terça-feira, 30 de setembro de 2014

ALERTA SANITÁRIO



A raiva, que se julgava extinta em Portugal, está de volta... desta vez, não através do cão, mas do coelho!!!
Há já algum tempo que os "entendidos" vinham a constatar alguns sintomas, que provocavam nas pessoas de idade, sobretudo pensionistas e reformados, tristeza, incerteza, preocupação, desilusão, etc.etc. Na realidade, todos eles vinham sendo mordidos pelo coelho, sobretudo na altura de receberem a pensão ou a reforma... Daí, chegaram à conclusão, mais que evidente, da causa de tais sintomas: "a raiva do coelho". Eles têm vindo a alertar para este facto, mas não tinham
certezas... Agora, não têm dúvidas... A raiva do "coelho" está aí!!!

O que mais preocupa, é que, contrariamente ao que acontecia com a raiva do cão, a raiva do coelho é muito selectiva... só ataca os idosos pensionistas e reformados.

Estão livres desta "raiva" todos os novos (trabalhem ou não) e mais imunizados estão ainda os banqueiros, os grandes empresários, titulares de altos cargos públicos, enfim os bafejados pela sorte de serem amigos do coelho...

Esta raiva não se transmite entre membros do mesmo grupo do coelho, no entanto, (é ainda só uma hipótese...) pode transmitir-se a algumas lebres do grupo. E nós sabemos que há duas que também parecem ter raiva. Há mais algumas, do grupo, que ainda não se conseguiu saber se têm raiva. Mas há uma terceira que tem, mas disfarça o melhor possível.

Depois, há outros coelhos que estão a ser observados, desconfiando-se que, um deles, que segundo dizem é hermafrodita, e que andava sempre a distribuir beijinhos e abraços nos lares da terceira idade, também pode vir a ser perigoso.

Todos estes dados acabaram por ser confirmados no último fim de semana, quando, numa festa de coelhos, com um jantar de arromba, servido pela empresa Cavaco Catering. Lda.

A dado momento a raiva manifestou-se!


E o que mais espantou os observadores foi que, "os velhinhos" que estavam na festa, também batiam palmas... Se calhar, não sabiam que a raiva tinha chegado...

Agora que o alerta está dado, não se esqueçam de tomar todas as precauções com coelhos!!!

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

“Sou contra o neoliberalismo repressivo em que vivemos”


Adriano Moreira


Para meditar no que está em jogo na Europa e não só.

"A informação que temos não é a que desejamos.
A informação que desejamos não é a que precisamos.
A informação que precisamos não está disponível”
John Peers

“Às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data”
Luís F. Veríssim



O líder histórico do CDS acredita que Portugal tem duas saídas: uma é a CPLP, a outra é o mar e a plataforma continental estendida...


