empresarial que, com estreitas ligações ao PS, alinharam nos seus esquemas de controlo dos vários domínios da sociedade portuguesa. A história de Berardo é, portanto, a de um empresário que serviu o poder político enquanto deste também se conseguiu servir. Sob a liderança de Sócrates e da sua rede, esse serviço foi generosamente recompensado.

Sim, é justo que o desplante de Berardo cause indignação. Mas é igualmente exigível que a indignação se alargue a quem hoje tenta convencer-nos que Portugal é o país dos enganados – onde ninguém sabia de nada, ninguém viu nada e ninguém desconfiou de nada. É que, se Sócrates é o nome por detrás de Berardo, ao lado de Sócrates surgem muitos outros nomes de que não se fala. Alguns caíram nas malhas da Justiça (Armando Vara e Ricardo Salgado) ou foram proscritos enquanto coveiros do património empresarial português (Zeinal Bava). Mas muitos outros continuam por aí, na política activa, no governo e nos mais altos cargos públicos, agindo como se nada fosse com eles. Mas também foi com eles (ou com a sua tolerância) que um projecto de poder e corrupção tentou controlar a sociedade portuguesa. Quando acabar esta história, é tão importante que Berardo não se fique a rir como é fundamental que tantos outros prestem contas. *JMMD*

*Berardo recebeu 48 milhões de euros de benefícios fiscais em três anos
<http://mpu.zap.aeiou.pt/tl.php?p=eps/dkc/rs/17gm/13t/rs//https%3A%2F%2Fzap.aeiou.pt%2F%3Fp%3D257296>*

1º "PROGRAMADOR" FOI CONSTRUÍDO EM 1760 - Sec XVIII !




Lembrem-se: foi construído em 1760, há 259 anos!!??

Gastem um pouco do vosso tempo para admirar algo que foi construído muito antes de se imaginarem os computadores.

E todos os movimentos são programados mecanicamente. Não está lá nenhum microprocessador para coordenar os movimentos.

Foi construído por um relojoeiro suíço, Pierre Jacquet-Droz, quando tinha cerca de cinquenta anos, 255 anos atrás – mas não é um relógio – é uma magnífica peça de engenharia, pioneiro dos computadores. E fascinará todos os engenheiros, artistas, relojoeiros, fabricantes de bonecas e brinquedos, programadores de computadores, inventores e, basicamente, todos os que gostam de pensar na beleza da mente humana.

Dentro do rapaz, existem cerca de 6000 peças que garantem a energia e coordenam os movimentos da mão, dos olhos e da cabeça do rapaz.

Cada uma dessas peças foi afinada e miniaturizada para caber dentro do rapaz… que pode escrever frases com até 40 letras.

E, ainda mais espantosamente, as letras podem ser removidas, substituídas ou reordenadas… ou seja, o rapaz pode ser programado.

O cilindro central controla os movimentos da mão, quer no desenho das letras, quer na pressão correcta da pena sobre o papel, ou a distância a que mergulha a pena no tinteiro.

Hoje, com toda a tecnologia que nos rodeia, é muito difícil perceber como é que alguém conseguiu construir uma peça de engenharia como esta.

Na realidade, nem sequer pensamos na tecnologia que faz funcionar as nossas impressoras em casa, capazes de desenhar letras, figuras e reproduzir fotografias, a cores com muita rapidez… e fidelidade.

sábado, 3 de agosto de 2019

Ressonância Magnética ao Estado da Nação,com ecografias históricas ! Caixa de entrada x


Começo por confessar pouca admiração por João Miguel Tavares, mas o discurso de 19 de Junho de 2019 é uma boa excepção.
Dêem-nos alguma coisa em que acreditar !

Eu vivi e cresci a 100 metros do local onde me encontro, ali mesmo, no cimo da Avenida Frei Amador Arrais. Foi nessa casa que habitei até fazer aquilo que a maior parte dos portalegrenses faz após acabar o secundário: deixar a cidade para ir estudar fora, na universidade. Boa parte dos portalegrenses, infelizmente, já não volta a viver aqui. Eu não voltei. Mas aquela será sempre a minha casa. E esta foi, é e será sempre a minha cidade.

