segunda-feira, 29 de junho de 2015

Krugman sobre o referendo na Grécia: eu votaria ‘não’

29 Junho 2015, 11:42 por Inês F. Alves

Concorda que devemos assinar a proposta das instituições? Não. Esta seria a resposta de Paul Krugman à pergunta que será colocada aos gregos no referendo que se deverá realizar no próximo dia 5 de Julho.

Paul Krugman, prémio Nobel da economia e colunista do The New York Times, disse num artigo de opinião, publicado no domingo, 28 de Junho, que votaria "não" à pergunta "concorda que devemos assinar a proposta das instituições", que será colocada aos gregos no referendo previsto para 5 de Julho.

O economista começa por justificar a sua posição com a política de austeridade que os credores querem impor à Grécia, e que, segundo Krugman, deve ser revista. "Apesar da perspectiva de sair do euro assuste toda a gente – eu incluído – a troika está a exigir que a política seguida nos últimos cinco anos seja prosseguida indefinidamente. Onde está a esperança nisso? Talvez, apenas talvez, a vontade de sair promova uma reavaliação, ainda que não acredite", escreve Krugman, salientando que perante uma saída do euro "a desvalorização não pode criar muito mais caos do que aquele que agora existe, e iria cimentar o caminho para uma eventual recuperação, como aconteceu em muitas outras ocasiões no passado e em diferentes países. A Grécia não é assim tão diferente".

Paul Krugman acredita que responder "sim" no referendo "coloca problemas profundos" e acusa a troika de ter feito a Tsipras "uma proposta que ele não pode aceitar", com o objectivo de "substituir o Governo grego". "E ainda que não se goste do Syriza, isso é chocante para qualquer um que acredite nos ideais europeus", conclui Krugman no seu artigo de opinião.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Liga dos campeões dos sarilhos jurídicos



RICARDO ARAÚJO PEREIRA

Precisa-se: arguido


Depois do encarceramento de um Sócrates, não sei se Portugal aguentaria a prisão de um Marco António. Uma coisa é sermos um país de gente corrupta, outra coisa é sermos uma revista à portuguesa passada na antiguidade clássica


Marco António Costa, vice-presidente do PSD, está a ser investigado pelo Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto. Espero, sinceramente, que seja inocente. Depois do encarceramento de um Sócrates, não sei se Portugal aguentaria a prisão de um Marco António. Uma coisa é sermos um país de gente corrupta, outra coisa é sermos uma revista à portuguesa passada na antiguidade clássica. A ignomínia aguenta-se melhor que o ridículo. Por sorte não existem, na política portuguesa, Anaximandros nem Dioclecianos, pelo que, em princípio, bastará manter Marco António fora da cadeia para evitar um enxovalho embaraçoso.

Admito que faz falta um bom arguido do PSD para equilibrar as contas com o PS. Os socialistas têm Armando Vara, um ex-ministro, a aguardar recurso de uma condenação a cinco anos de prisão; os sociais-democratas têm Duarte Lima, um antigo presidente do grupo parlamentar, a aguardar recurso de uma condenação a 10 anos de prisão. Fica quase ela por ela. Mas agora os socialistas têm um ex-primeiro--ministro preso, a aguardar acusação, e os sociais-democratas têm todas as suas grandes figuras em liberdade - o que se lamenta e estranha. Não contabilizo aqui, até por razões de espaço, outros dirigentes políticos, de ambos os partidos, sobre os quais recaem suspeitas de crimes de vários tipos. Desejo dedicar-me apenas à Liga dos Campeões dos sarilhos jurídicos, onde o PS se encontra em vantagem, com dois elementos proeminentes contra apenas um do PSD. Esta questão é muito importante porque, não havendo equilíbrio no número de potenciais trafulhas, a campanha eleitoral irá centrar-se no problema acessório de saber qual dos partidos tem mais bandidos, em lugar de servir para discutir vários outros problemas acessórios. Tendo apenas um tema acessório para debater, os partidos correm o risco de ficar sem assunto antes do fim da campanha, e podem ver-se forçados a debater as questões essenciais, embora ninguém saiba exactamente quais são. Mas, nestas coisas, é melhor não arriscar.

Se o filho de uma pessoa for preso por homicídio, o seu vizinho passa a poder gabar o seu próprio filho, que apenas furta auto-rádios. A detenção de José Sócrates teve um impacto tão grande na vida política que Passos Coelho sentiu que até podia elogiar Dias Loureiro numa queijaria. ?Ou se encarcera um alto dignitário do PSD depressa, ou nos arriscamos a ver Valentim Loureiro receber um doutoramento honoris causa.