Histórico do CDS, faz 92 anos em Setembro e mantém a genica e as ideias como se a idade não pesasse. Adriano Moreira, estadista, ex-deputado e antigo ministro do Ultramar (de Salazar), recebeu o "i " no seu gabinete na Academia das Ciências de Lisboa, no dia em que a Guiné Equatorial entrou para a CPLP. Um erro, na sua opinião. Uma conversa que deu a volta ao mundo.
Vários professores estão hoje a manifestar-se contra as avaliações. O seu protesto é outro. Quer contar?
O governo publicou uma lei que proíbe o trabalho gratuito e eu escrevi uma carta a dizer o seguinte: o governo tem poder para revogar os contratos, mas a minha educação obriga-me a levar até ao fim todos os compromissos que assumo. Vou continuar a dar aulas de graça.
Teve resposta?
Não.
O que acredita que vai acontecer?
Já houve uma série de protestos e o governo vai ter de revogar a lei. As próprias instituições estão a protestar. Tenho aqui uma tese de doutoramento que tenho de orientar e os cavalheiros vêm dizer-me que perco a reforma por fazer isto de graça. Então já viu isto?
Como responde aos que dizem que, com a falta de emprego que existe, é justo que deixe o lugar a outros?
Não têm razão. Estas funções não ocupam lugar no quadro de serviços. Trata-se de uma doação. As universidades não andam a convidar toda a gente, dá muito trabalho e é preciso ter determinada competência, não estou a tirar o lugar a ninguém. É uma coisa inacreditável a maluqueira que isto representa. Isto são os cabelos grisalhos que pesam a esta gente.
Que peso é esse?
Esta questão começou devido à atitude que o governo tomou contra o Estado social que, naturalmente, está carregado de cabelos grisalhos, com o problema das aposentações. Compreendo que a enorme crise em que estamos mergulhados do ponto de vista económico e social diminua os recursos do Estado e seja necessário tomar medidas. O Estado social, na Constituição portuguesa, é uma principiologia, por isso se diz, com cuidado, que o ensino e a saúde devem ser progressivamente gratuitos. A resposta que se é contra o Estado social porque não há dinheiro implica a pergunta se também não há princípios.
E há princípios?
Quem luta para acabar com o Estado social não tem, pelo menos, os princípios que presidem ou presidiram à sua criação. A primeira Declaração Universal dos Direitos do Homem diz que "todos os homens nascem com igual direito à felicidade". Mas tinha vírgulas: os nativos não, os escravos não, as mulheres não, os trabalhadores não... E tem levado algum tempo a apagar estes nãos com uma série de combates cívicos, por vezes com recurso à violência. É necessário garantir os direitos para que todos construam em liberdade o seu futuro.
Essa plataforma está comprometida?
Sim. Vivemos nesta espécie de neoliberalismo que começou a ganhar o Ocidente e que se tornou extremamente agudo depois da queda do muro de Berlim - e que é muito confundível com o neo-riquismo -, e que, atacado pela crise em que estamos, se transformou num neoliberalismo repressivo, com a multiplicação de sanções, de aumento de impostos, de restrições, etc. Sou contra o neoliberalismo repressivo.
O governo tem alternativa?
Isso não é uma política que o governo português possa fazer sozinho, por isso se fez a União Europeia. A questão da unidade europeia não é de depois da guerra, tem séculos. A organização ocidental, no que diz respeito à Europa, está a enfraquecer. E não é o pluralismo das línguas que faz com que não haja afinidade de sentimento, que só aparece em tempos de guerra. São todas as políticas, incluindo as portuguesas, que afectam a unidade de sentimentos, os afectos. É o corte de confiança entre governos e populações que dá origem a tantos movimentos, não só reaccionários mas também aos que não são coordenados pelos partidos ou sindicatos, que está a fazer voltar o sentimento das pequenas pátrias.
Está a referir-se às regiões que querem a independência?
Infelizmente, as pequenas pátrias estão a querer mostrar-se e isso começa por afectar a unidade dos Estados onde estão e, depois, a unidade europeia. Está a acontecer em Espanha, em França, na ilha onde nasceu Napoleão [Córsega] e talvez na Bretanha, em Inglaterra com a Escócia, no sul de Itália... É um problema que exige o maior dos cuidados. Se cada uma das pequenas pátrias se transformar em Estado - como aconteceu com a Bélgica, por exemplo -, é preciso transformar a UE.
Aquilo que se está a passar é um efeito perverso da democracia e da globalização?
O que aconteceu foi que os valores instrumentais foram, a pouco e pouco, substituindo na hierarquia os valores fundamentais. O êxito passou a ser a recompensa, o credo do mercado passou a substituir o credo dos valores, com a filosofia de que a iniciativa privada em liberdade é responsável pelo progresso e pela abundância, quando uma coisa não é incompatível com a outra. A crise que vivemos, que é ocidental e geral, mostra que o credo do mercado passou a ter uma vida independente do credo dos valores, e essa é a correcção que deve ser feita.
Temos quase nove séculos de história conhecida. Temos isso em saber?
Tivemos duas guerras mundiais no século passado que puseram um ponto final numa coisa a que eu chamo o império euromundista, no qual participávamos por causa das colónias, não por sermos um grande poder militar. Verdadeiramente, o pensamento dominante era de que os nossos valores eram superiores aos das áreas dominadas e só depois da guerra estes valores foram confrontados. Neste momento, as Nações Unidas são quase um templo de orações a um deus desconhecido e a própria organização da governação europeia parece estar em pousio. A questão da Rússia está a mostrar que o diálogo entre culturas não deve ser baseado na tolerância, mas sim no respeito. A tolerância só é precisa para aquilo de que não gostamos.
A violência voltou...
A violência voltou e é absolutamente fundamental que seja substituída pelo diálogo. Há uma instituição que prestou um grande serviço nesta matéria e que está a ser um pouco diminuída pelo corte de recursos: a UNESCO. De cerca de 149 países, mais de metade não tem sequer capacidade para responder aos desafios da natureza: tsunamis, terramotos, inundações, pestes, guerras dos povos, privatização da guerra, cães de guerra... Tudo isto são obstáculos que não vencemos depois da guerra e a crise foi-se desenvolvendo até ao ponto em que estamos.
É preciso regressar à supremacia do credo dos valores, como foi o sonho dos fundadores da Europa e, antes disso, dos fundadores das Nações Unidas, ter a convicção de que a terra é a casa comum dos homens.
Para isso são necessários líderes. Temos líderes?
Julgo que um dos grandes males do mundo, da própria Europa e da crise em que está é que nunca mais tivemos líderes como no pós-guerra. A crise da liderança mundial é enorme. Excepcionalmente aparecem homens revestidos de santidade, independentemente da religião, como Mandela ou Gandhi, vozes encantatórias como as que quiseram construir a União Europeia, homens que viveram duas guerras, assistiram à total destruição de cidades e, em vez de transformarem o sofrimento em retaliação, construíram a união e a paz.
Que consequências tem a falta desses líderes?
Na Europa tem uma consequência gravíssima, a começar pelo aumento da distância entre os aparelhos do governo e as populações, a quebra de confiança e a falta de reorganização de valores que foram das gerações passadas, mesmo do ponto de vista político. Um exemplo: a fronteira, que era sagrada, tornou-se hoje num apontamento administrativo. Isto vale para Portugal. A fronteira económica e política chama-se União Europeia e a fronteira da segurança chama-se NATO. Nós, europeus, devemos meditar em riscos sérios que estamos a correr.
Que riscos são esses?
As grandes guerras começaram quase sempre por motivos fúteis. A Primeira Guerra Mundial começou com a morte de um príncipe, uma coisa que na Europa se fez desde sempre, e morreram 12 milhões de pessoas. A Segunda Guerra começou porque foi eleito democraticamente um sujeito que tinha escrito um livro em que ninguém acreditou, e custou 50 milhões de vidas. Nunca podemos estar seguros dos efeitos que têm acontecimentos como aqueles a que estamos a assistir. Mas há uma coisa que parece evidente: primeiro, que o caminho para Bruxelas passa por Berlim - a viagem tornou-se mais longa. Segundo, que houve sempre o conhecimento e o sentimento de que a Europa é um pedaço de terra que cabe em dois terços do Brasil e, quando o mundo se dividiu entre NATO e Varsóvia, estabelecendo um pacto militar e a ordem das Nações Unidas, apareceu a ideia da Euráfrica. Até me lembro de se discutir se indústrias básicas da Europa deviam ser instaladas em África. Creio que foi a única organização internacional que morreu sem certidão de óbito.
É demasiado tarde?
Neste momento, tem esta dificuldade: o Mediterrâneo está transformado num cemitério, o mundo árabe está numa convulsão, naturalmente a favor da democracia, que tem muitas variantes. Os povos do Sul continuam a querer emigrar para o Norte, enganados com a imagem de que ainda somos uma sociedade influente, consumista e rica. A Europa fez reaparecer o império romano: Creta, Grécia, Itália, Espanha, Portugal e um bocadinho da França.
O caminho percorrido pelos bárbaros é hoje feito ao contrário por desempregados à procura de trabalho. Como é que vai acabar?
A única coisa que consigo dizer, mesmo aos alunos a quem dou aulas - as que não foram proibidas pelo trabalho de graça -, é que o imprevisto está à espera de uma oportunidade. As previsões com certeza são impossíveis, as previsões com probabilidade são uma audácia e as previsões com possibilidade devem ser feitas com a convicção modesta de que pode acontecer outra coisa. O grande problema da emigração portuguesa é que é jovem e altamente qualificada; levam a capacidade científica e a disponibilidade para ter filhos.
De tempos a tempos, Portugal precisa de ajuda. Não nos sabemos governar?
Portugal sempre teve a certeza e a experiência, mesmo na grande época, de que precisava de apoio externo: primeiro da Santa Sé, a partir da segunda dinastia da Inglaterra; e, quando acabou o império, da Europa. Para ser seguro, para ter integridade, o país precisa de uma aliança externa que o apoie. Segundo ponto: Portugal foi frequentemente um país exógeno pela sua dimensão, ou seja, objecto de consequências de decisões nas quais não tomou parte. Terceiro: com frequência, Portugal reconheceu que tinha de procurar recursos fora do seu território, exíguo. Estas circunstâncias, com a crise europeia, com o reaparecimento do limes romano, com a crise económica e financeira, explicam a crise espantosa em que estamos.
Na Europa não é apenas Portugal que não tem voz...
Toda a Europa, penso eu, tem de aprender que, para chegar a Bruxelas, não tem de passar por Berlim.
Merkel é o maior obstáculo ou é também, de certa forma, a cola da Europa?
Ela é uma pessoa a querer olhar para o directório e, no passado da Europa, o directório tem uma história temível. A Alemanha é o país que toma a direcção, que se sente o supremo decisor. Sempre que isto aconteceu, desapareceu a paz.
Voltamos à questão da liderança.
O presidente Roosevelt ouviu todos os conselheiros de economia de Chicago mas, quando teve de intervir como estadista, fê-lo. Quando Churchill prometeu sangue, suor e lágrimas, sabia o que estava a dizer, não era economia que estava na boca dele, era o estadista que estava a falar. Os homens que fundaram a Europa, cujos países foram destruídos, invadidos, saqueados, também eram estadistas.
Isso significa que temos de ter uma guerra para voltar a ter união?
Precisamos de vozes encantatórias. Algumas têm responsabilidades políticas, outras não. Mas têm sempre mais qualquer coisa, o tal sentido estadista. É isso que não temos hoje na Europa.
Estamos a atravessar uma crise mundial e os organismos existentes com responsabilidades legais parecem não intervir: as Nações Unidas não reúnem o Conselho Económico e Social, nem se vêem...
O Conselho de Segurança, nestas questões, está a ser completamente ineficaz. Porquê? Porque a Europa é representada pela Inglaterra e pela França, quando devia ser representada pela União Europeia. Além de que a Inglaterra está num posição de entra-sai em relação à Europa, não faz sentido. Depois há alguma ilusão, quando se fala de crescimento só se fala na China. A União Indiana vai ter mais população que a China e tem uma grande cultura. Mas a China também já explicou aos Estados Unidos que o Pacífico não é só dos EUA, pôs um porta-aviões na água, mostrou a bandeira. Lembro o que disse Malraux: o século XXI ou será religioso ou não será. As igrejas precisam de retomar uma grande intervenção. Fui delegado das Nações Unidas e recordo-me de que havia um compartimento despido, com um banco de madeira à volta e uma mesa de pedra translúcida, com um fio de luz que vinha de cima. Era a sala de meditação para todas as religiões.
Vivemos uma espécie de anarquia?
É. Temos órgãos que não estão cobertos por um tratado, como é o caso do G20. Mas, apesar disso, de vez em quando parecem ter o poder do mundo. Ou então temos os centros de poder desconhecidos, como o sistema financeiro.
Voltando a Portugal... Estamos numa encruzilhada ou há uma solução?
Portugal tem duas janelas de liberdade: uma é a CPLP, a outra é o mar. A extensão da plataforma continental devia ter sido reconhecida pelas Nações Unidas em 2013. Já foi adiada para 2015 e talvez não se fique por aí. Ao mesmo tempo, a Comissão Europeia está a definir o mar europeu. Se isso acontecer antes de termos reconhecida a plataforma continental, é mau. Mas isto não preenche o programa de nenhum partido.
E quanto à janela da CPLP?
A CPLP tem na sua raiz um congresso das comunidades portuguesas organizado pela Sociedade de Geografia em 1964, em Lisboa, e em 1966, em Lourenço Marques [actual Maputo], do qual fui presidente. Mas quem efectivamente organizou a CPLP foi o Brasil. A plataforma continental precisa de uma grande sabedoria nas relações internacionais, financiamentos, etc., e o transporte marítimo começa a ter uma importância extraordinária, com riscos, assaltos, pirataria. Na CPLP, todos os países são marítimos, todos os países são pobres (excepto o Brasil). A minha ideia passa por uma frota comercial comum na CPLP - existem dificuldades jurídicas, mas fazemos tantas leis...
Como vê a entrada da Guiné Equatorial, aprovada hoje, na CPLP?
Considero inaceitável a entrada da Guiné Equatorial na CPLP. Há estatutos para comunidades portuguesas que têm outras ascendências e que podem ser utilizados sem que o país adira à CPLP. A Guiné Equatorial ofende a natureza da CPLP e, por isso, os interesses portugueses.
O CDS fez 40 anos. O que é que o partido tem hoje de democrata-cristão?
A pergunta deve ser o que é que a Europa tem hoje de democrata-cristão... A não ser a senhora Merkel, que acha que é democrata-cristã. Quem fez a Europa foi a democracia cristã. E o socialismo democrático, mas os líderes eram todos democratas-cristãos. Em Portugal, o partido é pequeno, sempre foi pequeno. Por isso digo que temos de nos unir. As estatísticas, de que eu desconfio sempre, mostram que o número de crentes de igrejas institucionalizadas está a decrescer, mas o apelo à transcendência está a aumentar. É preciso que as igrejas tenham uma estratégia de intervenção, a tal ideia do secretário-geral da ONU: meditação para todos. Para que o credo dos valores seja outra vez superior ao credo dos mercados.
Coligado, o CDS tem sobrevivido. Sozinho ficará em crise?
Não quero falar sobre a vida concreta de nenhum partido, mas digo o seguinte: o país precisa de uma reforma constitucional porque o mundo português não é o mundo em que se fez a Constituição. Talvez a chamada reforma do Estado tenha mais problemas do que cortar gorduras. E está a conduzir o país para uma situação que traduzo nesta frase, que não é minha: a miséria está a expulsar a pobreza.
O que implica, para si, essa reforma?
É preciso reformular a Presidência da República e o Conselho de Estado. É necessário que os partidos revejam a visão do mundo, que é outro. E isso são os corolários que decorrem daquilo que tem de ser a boa gestão.
Qual a sua visão dessa reforma?
Um Presidente da República tem de ser visto e reconhecido como supremo magistrado da nação. Para isso é preciso que tenha mais capacidade de intervir. E, por outro lado, como tem conselho privativo, que é o Conselho de Estado, não tenho objecções a que lá estejam representantes institucionais ou antigos chefes de Estado, mas penso que não têm nenhuma necessidade de lá estar os representantes dos partidos, que pode ouvir quando quiser. Do que o Presidente precisa é de conselheiros com a tal voz, independentes. Isto dar-lhe-ia mais força e carisma.
Que este Presidente não tem?
Mário Soares teve, movimentou o país. Quanto aos partidos, sem atraiçoar as suas filosofias, precisam de ver que o mundo é bem diferente da data em que se constituíram.
O que divide os partidos ainda são filosofias?
Bom... Vamos ser bem-educados.
Quando se fala em mexer na Constituição, as pessoas têm medo de ficar a perder. Estão protegidas com a Constituição que têm?
O problema levantado em relação ao Tribunal Constitucional pôs em evidência o conflito mais inadmissível que apareceu na vida política portuguesa. O poder judicial é um poder democrático por filosofia, precisa do respeito total pela sua independência. Não se pode dizer que os juízes foram mal escolhidos. Eles são treinados para saber que os textos mudam de sentido conforme as épocas. Se alguma coisa contraria o governo, é a Constituição, não o tribunal que a defende. Isto aprende-se em qualquer faculdade de Direito. Tive um professor, Manuel Rodrigues, que também nos ensinava sobre a independência dos advogados, com o exemplo da convenção da Revolução Francesa em que, segundo dizia, um advogado fazia esta declaração: trago-lhes numa mão a verdade, na outra a cabeça. Peço-vos que disponham da segunda para resolver a primeira.
Qual é o pior vício do sistema?
Um dos piores vícios é a promiscuidade entre poder político e poder económico. Basta ver a composição dos governos e das administrações dos últimos 30 anos para verificar que há uma situação que não é admissível.
Como se quebra isso?
Primeiro, com períodos de nojo. A incompatibilidade absoluta é outra forma. Nenhum responsável político pode entrar ao serviço de empresas que tenham estado no raio de acção da área de poder a que pertenceu. Acabou-se. Quem tem responsabilidades financeiras não deve ter responsabilidades políticas - simples. Toda a interferência entre o poder político e o económico arruína a normalidade do Estado.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

BISCATES por Carlos de Matos Gomes



Para que servem as primeiras páginas dos jornais e os grandes casos dos noticiários das TV?