Tenho a honra de ser o primeiro filho da democracia a presidir às comemorações do 10 de Junho. Não sei o que é viver sem liberdade. Devo ao Portugal democrático e ao Estado português boa parte daquilo que sou. Sou filho de dois funcionários públicos. Fiz o ensino básico e secundário numa escola pública. Licenciei-me numa universidade pública.

Portugal não falhou comigo. Permitiu que um simples estudante de uma cidade do interior, sem qualquer ligação à capital e às suas elites, fosse subindo aos poucos na vida e chegasse até aqui.

O meu crescimento acompanhou o crescimento da democracia portuguesa.

Vi o quanto o país mudou.

Até ao final da década de 90, Lisboa estava a mais de quatro horas de autocarro de Portalegre, e a essa distância física correspondia uma ainda maior distância cultural. Os livros eram poucos e vendiam-se nas papelarias; o cinema só funcionava ao fim-de-semana; as bandas que nós queríamos ouvir não passavam por cá.

Mas o país progredia, e eu via-o progredir. Os meus pais estudaram mais anos e tiveram mais oportunidades do que os meus avós. Eu estudei mais anos e tive mais oportunidades do que os meus pais.

Como acontecia em tantas casas, a minha família investia parte do salário a comprar livros e enciclopédias que chegavam pelo correio, a prestações. Esses livros representavam o conhecimento e a educação que as famílias ambicionavam para os seus filhos.

A geração dos meus pais sacrificou-se para que os filhos tivessem o que eles nunca tiveram. Mas é possível que eles tenham tido aquilo que mais nos tem faltado nos últimos vinte anos: um objectivo claro para as suas vidas e um caminho para trilhar na sociedade portuguesa

Os pais lutavam por isso – lutavam menos por eles, do que pelas suas crianças, para que elas tivessem uma vida melhor, estudassem, fossem “alguém”. Os seus filhos chegariam às universidades. Estudariam dezasseis, dezassete, vinte anos, se fosse preciso. Viajariam mais. As suas férias não estariam limitadas aos 15 dias em Albufeira. Seriam grandes. Seriam felizes. Seriam europeus.

A geração dos meus pais sacrificou-se para que os filhos tivessem o que eles nunca tiveram. Mas é possível que eles tenham tido aquilo que mais nos tem faltado nos últimos vinte anos: um objectivo claro para as suas vidas e um caminho para trilhar na sociedade portuguesa.

Os portugueses lutaram pela liberdade em 1974. Lutaram pela democracia em 1975. Lutaram pela integração na Comunidade Europeia nos anos 80. Lutaram pela entrada na moeda única durante a década de 90.

Não é fácil saber porque é que estamos a lutar hoje em dia.

II

É nessa dificuldade que repousam tantas das nossas angústias.

As pessoas de hoje não são diferentes das de ontem: enquanto indivíduos, continuamos a amar, a sofrer, a chorar, a rir, hoje como sempre. Boa parte de nós, talvez julgue mesmo que a política é somente um cenário longínquo, distante da vida que nos importa, que é aquela que está mais próxima de nós. Daí o chamado “desinteresse pela política”.

Mas creio que este sentimento é já uma consequência dos nossos próprios fracassos. A integração na Europa do euro não correu como queríamos. Construímos auto-estradas onde não passam carros. Traçámos planos grandiosos que nunca se cumpriram. Afundámo-nos em dívida. Ficámos a um passo da bancarrota. Três vezes – três vezes já – tivemos de pedir auxílio externo em 45 anos de democracia. É demasiado.

Perguntamo-nos como foi isto possível. Criámos comissões de inquérito para encontrar responsáveis. Descobrimos um país amnésico, cheio de gente que não sabe de nada, que não viu nada, que não ouviu nada. Percebemos que a corrupção é um problema real, grave, disseminado, que a Justiça é lenta a responder-lhe e que a classe política não se tem empenhado o suficiente a enfrentá-la.

A corrupção não é apenas um assalto ao dinheiro que é de todos nós – é colocar cada jovem de Portalegre, de Viseu, de Bragança, mais longe do seu sonho.

O sonho de amanhã ser-se mais do que se é hoje vai-se desvanecendo, porque cada família, cada pai, cada adolescente, convence-se de que o jogo está viciado. Que não é pelo talento e pelo trabalho que se ascende na vida. Que o mérito não chega. Que é preciso conhecer as pessoas certas. Que é preciso ter os amigos certos. Que é preciso nascer na família certa.