O velho e bom hábito de escrever à mão


RICARDO GARCIA  08/06/2015 - 09:33

Tenho cãibras nas mãos e o esforço é inconsequente

Isto não vai ser fácil, eu sei. Vocês não imaginam quantas vezes já comecei e apaguei estas linhas. A caneta treme e a minha caligrafia, que é péssima, está pior. Estou a escrever à mão, num autocarro.

Vou a caminho do aeroporto, contribuir para o aquecimento global. Decidi não levar o computador nesta viagem. Não vou precisar dele.

E é uma bênção não o ter na bagagem. Há uns anos, era o mais portátil do mercado. Agora, é um trambolho anacrónico. Cada vez que o ponho na mala de mão, doe-me antecipadamente a ala direita do lombo. A simples renúncia a carregá-lo equivale a cinco horas de ioga.

Redigir à mão é que é o cabo dos trabalhos. O autocarro pára e arranca, é impossível manter a escrita direita, como nos impingiram na primária. Aí vem uma rotunda. Não dá, a caneta escorrega para o lado errado. O arroz de peixe também. Estou um bocado agoniado.

Cheguei na hora, mas meu voo foi cancelado. Fui ao balcão 10 da zona E, passei pelo raio-X e dirigi-me ao guichê P, o dos problemas, junto da porta A10. Estou numa lista de espera. “Volte daqui a uns 20 minutos”.

O aeroporto fervilha de expectantes. A aviação nunca vai ser verde, por mais campanhas de relações públicas que se façam.

Se vissem os rabiscos e rasuras nesta folha de caderno, teriam uma noção da dificuldade em que se transformou escrever do próprio punho. Os músculos já não respondem. A lembrança da última carta que compus à mão está soterrada por outras camadas de memória.

A tecnologia prevaleceu sobre o organismo. Uni-me umbilicalmente à minha Olivetti Lettera 32 desde que a ganhei de presente, no Natal de 1975. Com ela pratiquei anos de halterofilismo digital, tonificando os dedos nas suas teclas. Depois vieram as IBM eléctricas, com as letras ao redor de uma epiléptica esfera. E finalmente os computadores e os seus sucedâneos.

Estou à frente de um hambúrguer e uma dose industrial de batatas fritas. Tenho de comer, só há voo daqui a quatro horas. A caligrafia piorou, agravada pela maionese que transitou da sandes para o papel. Certamente há melhores formas de se combinar comida e literatura.

Há muita gente sozinha no restaurante. Mas ninguém lê nada, a não ser o menu. As caras estão coladas nos smartphones ou tablets. E eu a rabiscar no meu caderno, um lunático com certeza.

Que barafunda nestas folhas. Não vou mesmo conseguir ler isso. Acontece com alguma frequência. Uma caneta, um bloco e a capacidade de perguntar “por quê” são os instrumentos básicos de um jornalista. Às vezes, porém, tenho de telefonar aos entrevistados para confirmar: “Desculpe estar a chateá-lo, mas quis dizer ‘concatenações mentais’ ou ‘contra-ordenações ambientais’?”

Acabo de enviar um sms a um amigo que está à minha espera do outro lado da viagem. Mencionei que estava a tentar escrever uma crónica à mão. “Dizem que desenhar as letras ajuda a formar caminhos entre os neurónios”, respondeu ele. Se assim é, vai uma grande confusão na minha cabeça.

Já preenchi cinco páginas. Uma fatia de uma árvore, mas nenhuma electricidade. Preciso parar. Tenho cãibras nas mãos e o esforço é inconsequente. O “a” e o “z” já são uma coisa só. Sinto saudades do computador.

Aqui está um, do próprio aeroporto. Tenho 20 minutos grátis de Internet. Na verdade não preciso, mas eis-me a ver emails. Acabo de tentar ler também as notícias. Fui ao site do Público, mas surgiu a imagem de um bulldog a toda a largura do ecrã. A net foi abaixo. Incompatibilizou-se com o meu próprio jornal. E ainda tenho três horas e meia de espera. Da próxima vez vou trazer a edição em papel.

domingo, 7 de junho de 2015

Brilhante artigo na folha de São Paulo sobre "O Acordo".