Se pensarmos no que as primeiras páginas e as aberturas dos telejornais nos disseram enquanto decorriam as traficâncias que iriam dar origem aos casos do BPN, do BPP, dos submarinos, das PPP, dos SWAPs, da dívida, e agora do Espírito Santo, é fácil concluir que servem para nos tourear.

Desde 2008 que as primeiras páginas dos Correios das Manhas, os telejornais das Moura Guedes, os comentários dos Medinas Carreiras, dos Gomes Ferreiras, dos Camilos Lourenços, dos assessores do Presidente da República, dos assessores e boys dos gabinetes dos ministros, dos jornalistas de investigação, nos andam a falar de tudo e mais alguma coisa, excepto das grandes vigarices, aquelas que, de facto, colocam em causa o governo das nossas vidas, da nossa sociedade, os nossos empregos, os nossos salários, as nossas pensões, o futuro dos nossos filhos, dos nossos netos. Que me lembre falaram do caso Freeport, do caso do exame de inglês de Sócrates, da casa da mãe do Sócrates, do tio do Sócrates, do primo do Sócrates que foi treinar artes marciais para a China, enfim que o Sócrates se estava a abotoar com umas massas que davam para passar um ano em Paris, mas nem uma página sobre os Espírito Santo! É claro que é importante saber se um primeiro ministro é merecedor de confiança, mas também é, julgo, importante saber se os Donos Disto Tudo (os DDT) o são. E, quanto a estes, nem uma palavra. O máximo que sei é que alguns passam férias na Comporta a brincar aos pobrezinhos. Eu, que sei tudo do Freeport, não sei nada da Rioforte! E esta minha informação, num caso, e falta dela, noutro, não pode ser fruto do acaso. Os directores de informação são responsáveis pela decisão de saber uma e desconhecer outra.

Os jornais, os jornalistas, andaram a tourear o público que compra jornais e que vê telejornais.
Em vez de directores de informação e jornalistas, temos novilheiros, bandarilheiros, apoderados, moços de estoques, em vez de notícias temos chicuelinas.
Não tenho nenhuma confiança no espírito de auto critica dos jornalistas que dirigem e condicionam o meu acesso à informação: todos eles aparecerão com uma cara à José Alberto de Carvalho, à Rodrigues dos Santos, à Guedes de Carvalho, à Judite de Sousa (entre tantos outros) a dar as mesmas notícias sobre os gravíssimos casos da sucata, dos apelos ao consenso do venerando chefe de Estado, do desempenho das exportações, dos engarrafamentos do IC 19, das notas a matemática, do roubo das máquinas multibanco, da vinda de um rebenta canelas uzebeque para o ataque do Paiolense de Cima, dos enjoos de uma apresentadeira de TV, das tiradas filosóficas da Teresa Guilherme. Todos continuarão a acenar-me com um pano diante dos olhos para eu não ver o que se passa onde se decide tudo o que me diz respeito.

Tenho a máxima confiança no profissionalismo dos directores de informação, que eles continuarão a fazer o que melhor sabem: tourear-nos. Abanar-nos diante dos olhos uma falsa ameaça para nos fazerem investir contra ela enquanto alguém nos espeta umas farpas no cachaço e os empresários arrecadam o dinheiro do respeitável público.

Não temos comunicação social: temos quadrilhas de toureiros, uns a pé, outros a cavalo.
Uma primeira página de um jornal é, hoje em dia e após o silêncio sobre os Espírito Santo, um passe de peito.
Uma segunda página será uma sorte de bandarilhas.
Um editor é um embolador, um tipo que enfia umas peúgas de couro nos cornos do touro para a marrada não doer.
Um director de informação é um “inteligente” que dirige uma corrida.

Quando uma estação de televisão convida um Camilo Lourenço, um Proença de Carvalho, um Gomes Ferreira, um João Duque, um Júdice, um Marcelo, um Miguel Sousa Tavares, um Ângelo Correia, devia anunciá-los como um grupo de forcados: Os Amadores do Espírito Santo, por exemplo. Eles pegam-nos sempre e imobilizam-nos. Caem-nos literalmente em cima.

As primeiras páginas do Correio da Manhã podiam começar por uma introdução diária: Para não falarmos de toiros mansos, os nossos queridos espectadores, nem de toureios manhosos, os nossos queridos comentadores, temos as habituais notícias de José Sócrates, do memorando da troika, da imperiosa necessidade de pagar as nossas dividas.

Todos os programas de comentário político nas TV deviam começar com a música de um passo doble. Ou com a premonitória “Tourada” do Ary dos Santos, cantada pelo Fernando Tordo.

O silêncio que os “negócios “ da família "Dona Disto Tudo" mereceu da comunicação social, tão exigente noutros casos, é um atestado de cumplicidade: uns, os jornalistas venderam-se, outros queriam ser como os Espírito Santo. Em qualquer caso, as redacções dos jornais e das TV estão cheias de Espíritos Santos. Em termos tauromáticos, na melhor das hipóteses não temos jornalistas, mas moços de estoques. Na pior, temos as redacções cheias de vacas a que se chamam na gíria as “chocas”.

O que o silêncio cúmplice, deliberadamente cúmplice, feito sobre o caso Espirito Santo, o que a técnica do desvio de atenções, já usada por Goebels, o ministro da propaganda de Hitler, revelam é que temos uma comunicação social avacalhada, que não merece nenhuma confiança.

Quando um jornal, uma TV deu uma notícia na primeira página sobre Sócrates( e falo dele porque a comunicação social montou sobre ele um operação de barragem pelo fogo, que na altura justificou com o direito a sabermos o que se passava com quem nos governava e se esqueceu de nos informar sobre quem se governava) ficamos agora a saber que esteve a fazer como o toureiro, a abanar-nos um trapo diante dos olhos para nos enganar com ele e a esconder as suas verdadeiras intenções: dar-nos uma estocada fatal!

Porque será que comentadores e seus patrões, tão lestos a opinar sobre pensões de reforma, TSU, competitividade, despedimentos, aumentos de impostos, gente tão distinta como Miguel Júdice, Proença de Carvalho, Ângelo Correia, Soares dos Santos, Ulrich, Maria João Avilez e esposo Vanzeller, não aparecem agora a dar a cara pelos amigos Espírito Santo?

Porque será que os jornais e as televisões não os chamam, agora que acabou o campeonato da bola?

Um grande Olé aos que estão agachados nas trincheiras, atrás dos burladeros!

Carlos de Matos Gomes

Nascido em 24/07/1946 em V. N. da Barquinha. Coronel do Exército (reforma). Cumpriu três comissões na guerra colonial em Angola, Moçambique e Guiné, nas tropas especiais «comandos».

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Sou precário, mas tenho "direito ao bife". (a propósito de um reclame de hambúrgueres)



01 Agosto 2014 por Nicolau do Vale Pais

É, como dizia há uns dias o Daniel Oliveira ao Expresso, o Portugal dos tuck-tucks e dos call centers.

Ainda sou do tempo do "gostar de reclames". Confesso até que tive uma cassete de vídeo onde - sem sucesso, diga-se - tentei compilar os meus favoritos absolutos em publicidade televisiva. Achava eu que na publicidade se encontravam não só alguns dos mais espectaculares momentos de edição como também, claro, "punch lines" de arrasar. E, se na produção visual - mais cara -, o mercado publicitário português se encontrava deficitário, o mesmo não se pode dizer do chamado "copy", a arte do "slogan": "aquela máquina", como assinatura de marca da Regisconta, por exemplo, ainda hoje povoa o imaginário colectivo de muitos. E criar memória em algo tão deliberadamente vago e especulatório como a publicidade - características que cada vez mais partilha com a comunicação política - não é nada fácil. (*)

Está aí um anúncio de TV - que dá, ou devia dar, que pensar. É da McDonald's e é filmado em Lisboa, contando com dois personagens típicos do "glamour" contemporâneo da precariedade urbana, tão giro e "trendy" para todos, menos para os que têm de se safar dela: o turista e o jovem autóctone, neste caso, uma jovem. Tem como estrela um tal de hambúrguer "Chicago Classic", mais uma ideia brilhante para acompanhar a Coca-Cola, cortesia das mentes inventivas do "product development" culinário da grande cadeia de "chicha" cheia de molho e calorias e, no caso desta nova sandes, cebola roxa. E em que consiste a narrativa? Basicamente, vemos um americano, não em Paris, mas em Lisboa que, no buliço da capital, se cruza acidentalmente (como nos filmes, portanto) com uma alegre moça lusitana. A moça - supomos - vive muito feliz a mostrar Lisboa na sua motoreta do tipo tuck-tuck a turistas, quiçá porque emprego para a área de licenciatura onde os pais gastaram o pé-de-meia da reforma, nem vê-lo. É, como dizia há uns dias o

Daniel Oliveira ao Expresso, o Portugal dos tuck-tucks e dos call centers; concordo com o cronista quando diz (lido no seu perfil do Facebook) que "tuck-tucks e call centers aproximam-nos da Índia. Para os indianos, isto é o degrau de uma subida. Para, nós é o degrau de uma descida."