Os miúdos que não nasceram nesse tipo de “família certa” têm direito aos mesmos sonhos que os filhos das elites portuguesas – todos nós concordamos com isto. Mas será que estamos a fazer alguma coisa para que aquilo com que concordamos se torne realidade? Será que podemos garantir que o talento conta mais do que a família em que cada um nasceu? Será que a igualdade de oportunidades existe?

No nosso país instalou-se esta convicção perigosa: um jovem talentoso que queira singrar na carreira exclusivamente através do seu mérito, a melhor solução que tem ao seu alcance é emigrar. Isto é uma tragédia portuguesa

Quando eu digo à Carolina, ao Tomás, ao Gui ou à Rita – os meus quatro filhos – “leiam mais, trabalhem mais, que o vosso esforço será recompensado” – será que lhes estou a dizer a verdade?

Os meus pais disseram-me isso a mim. E eu estou aqui. Mas será que a mesa está equilibrada e o elevador social funciona hoje da mesma forma? Ou a vida estará bem mais difícil para um jovem na casa dos vinte anos, que numa economia de baixo crescimento tem de competir com uma geração mais velha já licenciada, integrada num mercado de trabalho rígido, que confere muita protecção a quem tem um lugar no quadro e muito pouca protecção a quem não o tem?

No nosso país instalou-se esta convicção perigosa: um jovem talentoso que queira singrar na carreira exclusivamente através do seu mérito, a melhor solução que tem ao seu alcance é emigrar. Isto é uma tragédia portuguesa.

Não podemos condenar os nossos filhos ao discurso fatalista de um Portugal que é assim, porque nunca foi de outra maneira.

O desespero não nasce do erro, mas do sentimento de que não vale a pena esforçarmo-nos para que as coisas sejam de outra forma – porque nunca serão.

A falta de esperança e a desigualdade de oportunidades podem dar origem a uma geração de adultos desencantados, incapazes de acreditar num país meritocrático.

Esta perda de esperança aparece depois travestida de lucidez, e rapidamente se transforma numa forma de cinismo. Achamos que temos de ser pessimistas para sermos lúcidos. Que temos de ser desesperançados para sermos realistas. Que temos de ser eternamente desconfiados para não sermos comidos por parvos.

Há o “eles” – os políticos, as instituições, as várias autoridades, muitas das quais (receio bem) se encontram hoje aqui presentes. E há o “nós” – eu, a minha família, os meus colegas, os meus amigos. Entre o “nós” e o “eles” há uma distância atlântica, com raríssimas pontes pelo meio

Guardamos os bons sentimentos para as nossas relações pessoais, onde somos certamente seres encantadores, mas quando se trata de reflectir sobre o nosso papel enquanto cidadãos, partes de uma nação e de um tecido social e político comum, colocamos uma mola no nariz e dizemos que pouco temos a ver com isso, porque os políticos não se recomendam.

Há o “eles” – os políticos, as instituições, as várias autoridades, muitas das quais (receio bem) se encontram hoje aqui presentes. E há o “nós” – eu, a minha família, os meus colegas, os meus amigos.

Entre o “nós” e o “eles” há uma distância atlântica, com raríssimas pontes pelo meio.

“Eles” não têm nada a ver connosco. “Nós” não temos nada a ver com eles.

III

O senhor Presidente da República costuma dizer com frequência que os portugueses, quando querem, são os melhores do mundo. O senhor Presidente da República que me perdoe o atrevimento: não há qualquer razão para os portugueses serem melhores do que os finlandeses, os nepaleses ou os quenianos.

Partilhamos uma língua, um país com uma estabilidade de séculos, sem divisões, e é uma pena que por vezes pareçamos cansados de nós próprios. Tivemos História a mais; agora temos História a menos. Passámos da exaltação heróica e primária do nosso passado, no tempo do Estado Novo, para acabarmos com receio de usar a palavra “Descobrimentos”

Mas tenho uma boa notícia para dar: também não precisamos de ser melhores.

Para quem ainda acredita numa ideia de comunidade, os portugueses são aqueles que estão ao nosso lado. E isso conta. E conta muito.

