sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

O homem de quem se não gosta

Por Baptista Bastos
Jornal de Negócio  19 Fevereiro 2016

Serviu quem muito bem entendeu, e nunca foi o Presidente de todos os portugueses. 

Pelo contrário: fraccionou a sociedade portuguesa

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Entrevistados pelas televisões, dois representantes de associações militares disseram, alto e bom som, que não reconheciam o dr. Cavaco como supremo comandante das Forças Armadas. E aduziram um aluvião de razões para justificar a abominação. Não deixa saudades, acrescentaram. O desprezo pelo homem que vai embora, não tarda, é transversal à sociedade portuguesa. Nas artes, nos ofícios, nos serviços, nunca um Presidente da República foi tão condenado. E a culpa é dele próprio: tolamente arrogante, autoritário, ignorante e inculto, desajeitado e impositivo, ele representa o que de pior o português em si encerra. Acresce que nos longos anos que esteve no poder, como primeiro-ministro e, depois, Presidente, cometeu tolices, injúrias e disparates, fruto dessa soberba e dessa ignorância que deram azo a histórias e anedotas devastadoras. Quando falava, nada dizia para um povo já informado, atento e sarcástico.

A separação a que procedeu, entre os portugueses, foi-lhe fatal, desde o princípio. Ficou famosa a frase "Deixem-nos trabalhar!", e a foto dele e dos seus colaboradores, em mangas de camisa, muito atarefados e zelosos. Era primeiro-ministro e logo nos apercebemos de que, do país e de quem cá vive, ele pouco entendia. No entanto, possuía uma imagem de gravidade até às orelhas, um penteado à Cary Grant e umas camisas muito brunidas; tudo isso contava, numa terra onde o respeitinho é muito bonito.

Agradou logo àqueles que, moldados pelo salazarismo, constituíam a zona mais cinzenta e reaccionária de entre nós. Portugal ainda vivia nas sombras de um passado nefasto e entre os medos uma revolução interrompida. A Igreja e os senhores da finança desempenharam, aqui, um papel crucial. A satisfação dessa parte da sociedade rejubilou, quando ele, numa atitude sórdida, premiou, com reformas opíparas, antigos agentes da PIDE, e recusou uma pensão de sangue à viúva de Salgueiro Maia, um dos impolutos capitães de Abril.

É preciso relembrar que este homem, tacanho por natureza e educação, nunca tomou a mais leve atitude contra o fascismo, é o produto típico de um prazo e de uma época ainda não dissolvidos por completo, e que demonstra extrema dificuldade em adaptar-se aos tempos outros. Pessoalmente, chego a ter compaixão por esta desgraça ambulante, que nunca sabe onde meter as mãos, que nunca está à vontade em nenhuma parte, e que parece não entender coisa alguma.

Mas não pode ficar isento de culpas. A natureza profunda das suas acções a comportamentos não se associa às características da democracia. A guerrilha estabelecida contra José Sócrates é um dos episódios mais desacreditantes do seu mandato; e a utilização do verbo "indicar", em vez do "indigitar", quando aludiu a António Costa, para primeiro-ministro, fornecem o retrato moral do indivíduo e a dificuldade ostentada para aceitar o inevitável.

O rol das indigências do dr. Cavaco é enorme e nada nele serve de exemplo positivo. Serviu quem muito bem entendeu, e nunca foi o Presidente de todos os portugueses. Pelo contrário: fraccionou a sociedade portuguesa, e não teve uma palavra de desagrado quando assistiu à debandada de jovens portugueses para o estrangeiro, resultado de uma política velhaca que ele apoia com desfaçatez.

Não deixa saudades, de facto. Adeus.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

"Somos um país de medrosos"


CARLOS VAZ MARQUES  21/02/2016 

É provavelmente o nome mais respeitado da psicanálise em Portugal. António Coimbra de Matos, 86 anos, dedicou grande parte da sua actividade ao estudo da depressão. Admite que estaremos provavelmente a viver um período de depressão colectiva. Deitámos o país no divã do psicanalista.

Entra-se no consultório e dá-se de caras com uma curva do Douro. A vista assombrosa de São Leonardo de Galafura transporta-nos para uma espécie de tempo mítico. Pendurada na parede em frente à porta, aquela fotografia é uma janela para as origens de Coimbra de Matos. Ao longo de duas horas de conversa, o psiquiatra e psicanalista, nascido em 1929, evoca por diversas vezes episódios da infância para ilustrar o que diz. Embora se tenha afastado da importância que a teoria psicanalítica clássica dá ao passado. António Coimbra de Matos é um ávido consumidor da ideia de futuro. A papelada que se amontoa na secretária a que nos sentamos, um de cada lado, revela o tipo de organização muito pessoal de quem privilegia a actividade à arrumação obsessiva. Fuma incessantemente e concede-se a si próprio o tempo necessário para responder a cada pergunta. Como se fosse a primeira vez que algumas das questões se lhe colocassem.

Pode-se falar em estados de depressão colectiva?
Pode. A depressão é uma coisa individual mas há situações em que aparecem mais casos depressivos. Em momentos de crise. Como agora.