Mas, voltemos à narrativa: a menina leva o turista a conhecer Lisboa; ela tem um chapelinho de palha, ele usa barba, juntos tiram uma selfie, tudo o que é da praxe da vida moderna - que é moderna, não há dúvida, resta-nos saber se é, de facto, vida. Depois de uma passeata, ele convida-a para conhecer Chicago; mas, claro, não é Chicago no Illinois, USA., mas Chicago, o tal hambúrguer.

Ora, esta maniazinha pícara de retratar a geração mais qualificada da história portuguesa recente, de os enfiar para o saco da festividade turística como ananases obrigados a desabrochar sob qualquer clima é, a meu ver, uma das maiores agonias a que temos estado sujeitos. É o tipo de coisa que não entra no espírito crítico de um Marcelo Rebelo de Sousa, mas que está tão disseminada quanto a própria vulgaridade televisiva; o retrato geracional resulta lamentável, tanto neste caso, como nos exemplos das operadoras de telecomunicações e/ou promotoras de Festivais de Verão; tem vértice máximo no famoso anúncio da EDP onde a pedalada de uma classe média de poder de compra exaurido - entre outras coisas, por causa do custo energético, porra! - é colonizada por um "slogan" "a maior energia é a sua".

A indignação sobre estes retratos merece seríssima reflexão; quando vejo ministros, autarcas, bancos, vedetas e multinacionais a fazerem de conta que ainda não perceberam a hipocrisia por trás da condenação da República à alegria estival, fico alarmado. Muito mesmo. Até porque o único argumento plausível para justificar tão frívolo retrato cai por terra no momento em que se percebe que esta não é a glamourização do mérito ou da sustentabilidade, mas muitas - demasiadas - vezes, a da infame sobrevivência. Um bocadinho de coragem, em troca da nossa capacidade de manter o país à tona, apesar das pedras que os BES(s) lhe esconderam no porão, ficava bem aos nossos líderes. Sou precário, mas ainda não desisti do "direito ao bife", mesmo que metaforicamente falando.

"Algo completamente diferente"



25 Julho 2014 por Nicolau do Vale Pais

A consciência colectiva sobre a qualidade dos media é, ou deveria ser, um sintoma claro do nível de potencial cívico de uma sociedade.
"É um público tipicamente Hollywoodesco: todos os putos curtem drogas, enquanto os pais se divertem de patins". Reza a lenda que Eric Idle se terá enganado; no guião para o espectáculo "Monty Python Live at the Hollywood Bowl" de 1982, constaria que todos os pais curtiam drogas - numa alusão paródica à geração hippie - enquanto os putos andavam de patins - uma referência às modas da época, Walkman da Sony incluído. São as vicissitudes do directo, como se diz "na TV". Uma TV que os Monty Python ajudaram a mudar para sempre; eles, e a BBC.

Há uns meses, o septuagenário líder natural da trupe, John Cleese, escrevia no The Guardian um hilariante e corrosivo texto sobre o imobilismo dos Estados-nação europeus, que, agarrando-se aos preconceitos que a História ajudou a fundar, poderiam (e podem) continuar calmamente a não fazer nada que corresponda a realidade nenhuma. O mesmo não se poderá dizer do projecto londrino de recuperação da pobre e "lumpenizada" zona de King's Cross, hoje florescente de instituições de ensino, restaurantes, escritórios e habitação média, que teve como base a reabilitação da talha Vitoriana original de dezenas de edifícios e, como âncora, precisamente, a mudança de instalações do The Guardian para aquela zona (a ferrovia urbana e suburbana, essa, já lá estava, daí o nome "cross").

A consciência colectiva sobre a qualidade - ou a falta dela - dos media é, ou deveria ser, um sintoma claro do nível de potencial cívico de uma sociedade, quer estejamos a falar de informação ou de entretenimento. No caso português, bastará ouvir qualquer orador de serão falar sem contraditório de assuntos de Estado, com um pivô em frente a fazer de corpo presente, para percebermos que nem distinção há entre uma coisa e a outra. O que o pensamento mediano da elite bacoca do centrão, sempre preocupada com a popularidade "português suave" dos seus produtos candidatos ainda não percebeu, é que não há eficácia sem imaginação. Com certeza que, quando a direcção de programas da BBC encomendou o infame "Flying Circus" - estreou em 1969, estava Marcelo Caetano abancado há pouco mais de um ano -, ninguém imaginava a dimensão planetária do seu sucesso; e se hoje dele se diz ter tido na TV a mesma influência que os Beatles tiveram na música, isso foi apenas possível porque, precisamente, o que preside ao produto são os artistas, as suas escolhas, a sua atitude e o desassombro para com uma excentricidade que mais não é do que um sinal exterior de um profundíssimo sentido crítico e de cidadania.

Os Python - e se os conseguir apanhar a falar a sério, verá que é verdade - criaram-se no "Circus" com base em pressupostos de trabalho muito sérios, o mais importante dos quais foi terem-se sempre conduzido enquanto escritores (e não "performers"). A escrita - nota-se! - é o seu trabalho, ser actor é apenas um emprego.

No passado fim-de-semana, a trupe subiu ao palco para dar por terminada uma série de espectáculos na O2 Arena, uma sala multimeios, localizada no sudeste Londrino. Como todos os equipamentos gigantes, o seu novo-riquismo está vocacionado sobretudo para o "business", mais do que para a criação - Michael Jackson quis lá levar o seu "This is it". Não é natural que apareçam muito mais Pythons por esta vida, quando realmente o comércio canibaliza a criação, ao ponto de a colocar quase como uma pluma caprichosa no negócio dos sucessos auto-consagrados a que os espaços e espectáculos públicos se reduzem na procura incessante por mais receitas. E, embora esta última aparição dos Monty Python passe pouco de uma revisitação saudosista, ela não deixa de merecer nota, quanto mais não seja para pensar um pouco sobre a irrelevância dos meios e formas quando comparada ao brilho dos conteúdos. "Always look on the bright side of life".

Argentina, Sarkozy, BES: quando a memória já não conta



04 Julho 2014 por Nicolau do Vale Pais

Num mundo onde os Estados estão casados com comunhão de adquiridos com a Finança, a memória já não conta, só a propriedade.

 
O século XX argentino foi marcado por sobressaltos permanentes: passa da sétima maior economia do mundo para o estado em que hoje se encontra: à beira do quarto incumprimento - ou "default" - em 30 anos. O seu declínio dura há cerca de cinco décadas, marcado por um agudo problema de desequilíbrios na distribuição de riqueza, ciclos loucos entre períodos de acelerado crescimento económico e recessão e - sobretudo nas últimos anos - um aumento exponencial da pobreza; a inflação mina hoje o que da Argentina resta. As suas relações com o exterior deterioram-se em proporção directa ao aumento do patriotismo exacerbado, marcadas que estão pelos resquícios históricos de uma cultura de exagero iconográfico Peronista, que a sua Presidente Cristina Kirchner tão bem reencarna.

Em 2007 - em operação mediática internacional concertada com Hugo Chávez -, acusou os Estados Unidos de tentativa de destruição da imagem do seu país por suposta fabricação de um caso à volta de financiamentos partidários internacionais, contrários "aos interesses da Pátria". Agora, a Argentina vê um tribunal americano decidir a favor dos 7% de investidores que, em 2005, não quiseram reestruturar os seus cupões de dívida; a decisão - que atira a Argentina para uma situação limite - soa mais a justicialismo do que a Justiça, como Rui Peres Jorge tão bem definiu neste jornal no passado dia 29 de Junho. Depois será o fim do acesso aos mercados, ou seja, o fim do acesso à vida para 40 milhões de pessoas. A Argentina é a terceira maior economia da América Latina e membro do G-20. E que importa isso à finança? Pouco, muito pouco: "Hedge Funds" como o de Paul Singer - o homem que tem o Estado Argentino no bolso - não têm nada a ver com Economia.

Era Nicolas Sarkozy ministro do Interior quando, em manobra de propaganda pura, e em plenos motins de Paris (2005), apelidou os revoltosos de "racaille", a "escumalha". Hoje, com Marine Le Pen já alapada no Parlamento Europeu, Sarkozy vê-se constituído arguido por suposta criação de uma rede de tráfico de influências, que se adiciona a outros escândalos mais ou menos da mesma ordem, como tinha sido o "escândalo Lancôme". O justicialista vê-se agora a braços com a Justiça, porque do lado de cá do Atlântico também se governa sobretudo para manter o poder, e se brinca com o futuro de milhões de pessoas. A República das Luzes, o farol Europeu, escurece rápida e inexpugnavelmente. De Gaulle dá voltas no túmulo enquanto a glória nacional chafurda na hipocrisia xenófoba.

"As pessoas têm estados de alma, os mercados não. As pessoas tomam decisões em função de critérios éticos, os mercados não. As pessoas obedecem a leis, os mercados quando podem, não. Os investidores compram e vendem para ganhar mais dinheiro ou para não perder mais dinheiro", dizia Pedro Guerreiro, ex-director deste jornal, no Expresso, no passado dia 30. O caso BES continua, continuará sempre. Sabemos que as acções da Portugal Telecom se juntaram à queda livre das daquele banco porque a PT decidiu comprar papel do mesmo, ou seja, decidiu financiá-lo. E os mercados, ascéticos, não gostam de contágios; como os xenófobos.

Todos nos lembramos de muitas notícias sobre a Argentina, Sarkozy ou o BES; mas num mundo onde os Estados estão casados com comunhão de adquiridos com a Finança, a memória já não conta, só a propriedade. Em boa honestidade, estes casos não são supressa nenhuma. Não há Justiça que nos valha até percebermos que o governo pela Finança mais não é do que o mergulho na iniquidade e na demagogia dos serventuários que o propalam. Economia sem interferência do Estado… em que planeta? Neste.

De do do do, de da da da - a criatividade em vez da violência



27 Junho 2014 por Nicolau do Vale Pais

É a deslocalização total da forma para longe do conteúdo, o uso aleatório de conteúdos sem programa.