Partilhamos uma língua, um país com uma estabilidade de séculos, sem divisões, e é uma pena que por vezes pareçamos cansados de nós próprios. Tivemos História a mais; agora temos História a menos. Passámos da exaltação heróica e primária do nosso passado, no tempo do Estado Novo, para acabarmos com receio de usar a palavra “Descobrimentos”. Simplificamos a História de forma infantil.

No século XVI, Luís de Camões já cantava os seus amores por uma escrava de pele negra – tão bela e tão negra que até a neve desejava mudar de cor. Para desarrumar os estereótipos, talvez precisemos de um pouco menos de Lusíadas e de um pouco mais de lírica camoniana.

Menos exaltação patriótica e mais paixão por cada ser humano – eis uma fórmula que me parece adequada aos tempos que vivemos. Sendo já poucos os que acreditam nas grandes narrativas, continuamos a acreditar nas pessoas que temos ao nosso lado. E esse é o caminho para a identificação possível dos portugueses com Portugal.

Sozinhos somos ninguém. A velha pergunta bíblica “acaso sou eu o guarda do meu irmão?” tem uma única resposta numa sociedade decente: “Sim, és.” Num país algo desencantado, o grande desafio está em tentar desenvolver um sentimento de pertença que vá além dos prodígios do futebol.

IV

Quando o senhor Presidente da República me convidou para presidir a estas cerimónias houve muita gente que ficou espantada, incluindo eu próprio. Mas com o tempo fui-me afeiçoando à ideia de que talvez não seja absolutamente necessário ter méritos extraordinários para estar aqui, e que Portugal precisa cada vez mais de um 10 de Junho feito de pessoas comuns e para pessoas comuns.

Um 10 de Junho que aproxime as linhas entre o “nós” e o “eles”. Uma festa do português anónimo, da arraia-miúda, daquelas pessoas que todos os dias fazem mais por este país do que elas próprias imaginam.

O 10 de Junho do meu avô, que tinha uma casa de pasto no fundo da rua de Elvas e oferecia um prato de sopa a quem não tinha dinheiro para pagar uma refeição.

O 10 de Junho dos meus sogros, que tiveram de fugir de Moçambique em 1975 e reconstruir toda a vida em Portugal com seis filhos para criar, alguns dos quais ficaram dispersos pela família até eles voltarem a ter condições para os acolher.

O 10 de Junho das três mulheres que criaram a minha mulher, uma delas originária de Timor, que viajaram desde o outro lado do mundo para acolher um bebé nascido em Moçambique e fazê-lo crescer numa pequena aldeia da Beira Interior.

São histórias de vida impressionantes.

Portugal não é composto apenas por instituições longínquas, Parlamentos em Lisboa, políticos distantes de quem dizemos mal no café.

Temos o hábito de levantar a cabeça à procura de grandes exemplos, e nem sempre os encontramos – mas muitas vezes os melhores exemplos estão ao nosso lado, e alguns deles começam em nós mesmos. Sobre cada um de nós recai a responsabilidade de construir um país do qual nos possamos orgulhar

Portugal somos nós. Sou eu. São as pessoas que estão sentadas em lugares privilegiados nestas bancadas. São os militares que desfilam à nossa frente. São os portalegrenses debaixo do sol de Junho. São as pessoas lá em casa, a ouvir estas palavras.

Todos temos nas nossas famílias histórias destas, de gente banal envolvida em feitos extraordinários.

Temos o hábito de levantar a cabeça à procura de grandes exemplos, e nem sempre os encontramos – mas muitas vezes os melhores exemplos estão ao nosso lado, e alguns deles começam em nós mesmos.

Sobre cada um de nós recai a responsabilidade de construir um país do qual nos possamos orgulhar.

Aos políticos que dirigem Portugal, e representam os seus cidadãos, compete-lhes contribuir para esse esforço, propondo-nos um caminho inteligível e justo. Os portugueses podem não ser os melhores do mundo, mas são com certeza capazes de coisas extraordinárias desde que sintam que estão a fazê-las por um bem maior.

Aquilo que melhor distingue as pessoas não é serem de esquerda ou de direita, mas a firmeza do seu carácter e a força dos seus princípios. Aquilo que se pede aos políticos, sejam eles de esquerda ou de direita, é que nos dêem alguma coisa em que acreditar. Que alimentem um sentimento comum de pertença. Que ofereçam um objectivo claro à comunidade que lideram

A política não falha apenas quando conduz o país à bancarrota. A política falha quando deixa o país sem rumo e permite que se quebre a aliança entre o indivíduo e o cidadão.