Diria que estamos a passar por uma depressão colectiva?
Há uma maior incidência de depressões. Em certos momentos podemos falar de uma depressão colectiva. Isso foi muito evidente naquele caso muito falado da France Telecom.

Em que houve uma série de suicídios de trabalhadores da empresa.
Sim. Isso foi muito noticiado.

Há pouco tempo foram divulgados números que revelam um aumento dos casos de suicídio em Portugal.
Sim. Há um trabalho célebre, um trabalho seminal, em que o pai da Sociologia, o Durkheim, verificou que quando há guerras e revoluções a depressão e os suicídios diminuem porque as pessoas se revoltam. Quando as pessoas não se revoltam, é que se suicidam; quando se sujeitam, quando não têm condições para protestar com mais veemência.

Na sua definição, segundo li, o que distingue a depressão normal da depressão patológica é justamente a capacidade de revolta.
Sim.

Em Portugal, não somos lá muito bons nisso, na capacidade de revolta colectiva, pois não?
Não, somos um bocado passivos. Os espanhóis são muito mais agressivos, revoltam-se muito mais.

Sim, nas imagens das manifestações em Espanha ou na Grécia vemos um grau de revolta que não identificamos em Portugal.
Isso é verdade. Noto isso na área científica. Aqui em Portugal, vamos a um congresso e se dizemos: “Não estou nada de acordo com isso” dizem-nos logo: “Foste muito agressivo com aquele tipo”. Isso, num congresso internacional, é a coisa mais banal do mundo e ninguém leva a mal, nem diz que está a ser agredido.

Somos mais susceptíveis?
Sim. E mais delicados, mais medrosos. Somos um país de medrosos.

É a velha ideia dos brandos costumes?
Dos brandos costumes mas também da atitude do poder. O poder em Portugal sempre foi menos violento. Isso não facilita a revolta. O Salazar não matava, mandava prender. Franco matava mesmo e isso cria uma revolta maior.

Manifestação contra a presença da troika em Outubro de 2012 ENRIC VIVES-RUBIO

E considera isso mais negativo do que positivo?
Sim, há uma sujeição maior. Umas vezes é mais negativo, outras vezes mais positivo. A nossa colonização foi muito melhor do que a colonização de outros países, nomeadamente de Espanha.Fizemos uma colonização mais respeitadora, mais suave.

É capaz de haver gente nos estudos coloniais de cabelos em pé com essa ideia de que a colonização portuguesa terá sido branda; também houve grandes atrocidades.
Mas não foi tão agressiva como a dos espanhóis, pelo menos na América Latina.

Não tivemos um Cortés.
Os espanhóis liquidavam aqueles indivíduos. Nós escravizávamo-los e tal.

Vê uma continuidade de carácter ao longo dos séculos no povo português?
Repare na nossa luta contra os árabes, no princípio da nacionalidade: conseguimos conquistar território mais facilmente porque o Afonso Henriques e os outros não matavam os árabes. A maior parte dos alcaides foram feitos governadores civis. Já os espanhóis chegavam lá e liquidavam os alcaides: substituíam-nos logo e às vezes até os matavam. Nós fomos mais diplomatas.

Identifica nisso um traço de continuidade?
Sim. Percebi-o muito cedo, ainda na instrução primária. Fiz a instrução primária numa aldeia do Douro e ouvia dizer que o Afonso Henriques era um mata-mouros. Eu inventei uma outra designação: não era um mata-mouros, era um fode-mouras [risos]. Eles conquistavam as mouras e não precisavam de liquidar os mouros. Na maior parte das vezes aproveitaram a estrutura montada pelos árabes. Os espanhóis não fizeram isso e tiveram muito mais dificuldade em conquistar.

O facto de nos revoltarmos menos do que outros povos, significa que somos mais atreitos à depressão?
Não sei dizer ao certo mas haverá vários factores para isso. Um dos factores é a nossa história, a expansão, as descobertas, os pais que saíam. Os homens iam para a guerra, iam para as colónias, para os descobrimentos, e os filhos ficavam com as mães. Nas famílias em que o pai está ausente, isso cria uma menor agressividade, fica-se mais passivo. Há um trabalho interessante da Professora Celeste Malpique, do Porto, precisamente sobre o pai ausente. Fez esse estudo nas zonas de Ovar e de Aveiro, onde os homens iam para a pesca do bacalhau.




Na psicanálise estou mais interessado no futuro do que no passado. A psicanálise clássica está sempre muito ligada ao passado: o que aconteceu com a mãezinha, com o paizinho. Eu ando mais ligado àquilo que a pessoa projecta no presente e para o futuro.