"Poetas, padres e políticos, todos têm de dar graças às palavras pelas posições conquistadas; palavras que gritam pela tua submissão, e não há quem lhes interrompa a transmissão (…) De do do do, de da da da, é tudo o que tenho para lhes dizer."
Sting, com os The Police, "De Do Do Do, De Da Da Da", do álbum "Zenyatta Mondatta", 1980.

Se há fenómeno que gostaria de perceber melhor, é esta patologia do "revival", particularmente ao nível das rádios - mas não só. É espantoso o número de horas que se consegue estar a ouvir rigorosamente as mesmas canções, em três ou quatro estações diferentes, intercaladas apenas por uns espirros de alegria mal condensada num diálogo entre locutores, que me há-de energizar para mais um dia de trabalho… É a deslocalização total da forma para longe do conteúdo, o uso aleatório de conteúdos sem programa. E com o auxílio de botões, lá vamos fazendo "zapping".

Vários clássicos tocam nestas omnipresentes ondas FM - do carro à loja - sempre dados como "eternos", o que, se não é verdade, passou entretanto a ser, já que parece não haver imaginação para muito mais, nem a nível de repertório, nem tão pouco em termos da sua análise. Por exemplo, "Money for Nothing", dos Dire Straits, é um "must" absoluto; no entanto, não há uma alma, nem que fosse mesmo só por razões pícaras, que se lembre de falar do (brilhante) aspecto crítico do tema em relação ao que (já) se estava a passar com o mercado da pop, da distribuição em massa globalizada e das suas consequências: "That ain't working, that's the way you do it, you play the guitar on the MTV"… Normalmente, estas visitas de médico são depois intercaladas com itinerários mais ou menos auto-consagrados, à volta de uma dúzia mal-amanhada de supostos grandes artistas, daqueles de um só êxito ("one hit wonders", como dizem, ironicamente, os anglo-saxónicos) - as bandas sonoras são aqui um manancial interminável, do filme "Karaté Kid" até "Eye of the Tiger", desse portento do cinema que foi "Rocky III". Já agora, o tema foi reescrito a pedido de Stallone, depois de este ter ficado a saber que os Queen - outros "habituée" inefáveis do "revival", com direito hoje a bandas de tributo e tudo - não permitiram o uso de "Another One Bites the Dust". Mercury lá saberia que não há pior purgatório que o da lembrança permanente.

Se temos de viver permanentemente com os ouvidos hipnotizados pelo passado, então ao menos que se saiba que passado é que estamos a citar, em vez deste exercício pobre de pequenas memórias aleatórias destinadas a acordar o consumidor que há em nós - voltemos aos Dire Straits, a ver se aumentamos as audiências. Se ouvir o tema com atenção, pode reparar que, além de uma construção e produção feitas para deixar brilhar o mais importante - a guitarra de Knopfler -, o tema conta, logo desde a abertura, com vozes de apoio inusitadas, cantadas por Sting.

Sting é outro que tal - conto, pelos dedos de uma mão, as vezes que alguém se tenha dado ao trabalho de o conhecer para lá da pop; a pop que o próprio nunca escondeu ser um território que lhe interessava, "como lhe interessavam as canções infantis e o deslumbre que todos temos por melodias simples" (em entrevista à Rolling Stone, nos anos oitenta). Foi exactamente neste espírito que compôs "De Do Do Do, De Da Da Da", tentando explorar os limites entre a alegria frívola do refrão e a profundidade política das quadras, absolutamente antagónicas entre si, de forma deliberada. Na época, com Margaret Thatcher e a sua infernal máquina de preconceito comunicacional no poder, Sting escreve uma canção sobre a corporativização da sociedade e a hipocrisia do moralismo vigente, num tema explícito na crítica e deliberadamente ligeiro na sua proposta hipnótica de alienação pela criatividade. Criatividade em vez de violência - uma proposta forte para contrariar o movimento "hoooliganista", cujo surgimento não de deixou de ser - pelo menos em contexto - muito semelhante à ressurreição neofascista desta ficção que se chama Zona Euro.

Este artigo é político? Tudo é político, incluindo a noção que a falta de qualidade da realidade não deixa de estar íntima - e muitas vezes, deliberadamente - ligada à falta de qualidade do entretenimento.

Aleixo: o BES para cá do Douro


O dia da implosão da Torre 5 do bairro do Aleixo

18 Julho 2014 por Nicolau do Vale Pais

O caso do Bairro do Aleixo é deveras bárbaro no que toca à particular forma como causas e consequências são baralhadas na comunicação.

Os problemas políticos da cidade do Porto - para além do sentimento de finitude dos recursos nacionais ser muito mais real do que em Lisboa - começam no profundo desconhecimento da realidade local por parte dos agentes mediáticos sediados - de forma evidente, mas não por isso lógica - na capital. Poder em democracia hoje, para o melhor e para o pior, é "media".

Se assim não fosse, não teria havido o espanto nacional que só o equívoco mediático pode gerar, quando o Revisor Oficial de Contas da Câmara veio publicamente anunciar as suas dúvidas sobre as contas de Rui Rio. Diz o R.O.C. que tem dúvidas sobre 560 milhões de euros, em geral, dos quais 312,5 milhões geram preocupação, em particular, já que se trata de imobilizado corpóreo (bens tangíveis e intangíveis) que a Câmara diz ter, mas cujo inventário carece de cruzamento e confirmação com outras fontes de informação que não a própria Câmara (em Lisboa, onde António Costa faz subir o passivo em 10% ao ano, as mesmas dúvidas foram levantadas pelo R.O.C. local, mas para o dobro do montante, mais de 1.000 milhões de euros). Se está muito admirado, eu explico: os doze anos de Rio resumem-se, como os três de Passos, a cortes e cortes feitos em nome do tem de ser, sem que ninguém meça realmente as consequências económicas e sociais dos mesmos, da perda de habitantes e receita, à perda de influência política. O resto é ruído em sinfonia concertada entre spinners, imprensa e oportunistas.

O caso do Bairro do Aleixo é deveras bárbaro no que toca à particular forma como causas e consequências são deliberadamente baralhadas na comunicação, para que a acção política seja desonerada das suas responsabilidades efectivas. Para quem não sabe, o mesmo Rio que, através da Revista da Câmara Municipal paga pelos munícipes, justificava a demolição daquelas torres por uma questão de segurança às portas das eleições de 2009, tinha estado no Bairro em campanhas anteriores a prometer a sua não-demolição. Nós, portuenses, nunca soubemos o que tinha mudado em quatro anos, e foi criada a ideia de que o tráfico de droga naquela chaga da cidade era condição necessária e suficiente. O problema óbvio são os outros, os que não traficam. De demagogia em demagogia, aparece um concurso público para encontrar um parceiro privado para a construção de habitação com vistas de rio. Quem vence? O Grupo Espírito Santo, ele todo, através da Gesfimo, espantosamente, a concorrente única. Segue-se a criação de um Fundo Especial de Investimento (Novembro de 2009, a seguir às eleições), partilhado entre Câmara e Privados; do lado dos privados surge Vítor Raposo, colega de bancada do PSD de Rui Rio entre 1995 e 1999. Vítor Raposo, de acordo com as notícias vindas a lume aquando do estouro do BPN, está sob investigação por alegada participação com Pedro Lima (o filho de Duarte Lima) em negócios de compra de terrenos em Oeiras, financiados pelo (entretanto ou por isso) falido BPN, em cerca de 40 milhões de euros. Rui Moreira, actual Presidente da Câmara do Porto, decidiu esta semana pedir uma auditoria ao Fundo Imobiliário, naquela que é, na minha opinião, a sua mais relevante decisão política desde que em Setembro passado venceu as eleições. Do meu ponto de vista pessoal, nada no Aleixo me surpreende; choca-me não só a demolição em si, mas o processo e as razões enviesadas do mesmo, que omitem o objecto principal das decisões: as pessoas. E choca-me que a oposição nunca tenha sido capaz de fazer a pergunta-chave: porque não são ali mesmo realojados os habitantes do bairro? É má vizinhança tanto o pobre, como o traficante?

Repito: nada me surpreende, porque já no caso da tentativa disfarçada de fazer um Shopping no Bolhão através de um concurso público, este tinha sido ganho por uma tal de Tramcrone, empresa também ela a braços com problemas com a Justiça anteriores ao concurso, mas que os Executivos de Rio acharam ser irrelevantes ao ponto de ela ter condições para ganhar um concurso público. Do ponto de vista do enviesamento comunicacional, estas tricas são idênticas às do Rivoli, em que a problemática em torno do 'subsidiamento' ou não da actividade cultural serviu de muleta e desculpa - como o tráfico de droga no Aleixo - para decisões totalmente à margem das responsabilidades políticas originais. Em ambos, ganharam os privados, algo que como munícipe do Porto não me envergonha, já que é igual em perfídia ao que hoje sabemos ser a política nacional.

Se acho que Rio ou Costa são piores ou melhores do que tudo o resto? Não, não acho. O que acho francamente grave é que o futuro dos dois principais Partidos da nação esteja resumido a heróis feitos de equívocos tão graves quanto aqueles que nos trouxeram até à mãos da troika. É essa a falta de esclarecimento que nos mantém neste buraco insular; resta saber se estamos aqui fechados por causa da Banca ou por causa dos hipócritas.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Lições do Sul para uma Europa em crise?


Retomar a ofensiva, sair da zona euro, romper com a armadilha neoliberal
por Rémy Herrera [*]


 

A extrema gravidade da crise que atinge actualmente a Europa, em particular a zona euro por via das dívidas ditas "soberanas", da Grécia à Itália entre outras, leva a colocar a questão: os povos europeus não terão lições a retirar das experiências pelas quais certos países do Sul estão a passar e das estratégias anti-crise que aí foram adoptadas? Porque o que é facto é que, até ao momento, têm sido as receitas do Norte, que se supõe serem universalmente válidas, as que foram na generalidade administradas às economias do Sul – ainda que estas receitas não lhes tenham sido muito convenientes, salvo raras excepções. Mas os tempos mudaram…

A Europa em crise

As soluções neoliberais de austeridade generalizada e de destruição dos serviços públicos hoje propostas (ou melhor dizendo, impostas) para tentar salvar o capitalismo em crise e relançar o crescimento são absurdas; elas constituem a forma mais segura de agravar ainda mais esta crise e de precipitar mais rapidamente o sistema no abismo. E isto ao mesmo tempo que favorecem, por todo o lado, a subida em força das extremas-direitas, racistas, demagógicas e sempre cúmplices da ordem estabelecida.