Naufragar é preciso?’

Texto de João Pereira Coutinho (escritor português)

TEXTO PUBLICADO NA FOLHA DE SÃO PAULO DESTA TERÇA-FEIRA
Começa a ser penoso para mim ler a imprensa portuguesa. Não falo da qualidade dos textos. Falo da ortografia deles. Que português é esse?
Quem tomou de assalto a língua portuguesa (de Portugal) e a transformou numa versão abastardada da língua portuguesa (do Brasil)?
A sensação que tenho é que estive em coma profundo durante meses, ou anos. E, quando acordei, habitava já um planeta novo, onde as regras ortográficas que aprendi na escola foram destroçadas por vândalos extraterrestres que decidiram unilateralmente como devem escrever os portugueses.
Eis o Acordo Ortográfico, plenamente em vigor. Não aderi a ele: NestaFolha, entendo que a ortografia deve obedecer aos critérios do Brasil.
Sou um convidado da casa e nenhum convidado começa a dar ordens aos seus anfitriões sobre o lugar das pratas e a moldura dos quadros.
Questão de educação.
Em Portugal é outra história. E não deixa de ser hilariante a quantidade de articulistas que, no final dos seus textos, fazem uma declaração de princípios: “Por decisão do autor, o texto está escrito de acordo com a antiga ortografia”.
A esquizofrenia é total, e os jornais são hoje mantas de retalhos. Hánotícias, entrevistas ou reportagens escritas de acordo com as novasregras. As crônicas e os textos de opinião, na sua maioria, seguem as regras antigas. E depois existem zonas cinzentas, onde já ninguém sabe como escrever e mistura tudo: a nova ortografia com a velha e até, em certos casos, uma ortografia imaginária.
A intenção dos pais do Acordo Ortográfico era unificar a língua.
Resultado: é o desacordo total com todo mundo a disparar para todos os lados. Como foi isso possível?
Foi possível por uma mistura de arrogância e analfabetismo. O AcordoOrtográfico começa como um típico produto da mentalidade racionalista, que sempre acreditou no poder de um decreto para alterar uma experiência histórica particular.
Acontece que a língua não se muda por decreto; ela é a decorrência deuma evolução cultural que confere aos seus falantes uma identidadeprópria e, mais importante, reconhecível para terceiros.
Respeito a grafia brasileira e a forma como o Brasil apagou asconsoantes mudas de certas palavras (“ação”, “ótimo” etc.). E respeitoporque gosto de as ler assim: quando encontro essas palavras, sinto oprazer cosmopolita de saber que a língua portuguesa navegou peloAtlântico até chegar ao outro lado do mundo, onde vestiu bermuda e seapaixonou pela garota de Ipanema.
Não respeito quem me obriga a apagar essas consoantes porque acredita que a ortografia deve ser uma mera transcrição fonética. Isso não é apenas teoricamente discutível; é, sobretudo, uma aberração prática.
Tal como escrevi várias vezes, citando o poeta português Vasco GraçaMoura, que tem estudado atentamente o problema, as consoantes mudas, para os portugueses, são uma pegada etimológica importante. Mas elas transportam também informação fonética, abrindo as vogais que as antecedem. O “c” de “acção” e o “p” de “óptimo” sinalizam uma correta pronúncia.
A unidade da língua não se faz por imposição de acordos ortográficos;faz-se, como muito bem perceberam os hispânicos e os anglo-saxônicos, pela partilha da sua diversidade. E a melhor forma de partilhar uma língua passa pela sua literatura.
Não conheço nenhum brasileiro alfabetizado que sinta “desconforto” ao ler Fernando Pessoa na ortografia portuguesa. E também não conheço nenhum português alfabetizado que sinta “desconforto” ao ler Nelson Rodrigues na ortografia brasileira.
Infelizmente, conheço vários brasileiros e vários portuguesesalfabetizados que sentem “desconforto” por não poderem comprar, em São Paulo ou em Lisboa, as edições correntes da literatura dos dois países a preços civilizados.
Aliás, se dúvidas houvesse sobre a falta de inteligência estratégica que persiste dos dois lados do Atlântico, onde não existe um mercadolivreiro comum, bastaria citar o encerramento anunciado da livraria Camões, no Rio, que durante anos vendeu livros portugueses a leitoresbrasileiros.
De que servem acordos ortográficos delirantes e autoritários quando alíngua naufraga sempre no meio do oceano?