Aquilo que melhor distingue as pessoas não é serem de esquerda ou de direita, mas a firmeza do seu carácter e a força dos seus princípios. Aquilo que se pede aos políticos, sejam eles de esquerda ou de direita, é que nos dêem alguma coisa em que acreditar. Que alimentem um sentimento comum de pertença. Que ofereçam um objectivo claro à comunidade que lideram.

Nós precisamos de sentir que contamos para alguma coisa. (Além de pagar impostos.)

Cada português precisa de sentir que conta, precisa de sentir que os seus gestos não contribuem apenas para a sua felicidade individual, ou para a felicidade da sua família, mas que têm um efeito real na sociedade, e podem, à sua medida, servir o país.

É preciso dizer ao velho que perdeu tudo nos incêndios de Pedrógão – tu contas.

É preciso dizer ao miúdo que habita na pobreza do Bairro da Jamaica – tu contas.

É preciso dizer ao cabo-verdiano que trocou a sua terra por Portugal, em busca de um futuro melhor para os seus filhos – tu contas, e os teus filhos não estão condenados a passarem o resto das suas vidas a limpar as casas da classe alta de Lisboa ou do Porto.

É preciso dizer à mãe ou ao pai que se sacrifica diariamente para que o seu filho possa estudar numa boa escola – tu contas, o teu esforço não será desperdiçado, e enquanto cidadão português tens os mesmos direitos e a mesma dignidade que um primeiro-ministro ou um Presidente.

E se alguma pessoa emproada vos perguntar pelo vosso currículo, digam-lhe que currículo tem tanto o académico que decide dedicar a sua vida ao estudo como o pai que decide dedicar a sua vida aos filhos.

Currículo tem tanto o cientista que dedica o seu tempo à investigação como o reformado ou o jovem que dedicam o seu tempo a ajudar os outros.

São diferentes tipos de currículo, mas são currículo.

E se ainda assim vos perguntarem “quem é que tu achas que és?”, respondam apenas: “Sou um cidadão que todos os dias faz a sua parte para que possamos viver num Portugal melhor e mais justo.”

Isso chega – aliás, não só chega, como é aquilo que mais falta nos faz.

O que faz uma pessoa parecer sexualmente atraente

O cérebro tem preferências que impulsionam o surgimento de características extremas, como caudas de pavão ou traços físicos pouco frequentes dos modelos.

DANIEL MEDIAVILLA
29 DE JUNHO DE 2019

Modelos como Emily Ratajkowski, com características muito pronunciadas, são muito atraentes. PIERRE PERUSSEAU / BESTIMAGE GTRES

Marcas de moda ou produtores pornográficos geralmente recebem críticas comuns. Eles não representam corpos reais e estão nos levando a desejar homens e mulheres que não existem. Essa abordagem pressupõe que o cérebro só percebe a beleza e, com insistência suficiente, podemos conseguir que gostemos de algo. No entanto, o apelo sexual de traços extravagantes não é, de todo, uma característica exclusiva dos seres humanos e o cérebro tem um papel muito activo na criação de físicos considerados bonitos.

Em seu livro The Taste for Beauty , o professor de zoologia da Universidade do Texas, Michael Ryan, nos lembra da confusão de Charles Darwin em frente à cauda do pavão. Esse apêndice não oferecia ao animal qualquer vantagem para obter comida ou se proteger de seus predadores. Ao contrário. Isso o tornava desajeitado e o tornava muito mais vulnerável. No entanto, por alguma razão, uma boa cauda era essencial para atrair as fêmeas e cumprir o objectivo final de todos os seres vivos: reproduzir.
Ryan diz que experiências com alguns animais descobriram uma predisposição no cérebro para desejar certos traços que não são necessaria-
mente benéficos para a sobrevivência do indivíduo. O bispo colilargo, um pássaro que vive em vários países da África subsaariana, mede cerca de 12 centímetros, mas pode ter uma cauda de mais de meio metro. Na década de 1990, o zoólogo sueco Malte Andersson queria testar se o comprimento da cauda dos machos influenciava seu sucesso reprodutivo.