Neste contexto, a crise que a zona euro atravessa actualmente deve ser entendida como em íntima ligação com as próprias bases do processo da construção europeia. Acreditou-se ser possível criar uma moeda única sem Estado, mesmo o de uma Europa política que na verdade não existe. Havia aqui um erro de base nesta Europa que pretendia fazer convergir à força economias extremamente diferentes sem o reforço de instituições políticas à escala regional nem a promoção de uma harmonização social nivelando por cima. É assim que, de forma lógica, esta "má Europa", voltada contra os povos, anti-social e anti-democrática, é cada vez mais abertamente rejeitada.

Continuar a acreditar num novo "compromisso keynesiano" constituiria, entretanto, alimentar ilusões. O anterior, formulado após a Segunda Guerra mundial, não foi concedido pelos grandes capitalistas, foi alcançado pelas lutas populares, múltiplas e convergentes. Hoje a alta finança, que retomou o poder, não está disposta a nenhuma concessão. O keynesianismo – que poderia de facto desejar-se – não possui nem realidade nem futuro. Doravante, são os oligopólios financeiros quem domina e quem dita a sua lei aos Estados, para fixar as taxas de juro, a criação de moeda ou, quando tal é necessário, para nacionalizar.

Ruptura?

Perante a crise sistémica e os perigos que ela comporta – incluindo o de ver chegar ao poder extremistas de direita – é tempo de as forças progressistas na Europa retomarem a ofensiva, formulando de novo propostas alternativas para uma esquerda radical e internacionalista, orientadas no sentido da reconstrução de projectos sociais e de solidariedades voltadas para o Sul em luta.

Entre os debates urgentes a iniciar figura o da saída da zona euro, nomeadamente para a Europa do Sul, sob certas condições e segundo diferentes modalidades. É evidente que uma tal decisão seria difícil de assumir pelos pequenos países como a Grécia. Constituiria uma falsidade afirmar que desta opção de ruptura não resultariam dificuldades. Mas constituiria igualmente uma falsidade afirmar-se que uma tal via conduziria à catástrofe.

E isto por três razões pelo menos. Em primeiro lugar, há importantes economias europeias que não estão na zona euro, como o Reino Unido. Depois, há países que foram violentamente atingidos pela crise e que estão em vias de recuperar, fora da zona euro, nomeadamente a Islândia. Por fim, e fora do continente europeu, há países do Sul que ousaram a decisão de romper com as regras do sistema monetário internacional actual sem que de tal decisão decorresse qualquer situação de caos. Muito pelo contrário, tem sido precisamente essa via de ruptura – temporária – com os dogmas neoliberais que lhes tem permitido autonomizar-se e recuperar.

Que lições retirar do Sul?

Numerosas experiências recentes a Sul mostraram que a reconquista de elementos de soberania nacional – monetária, entre outras – e o voluntarismo político perante os diktat dos mercados financeiros abriram margens de manobra que permitiram a esses países sair de situações económicas dramáticas provocadas em larga medida pelo próprio funcionamento – injusto e inaceitável – do sistema capitalista mundial. Pensamos aqui, por exemplo, no processo de "desdolarização" em Cuba; ou no distanciamento da Venezuela em relação ao Fundo Monetário Internacional; ou ainda na criação do Banco do Sul (Bancosur), envolvendo países da Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA) como a Bolívia e outros, incluindo o Brasil. Mas pode igualmente citar-se o caso de um país com um governo menos radical como a Argentina, que em finais de 2001 declarou a suspensão de pagamentos e que retomou com bastante rapidez o crescimento, sem que tenha ficado isolado em relação as ligações internacionais.

Suspensão de pagamentos, desvalorização da moeda e plano de reconversão da dívida foram as medidas que salvaram a Argentina do desastre neoliberal. Não há dúvida que uma saída do euro seria mais difícil para um país como a Grécia, que possui uma base produtiva e exportadora muito mais fraca do que a da Argentina (que assenta sobre a agro-indústria e a energia); mas certamente que daí não resultaria o "fim do mundo" para o seu povo, como insistem em anunciar os media dominantes. Uma tal decisão é difícil de tomar, tendo em conta as contas públicas deficitárias e o risco de fuga de capitais; mas ela parece doravante necessária como forma de saída da armadilha neoliberal – e isto antes que a Alemanha decida ela própria a exclusão desse país!

Pensemos igualmente no Equador, cujo governo realizou uma auditoria à sua dívida externa, anulou as dívidas "odiosas" (ou seja, ilegais e/ou ilegítimas), utilizou a suspensão dos reembolsos para reduzir o peso da dívida pública e libertou dessa forma recursos para as políticas sociais e para as infraestruturas. Em todas estas experiências, em que não se verificou qualquer catástrofe, a reapropriação por parte do Estado do seu poder de decisão política sobre a economia permitiu a cada país libertar-se do atoleiro em que estava mergulhado. Como foi o caso da Malásia, depois da crise asiática de 1998, quando o governo (que não era "de esquerda") colocou limites às imposições do FMI e conduziu a política anti-crise que lhe pareceu mais conveniente.

E porque não, então, na Europa? É certo que as situações diferem de continente para continente, mas as alternativas existem, sob a forma de transições pós-capitalistas, democráticas e sociais, solidárias com o Sul. O que é necessário não é a elaboração de soluções miraculosas ou prontas-a-usar, mas o reabrir dos espaços de debate à esquerda. É portanto mais do que tempo de falar, finalmente, sem tabus nem complexos, de soluções anti-crise colocadas ao serviço dos povos europeus: saída controlada da zona euro, desvalorização monetária (ou de uma eventual nova moeda comum), restabelecimento do controlo das variações dos fluxos financeiros, redefinição do papel político dos bancos centrais, nacionalização do sistema bancário e de certos sectores estratégicos da economia, anulação parcial das dívidas públicas, redistribuição acrescida da riqueza, reconstrução dos serviços públicos, desenvolvimento da participação popular, mas também o relançamento de uma regionalização europeia progressista e aberta ao Sul… Porque, na verdade, são os povos que são soberanos, não as dívidas.

29/Fevereiro/2012[*] Economista, Investigador do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS)

Do mesmo autor:

Cuba e o projecto comunista
A propósito dos motins nos subúrbios franceses
Crise financeira ou... de superprodução?
As ideias feitas e a verdade escondida sobre Cuba
Depois do não francês
Os Fórums de Mumbai 2004: Que lições tirar?

O original encontra-se em http://www.granma.co.cu/2011/12/02/interna/artic01.html ,
a versão em português foi extraída de http://www.odiario.info/?p=2397

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Livre Pensamento | Maria do Carmo Vieira


DO PEC IV AO CAMINHO PARA A SERVIDÃO



Miguel Sousa Tavares

‘Espero bem que o país não se esqueça de ajustar contas com essa gente um dia. Esses economistas, esses catedráticos da mentira e da manipulação, servindo muitas vezes interesses que estão para lá de nós, continuam por aí, a vomitar asneiras e a propor crimes, como se a impunidade fizesse parte do estatuto académico que exibem como manto de sabedoria.
Essa gente, e a banca, foram os que convenceram Passos Coelho a recusar o PEC 4 e a abrir caminho ao resgate, propondo-lhe que apresentasse como seu programa nada mais do que o programa da troika — o que ele fez, aliviado por não ter de pensar mais no assunto. Vale a pena, aliás, lembrar, que o amaldiçoado José Sócrates, foi o único que se opôs sempre ao resgate, dizendo e repetindo que ele nos imporia condições de uma dureza extrema e um preço incomportável a pagar. Esta maioria, há que reconhecê-lo, conseguiu o seu maior ou único sucesso em convencer o país que o culpado de tudo o que de mal nos estava a acontecer foi Sócrates — o culpado de vinte anos sucessivos de défice das contas públicas, o culpado da ordem vinda de Bruxelas em 2009 para gastar e gastar contra a recessão (que, curiosamente, só não foi cumprida pela Alemanha, que era quem dava a ordem), e também o culpado pela vinda da troika. Mas, tanto o PSD como o CDS, sabiam muito bem que, chumbado o PEC 4, o país ficava sem tesouraria e não restava outro caminho que não o de pedir o resgate. Sabiam-no, mas o apelo do poder foi mais forte do que tudo, mesmo que, benevolamente, queiramos acreditar que não mediram as consequências.
E também o sabia o PCP e a CGTP, que, como manda a história, não resistiram à tentação do quanto pior, melhor. E sabiam-no Francisco Louçã e o Bloco de Esquerda, que, por razões que um psicanalista talvez explique melhor do que eu, se juntaram também à mais amoral das coligações direita/extrema-esquerda, com o fim imediato e mais do que previsível de obrigar o país ao resgate e colocar a direita e os liberais de aviário no poder, para fazer de nós o terreno de experimentação económica e desforra social a que temos assistido.
 

UM GRANDE PORTUGUÊS, segundo Cavaco Silva !!!



A biografia do Major Valentim dos Santos de Loureiro (Nasce em Calde, a 24 de Dezembro de 1938), empresário, político e dirigente desportivo português.
Frequentou o curso de Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, sem o terminar. Juntou-se ao exército sobre o regime Salazarista,
tendo completado o curso da Academia Militar na especialidade de Manutenção Militar

Já na Academia era conhecido pelas suas habilidades !
Anos depois, já capitão, foi julgado e condenado em tribunal militar por andar a roubar no preço das batatas que comprava para o exército em Angola.
Foi também condenado por roubar as rações do exército para lucro próprio (ficando
posteriormente conhecido por muitos como o "Capitão Batata").
Isto porque estava no aprovisionamento militar e desviava géneros e bens alimentares para vender para fora.
Foi expulso, com desonra, do exército.
Depois do 25 de Abril, e sem qualquer pedaço de vergonha, muito típica nele, pede a readmissão invocando que tinha sido expulso por motivos políticos, pedindo igualmente a promoção a major, cargo que ocupavam os seus colegas da Academia!