A experiência consistiu em modificar artificialmente o comprimento da cauda das aves. Um grupo foi cortado e usou os apêndices amputados para fornecer caudas extra longas a um segundo grupo de indivíduos. Finalmente, ele usou como controle um terceiro grupo para o qual ele cortou a cauda, ​​mas bateu novamente para deixá-lo num comprimento idêntico. Os resultados mostraram que machos com caudas anormalmente longas aumentaram seu sucesso reprodutivo, aqueles que tiveram menor redução e aqueles que não viram sua duração modificada o mantiveram. Andersson observou que havia uma preferência indefinida por muito mais tempo do que as caudas normais, que só seriam limitadas pela mortalidade associada a esse ornamento.

Os humanos fazem muitas coisas aparentemente estúpidas para fazer sexo, mas não são os únicos no mundo animal. Entre muitas espécies, particularmente para os machos, alcançar o favor feminino significa arriscar a vida. Assim como o bispo ou o pavão aumentam sua atractividade sexual, demonstrando que ficam sobrecarre-gados com rabos enormes que os tornam mais vulneráveis, alguns sapos seduzem seus congéneres com sons excitantes, mas nada barato para produzir. O sapo húngaro, que vive em várias regiões tropicais da América, faz um gemido durante o namoro, especialmente se tiver concorrência de outros machos, acompanhado de um ou vários cliques. O clique aumenta suas chances de sucesso, mas também atrai morcegos que podem transformá-los no seu lanche.

Preferências sexuais visíveis ou ocultas nos cérebros das fêmeas geraram um mundo com caudas cada vez mais longas, grandes chifres e cores coloridas. Em muitos casos, por trás dessas exibições, pode haver uma demonstração de força, que às vezes não é deixada sozinha no corpo dos aspirantes. Assim como um carro espectacular ou uma determinada roupa pode tornar o homem mais atraente, alguns pássaros criam um cenário espectacular para estender o apelo sexual, demonstrando a capacidade de fornecer recursos à fêmea.

Para aqueles que acreditam que tudo relacionado à atractividade sexual é algo construído pela sociedade e, em particular, por aqueles que têm a panela na mão, Ryan lembra que, ao procurar explicações para o mundo, não há escolha entre cultura e cultura. biologia Cultura não é algo que vem do nada. Tem sua origem em características biológicas que, por sua vez, podem ser modificadas por mudanças culturais. Alguns antropólogos argumentam que foi a preferência das fêmeas humanas por machos menos violentos e mais capazes de cooperar entre si e na reprodução que deu origem a uma espécie que, apesar de estar muito próxima dos chimpanzés ou dos gorilas, é muito mais fraca e tem presas menores.

Essa influência social também é vista na volatilidade de muitos animais, incluindo humanos, no julgamento da beleza. Muitos estudos mostraram que a companhia de alguém bonito aumenta a atractividade de uma pessoa aos olhos dos outros. Compartilhamos essa característica com animais como a perdiz. Em seu lek, uma espécie de mercado de sexo em que os machos são expostos a tentar ganhar o favor das fêmeas, o sucesso é geralmente desigual, embora as virtudes dos competidores não sejam muito diferentes. Cerca de 10% dos homens recebem 75% das relações sexuais. A análise dessas competições mostra que é fundamental que a perdiz convença a primeira das fêmeas. Quando isso acontece, os outros parecem pensar que algo deve ter os primeiros vencedores porque eles começam a concentrar seu interesse neles. Às vezes, alguém pode parecer mais bonito porque alguém já considerou isso antes.

Embora Ryan se lembre de que as preferências sexuais não vêm do nada, ele mostra alguma preocupação sobre como a pornografia ou marcas que usam a beleza como uma reivindicação usam as preferências ocultas e visíveis de nosso cérebro e oferecem estímulos que não existem no mundo real. Alguns cientistas provaram que os machos da rã do atum só são capazes de produzir cliques atraentes para as fêmeas dentro de um intervalo, mas que é possível adicionar um grande número de cliques artificiais que derrotariam os produzidos por machos reais. Os seres humanos já são capazes de criar esses estímulos fictícios, particularmente para os homens, e ainda não sabemos seus efeitos sobre as expectativas da beleza a que é razoável aspirar.