Desdobra-se em contactos com os movimentos de libertação das colónias que parece conhecia bem e com o Conselho da Revolução !
Por esse motivo, o oficial que apreciou o seu recurso e pedido de readmissão, com relutância aceita o pedido, mas impõe como condição para a promoção a major, se passar
imediatamente à reserva, em virtude da vergonha de todo o seu processo, quenunca teve nada de político, mas sim de expulsão vergonhosa. `
É promovido e sai logo o que não era normal aos militares de carreira !
Por esse motivo é que hoje não está reformado como general ou no mínimo coronel !
O seu processo militar, misteriosamente desapareceu !
Ninguém, ou talvez não, sabe para onde foi
Desviou, alegadamente, 40.000 contos do BCP com uma transação com um cheque em dólares
americanos sobre um banco que não existia.
Como cônsul "honorário" da Guiné-Bissau usou esse título para, alegadamente, falsificar certidões de nascimento de jogadores e potenciais jogadores de futebol, que comprou e vendeu numa tipologia de negócio pouco digna.
O semanário Expresso passa-lhe uma rasteira, a ele e ao filho (filho de peixe) e consegue que ambos lhe concedam uma entrevista, que eles esperam lhes seja favorável aos seus interesses políticos e não só !
A jornalista, já não me recordo bem se uma se um, pespega no jornal toda a vida do homem, numa página inteira do semanário, desde os tempos de liceu, ouvindo vários dos antigos e actuais colegas !
O major e o filho dizem que tudo o que foi publicado não passa de um chorrilho de mentiras (o usual em tais casos) e que vai processar de imediato o jornal e a jornalista !
Não tenho conhecimento de nenhum processo de então ou que posteriormente tivesse entrado em qualquer tribunal.
"Distinguiu-se" como dirigente desportivo, tendo sido presidente do Boavista F.C. entre 1972 e 1995 e presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) até Agosto de 2006. Actualmente (2008), é presidente da Assembleia Geral da mesma instituição.
Na política, foi militante do Partido Social-Democrata, tendo sido presidente da Comissão Política Distrital do PSD/Porto.

Assumiu um papel activo quando em 1993 aceitou ser candidato à Presidência da Câmara Municipal de Gondomar, vencendo as eleições desse ano, e as de 1997 e 2001.

Após ser desfiliado do PSD por ser acusado de práticas ilícitas enquanto autarca, venceu novamente as eleições de 2005, com a lista independente «Gondomar no Coração», que alcançou 57,5% dos votos (como dizia Brito Camacho (?) os ricos ao poder, são ricos roubam menos)
Ficaram célebres as campanhas que organizou, pela oferta de electrodomésticos em troca de votos.
Foi ainda Presidente da Junta Metropolitana do Porto, entre 2001 e 2005 e
Presidente do Conselho de Administração da Empresa Metro do Porto, S.A. (administração

cheia de dívidas).
Enquanto presidente da Câmara de Gondomar, comprou por um milhão de euros, um terreno agrícola que, pela sua localização indiciava uma mais valia, inclusivamente, a sua conversão em terreno urbano, que passado pouco tempo e no exercício daquelas funções, vendeu à Administração da Empresa Metro do Porto, SA, de capital maioritariamente do Estado, por cinco milhões de euros. Quem ficou com os quatro milhões do lucro? Nada se investiga e este pobre e manso povo é que paga. Sim, porque é na teta do Estado (todos nós) que mamam os que estão sempre contra o Estado!!! Importa referir que a administração desta empresa era constituída por gente do PSD, da mesma família política de Valentim Loureiro.
Em Julho de 2008 foi sentenciado a 3 anos de prisão com pena suspensa, no âmbito do processo judicial conhecido como Apito Dourado.


Foi recentemente condecorado com a Grã Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, por Cavaco Silva, por motivos referentes aos seus "serviços relevantes a Portugal, no país e no estrangeiro, pelos serviços de expansão da cultura portuguesa, sua história e seus valores".

Um gesto inaceitável, tendo em conta o historial negro do indivíduo.
Pelos Portugueses é considerado uma Vergonha Nacional, mas infelizmente pela classe política é um herói em virtude de pertencer à corja de políticos que temos.

Isto nada abona a favor do nosso país e mostra que somos um povo masoquista, passivo, castrado pela ditadura do capitalismo e desinformação veiculada pela comunicação social ao seu serviço, que nada faz para o seu próprio bem futuro.

Na minha terra, diz-se que que "quem não se sente não é filho de boa gente".

A espoliação dos pequenos accionistas do BES


 



A transformação do Estado em prestador de último recurso que tem de pagar os desmandos dos banqueiros
Carlos Costa,


por Eugénio Rosa [*]Carlos Costa, antigo director do BCP no tempo de Jardim Gonçalves, e agora governador do Banco de Portugal, acabou de tirar da cartola a"solução milagrosa " para o caso BES apresentando como aquela que garante os depósitos aos clientes, assegura a continuidade do negócio,e evita que o Estado "meta um centavo"no BES. O governo e os seus defensores nos media, a começar por Marques Mendes e Rebelo de Sousa, numa gigantesca operação de manipulação da opinião pública repetem até à exaustão o mesmo – talvez convencidos que uma mentira repetida muitas vezes transforma-se numa verdade. Por isso interessa analisar com a objectividade e com os dados disponíveis, que ainda são poucos, esta questão até porque ela preocupa os portugueses, e também porque já ouvimos muitas vezes a mesma cantiga que depois se transforma num pesadelo para os contribuintes.

A INCOMPETÊNCIA DA CMVM E DO BANCO DE PORTUGAL QUE VAI SAIR CARA AOS PEQUENOS ACcIONISTAS E CERTAMENTE TAMBÉM AOS CONTRIBUINTES

Foi confrangedor ouvir Carlos Costa dizer que tinha sido enganado por Salgado Espírito Santo para explicar os prejuízos de 3.500 milhões de euros do BES no 1º semestre de 2014 e que tinha mentido quando, há uma semana, repetia que a situação do BES era sólida já que o banco " detém um montante de capital suficiente para acomodar eventuais impactos negativos decorrentes da exposição assumida perante o ramo não financeiro do Grupo Espírito Santo (GES) sem pôr em causa o cumprimento dos rácios mínimos em vigor", mesmo na Assembleia da República. E para se desculpar afirmou que os actos de má gestão que determinaram os prejuízos gigantescos registaram-se nos últimos dias, quando é evidente que isso não é verdade, pois nos últimos dias, com as chamadas "cartas de conforto", apenas foram confirmados actos de má gestão ou de gestão danosa realizados no passado.

E tudo isto é mais grave quando em Junho deste ano o BES fez um aumento de capital de 1.045 milhões €, com a autorização da CMVM e do Banco de Portugal que desta forma confirmaram que a informação que o banco deu ao "mercado" era verdadeira. Tal como afirmou Carlos Tavares, presidente da CMVM, na Assembleia da República referindo-se aos gestores da Portugal Telecom em relação à aplicação de 900 milhões € no GES, não basta dizer que não sabiam, " porque se não sabiam, deviam saber ". E isto aplica-se à CMVM e ao Banco de Portugal, pois se Carlos Tavares e Carlos Costa não sabiam, deviam saber pois é para isso que são bem pagos. Pode-se estar aqui perante um crime de mercado, e aqueles que subscreveram as ações poderão agora vir dizer que foram enganados pelos supervisores e exigir indemnizações. E será o Estado, ou melhor, os contribuintes que as terão de pagar.

Mas não é só a esta nível que a "solução milagrosa" engendrada pelo governo e pelo BdP poderá ser contestada. O capital do BES estava representado por 5.624.961.683 ações, estando 9,8%, ou seja, 551.246.245 ações detidas por empresas e particulares, muitos destes últimos pequenos accionistas, que investiram as suas poupanças em acções do BES confiantes não só no banco mas nas garantias dadas pelos supervisores de que as contas divulgadas pelo BES eram verdadeiras e podiam-se confiar nelas. Estes pequenos accionistas, cujo número se desconhece, mas que devem ser muitos milhares, sentem-se agora defraudados e enganados, tendo perdido todas as suas poupanças. O Banco de Portugal, no lugar de ir ao património pessoal dos administradores do BES e do GES e de todos aqueles que enganaram os portugueses e cometeram actos danosos, preferiu meter no mesmo saco responsáveis e não responsáveis e obrigar todos a pagar a factura. É previsível que muitos reajam. Portanto, vai-se certamente assistir a cenas públicas muito semelhantes às que se verificaram em outros bancos (BPP, BPN), agora com a diferença que os balcões do chamado "novo banco" serem os mesmos do BES o que não deixará de se reflectir no risco repuctacional do "novo banco" reduzindo o seu valor e aumentando os prejuízos prováveis do Estado.

A MENTIRA DE QUE NÃO SERÃO UTILIZADOS FUNDOS PÚBLICOS DOS CONTRIBUINTES

A "solução milagrosa" assenta numa grande mentira: que o Estado, ou seja, os contribuintes, não terão de "meter um centavo ". O "novo banco" vai ser recapitalizado em 4.900 milhões € pelo "Fundo de resolução", cuja administração é nomeada pelo Banco de Portugal e pelo Ministério das Finanças, que não tem dinheiro (no fim de 2013 tinha apenas 185 milhões €, a maioria receita de impostos), por isso o Ministério das Finanças vai fazer um empréstimo, utilizando o dinheiro da "troika", que terá de ser pago pelos contribuintes portugueses incluindo juros. O Estado será reembolsado do empréstimo quando o "novo banco" for vendido a privados e, se o preço for inferior ao empréstimo, o Estado paga à "troika" e depois irá receber na medida em que os bancos paguem as suas quotas ao Fundo de resolução. É um"grande negócio para o Estado" que cheira muito a BPN. Mas as eventuais consequências para o Estado, ou seja, para os contribuintes desta "solução milagrosa" não ficam por aqui. E isto porque a solução engendrada pelo BdP e pelo governo faz lembrar aqueles empresários que, para fugir ao fisco ou à justiça, transferem os seus bens (os activos bons) para uma 3ª pessoa de confiança ficando na sua posse apenas as dividas (os activos tóxicos) pensando, que desta forma, se desresponsabilizam em relação à sua gestão danosa e não têm de pagar as dividas. No quadro 1 está a situação do BES em 30/06/2014.

Quadro 1- Balanço sintético consolidado do BES em 30/06/2014


ATIVO (o que possui e tem a haver)
Milhões €
PASSIVO (o que deve)
Milhões €
Caixa e bancos
1.962,9 
BCE (empréstimos obtidos)
8.613,7 
Aplicações financeiras
24.780,5 
Outros empréstimos
24.354,5 
Crédito a clientes
45.886,9 
Recursos de clientes (depósitos) 
36.685,2 
Outros ativos
7.586,0 
Provisões 
3.357,1 
    Passivos subordinados
977,7 
    Outros passivos (dívidas)
1.984,2 
    TOTAL DO PASSIVO
75.972,4 
    CAPITAIS PRÓPRIOS (dos accionistas)
4.243,9 
TOTAL DO ATIVO
80.216,3 
PASSIVO+CAPITAIS PRÓPRIOS
80.216,3 
Os "Recursos de clientes ", constituídos fundamentalmente por depósitos no BES totalizavam, em 30/6/2014, 36.685,2 milhões € (compare-se este valor com os 1.490 milhões € existentes no Fundo de Garantia de Depósitos -- ver o nosso estudo 38-2014) . Quando se afirma que os depósitos vão ser transferidos para o "novo banco", isso não significa que vá ser transferida essa importância em dinheiro para o "novo banco", já que essa importância não existe em dinheiro pois encontra-se aplicada em crédito a clientes, em aplicações financeiras, incluindo em empresas do GES, e em outros activos. E são este tipo de cativos que garantem o reembolso dos depósitos dos clientes e outras dívidas (por ex. empréstimos do BCE).

A questão que se coloca é esta: Que activos e valor ficam no "BES velho"? Segundo o comunicado do Banco de Portugal ficarão no "BES velho" os "Activos problemáticos, que, no essencial, correspondem a responsabilidades de outras entidades do Grupo Espírito Santo e às participações no Banco Espírito Santo Angola, S.A., por cujas perdas respondem os accionistas e os credores subordinados do Banco Espírito Santo, SA". Segundo as contas do 1º semestre do BES esses activos são fundamentalmente as exposições a empresas do GES: Rio Forte e subsidiárias (270,8M€); ESFG e subsidiárias (927,6M€); Diversos (373,4M€; Tranquilidade e subsidiárias (226,1M€); dividas de entidades do GES subscrita por clientes do GES nos balcões do BES (3.107M€); BESA-Angola (3.879,8M€), o que soma 8.784,8 milhões €. Nas contas do 1º sem.2014, as provisões do BES foram reforçadas em 1.669,9 milhões €, o que fez aumentar brutalmente os prejuízos determinando que Capitais Próprios pertencentes aos accionistas se reduzissem, entre o 1º Trim.2014 e o 2º Trim.2014, em 2.773,37 milhões €,passando de 7.017,28M€ para 4.243,9M€. No "BES velho" ficarão os activos tóxicos referidos anteriormente e o Capital Próprio dos accionistas ainda existente (4.243,9M€) mais os "Passivos subordinados" (977,7 M€), pois são estes que terão de suportar os prejuízos que resultarão dos activos tóxicos, já que a maioria se transformarão em perdas. No entanto, esta "solução" levanta questões que certamente vão dar origem a uma prolongada batalha nos tribunais que poderá terminar com decisões que se traduzirão em muitas centenas de milhões € que o Estado, ou seja, os contribuintes terão de pagar. Para concluir isso basta recordar que os principais accionistas, que mais perdem não é apenas família Espirito Santo, empresas portuguesas (PT e outras), e pequenos accionistas mas também grandes grupos económicos estrangeiros – Crédit Agricole (França), Banco Bradesco (Brasl), CRM (EUA), BlackRock (EUA) – que certamente se sentirão espoliados com a "solução milagrosa" do BdP de transferir o que é bom para o "novo banco" e deixar o que é mau no "BES velho", e não ficarão passivos e vão procurar sacar do Estado. Para utilizar um dito popular " a procissão apenas vai no adro" e o Estado (os contribuintes), foi assim transformado em "prestador de último recurso " a quem caberá pagar a factura final que poderá ser muito pesada causada pela incúria e incompetência quer das entidades de supervisão quer do governo.

04/Agosto/2014

BES SEGUE PRA BINGO



Por Clara Ferreira Alves

Não escrevi até este momento uma linha sobre o BES porque nunca acreditei numa palavra do que foi dito sobre a excelência da regulação, a inexistente necessidade de recorrer ao dinheiro dos contribuintes, a garantia do benzido nome de Vítor Bento como solução de estabilidade, a tremenda almofada financeira, etc., etc., etc.
Também nunca me soou bem a frase de Passos Coelho sobre os “privados “ serem obrigados a resolver os seus problemas sem intervenção política e muito menos de dinheiro público. Alinhei nesta demagogia durante cinco segundos e arrependi-me logo. Cheguei a elogiar Passos Coelho pelo modo como resolvera a crise. Sou uma imbecil.

O porta-voz Marques Mendes, fervendo de indignação contra a “anterior administração”, veio dizer que os acionistas perdiam tudo e que Ricardo Salgado e a “administração”, whatever that means, tinham desfeito 1500 milhões em dias. Estamos conversados quanto à excelência da regulação.
Se bem me recordo, essa administração era para ser mantida em funções durante mais um mês. A avaliar por estes cálculos, estoiravam mais 15 mil milhões. Enquanto a justiça ponderava deter ou não a sua ex-“testemunha” Salgado e impedi-lo de destruir caixas marcadas com papéis “para destruir”, Salgado ia destruindo o BES, soubemos pelos jornais.
Sozinho, parece. Sem dar cavaco, salvo seja. E, claro, foi-nos dito todos os dias, por reputados especialistas e a “nova gestão”, que o BES nada tinha a ver com o GES e que o BES estava bem e o GES estava mal e que o BES era sólido e tinha rácios de capital a dar com um pau.

De repente, estes reputados berraram pela recapitalização imediata do banco, tão imediata que tinha de ser feita no primeiro fim de semana das férias, pela calada da noite. Não aguentava mais 24 horas sem tratamento da tal infeção que não existia. Nem febre o BES tinha. Costa era um génio. Bento um crânio. Coelho um herói. Os três estarolas. A “solução” rebentou pela voz do porta-voz Mendes. Estranho método para anunciar publicamente a nacionalização do BES e a necessidade (através de uma vigarice a que chamam na Europa engenharia financeira) de sacar aos contribuintes e defraudar os pequenos acionistas e aforradores que confiaram no “regulador” e avulsos. Olha, diz ao Marques Mendes para lançar a bisca! E, estranhamente, a primeira pessoa que denunciou a vigarice foi Santana Lopes, que topou o esquema de alto a baixo.

Como o Governo não quis usar a palavra nacionalização e tem medo dos riscos eleitorais e do rombo no défice, usou a nacionalização que não é nacionalização.
O Governo é perito em esquemas. Um tal de Fundo de Resolução, cuja parca existência desconhecíamos, ia salvar “o BES que não tinha nada a ver com o GES”. O problema é que o buraco do banco cheio de rácio era de 4,9 mil milhões. Como diria o saudoso Barroso europeu, “uma pipa de massa”. E como o dito Fundo, uma espécie de saco azul dos bancos e da sua incomensurável solidez, só tinha 182 milhões, eles põem mais uns cobres simbólicos e nós entramos com a pipa de massa através do Fundo de Recapitalização da troika, dinheiro público.
Parece que o belíssimo BES de anteontem vai ser dividido em BES bom, Novo Banco (marca registada do BCP?) e BES mau. O bom é o que o Fundo injeta a massa pública emprestada ao Fundo. Leitor, faça as contas. Até ser vendido, dando de barato que será vendido, o BES bom paga juros deste empréstimo, mas como o BES bom não tem cheta é o Fundo-acionista-único-controlado-pela-banca que paga juros ao Fundo, topam? E os juros não são os dos CoCos, não dão lucro ao Estado.
Depois, o BES bom é vendido e quem comprar devolve a massa ao Fundo e “se tudo correr bem” e formos muito felizes,aos contribuintes.
Ora como o Fundo de Resolução é participado e controlado por todos os bancos do sistema, é um sindicato de bancos que ganha.
Qual a garantia que o BES vai pagar?
Nós. Porque os bancos não vão adiantar a cheta sem garantia pública. Como o Estado não participa na gestão do Fundo, que se torna privado com dinheiro público, perde controlo.
Nada correu ou vai correr bem nesta história opaca que gera a maior e mais arriscada concentração de poder financeiro de que há memória. Só corre bem para os advogados dos processos. E para a Europa, muito afeiçoada a cobaias lusas.

No BES mau ficam os tóxicos. E ficam apeados os acionistas, incluindo os pequenos e médios acionistas que nunca puseram os pés numa AG e só viram o dr. Salgado dono disto tudo e os drs. Costa e Bento e Coelho génios disto tudo, na televisão. Investiram em ações de um banco “sólido,” garantiram-lhes. Foram aconselhados a aumentar o capital do banco. Eu não tenho ações do BES, e considero que isto é um rombo na confiança no sistema financeiro e um roubo.

NOTA: ESTA CRÓNICA FOI ESCRITA NA SEGUNDA-FEIRA. ATÉ SÁBADO…
Jornal Expresso 2180, 9 de Agosto de 2014

Videos que corroboram o texto em cima
excelência da regulação
Vítor Bento
porta-voz Mendes, fervendo de indignação
tinham desfeito 1500 milhões em dias.


DAQUI A POUCOS ANOS ESTAREMOS A VER POR ONDE ANDAM OS MILHÕES QUE ESTAMOS A PAGAR NO BES, TAL COMO NO BPN...