Isso lembra-me uma frase sua a explicar a diferença entre os papéis do pai e da mãe: quando a criança tem medo, a mãe dá-lhe a mão...
...e o pai dá-lhe um pontapé no cu. O meu pai fez-me isso uma vez, tinha eu para aí uns dez, onze anos. Tinha montado um cavalo que lá havia e que era um bocado arisco. Estávamos no quintal da casa e o cavalo começa a empinar-se. Fiquei com medo e gritei pelo meu pai. Ele veio ter comigo e julguei que ia segurar-me o cavalo. Mas não. Pegou no chicote e dá duas porradas no animal. O cavalo largou-se, sai pelo portão da casa, pela estrada fora. Sei que perdi os estribos, agarrei-me ao selim, e ia a chamar ao meu pai filho da puta, cá por dentro [risos]. Mas nunca mais tive medo dos cavalos.

Essa distinção de papéis entre o pai e a mãe ainda é assim tão clara?
É. O homem, em relação à criança, tem uma atitude diferente da da mulher. O homem faz mais movimentos extensivos, para fora, periféricos, centrífugos. As mulheres fazem mais movimentos centrípetos. O homem pega no bebé e tem tendência para o pôr assim [demonstra, afastando os braços do corpo].

Há até pais que atiram a criança ao ar.
Sim. As mulheres raramente fazem isso. Isto induz a um tipo de relação diferente. Os homens falam de uma forma mais grave, as mulheres de maneira mais melódica.

Diria que essas características são inatas ou culturais?
São inatas. Isto faz-se em todas as culturas. Em algumas será mais forçado.

Como é que enquadra isso em realidades novas como a dos casais homossexuais com filhos?
É difícil responder. Os casais homossexuais não são patogénicos. Não há perigo nenhum na adopção por casais homossexuais. Agora, é uma situação com um risco um bocadinho maior.

A que nível?
Mais facilmente pode haver dificuldades adaptativas.

Por causa dos diferentes papéis que não estão preenchidos?
Sim. E não só. Os casais heterossexuais são mais harmónicos. Nos casais homossexuais há mais frequência de conflitos, de separações. São menos estáveis, de uma maneira geral.

Diz isso com base na sua experiência empírica ou em estudos publicados?
Há estudos sobre isso. E depois é a experiência que temos de clínica.

Tem detectado alterações a esse nível?
Ocorrem mudanças na medida em que isso existe, é aceite, é cultural. As coisas melhoram. Os casais homossexuais tornam-se mais harmónicos por causa da aceitação. Numa cultura em que a homossexualidade não é aceite os casais envergonham-se, escondem-se, são criticados, há reparos. Portanto reagem a isso. Se são aceites sentem-se integrados.

Voltando à ideia de depressão colectiva: sente-a no seu consultório?
Não sinto muito. A clínica do consultório é de classe alta. Nos hospitais vê-se mais, há mais depressões. Parece-me que será assim, mas não tenho estatística nenhuma que o comprove.

Com tanta coisa em transformação na sociedade, o que é que lhe parece mais comum a nível individual: o que permanece ou o que se altera?
Mais do que a mudança nos quadros clínicos ou nas coisas que aparecem, é a mudança em mim próprio. São as coisas novas que vou descobrindo ou que vou investigando.


De que tipo?
A minha técnica hoje é muito diferente do que era há 20 ou 30 anos.

O que é que mudou?
Muita coisa. Até as concepções teóricas. A inovação, a investigação são a base de todo o movimento. Se a pessoa se fixa naquilo que descobriu ou que aprendeu, às tantas está fossilizada.

É fácil ficar fossilizado nesta actividade?
Em todas as actividades é fácil. Na nossa talvez mais porque é mais complexa, e as pessoas aprendem sempre muita coisa e depois repetem aquilo que já sabiam. As pessoas dizem-me isso: “Não percebo, você agora vem com umas ideias completamente diferentes”. Não sou nenhum maluco, fui vendo umas coisas, algumas ideias que tinha e que não estavam muito certas e entretanto fui trilhando outros percursos.

Dê-me o exemplo de uma dessas alterações.
Por exemplo, aprendi, e durante muito tempo procedi assim, que os sonhos nocturnos eram uma coisa muito importante, que nos davam grandes indicações. Hoje a minha teoria é que os sonhos nocturnos pouco nos dizem porque são um trabalho de memória.

Portanto, a interpretação dos sonhos já não lhe interessa.
Não. É muito mais importante aquilo a que chamo o sonho-projecto, os devaneios diurnos que temos. Esses é que estão virados para o futuro. Diz-se muitas vezes que o homem é um animal de hábitos, mas não é verdade. O macaco é um animal de hábitos, o homem é um animal criador, está sempre a criar coisas novas. E por isso criou uma civilização. O ser humano é de tal modo criador – e eu sou ateu! – que até criou um deus. Deus é uma criação do homem. Na psicanálise estou mais interessado no futuro do que no passado. A psicanálise clássica está sempre muito ligada ao passado: o que aconteceu com a mãezinha, com o paizinho. Eu ando mais ligado àquilo que a pessoa projecta no presente e para o futuro.

No seu divã não lhe interessa aquilo que foram as vivências e as memórias recalcadas?
Isso também é importante. Costumo dizer aos meus alunos, na brincadeira, que os analistas clássicos me fazem lembrar um condutor de automóveis que vai sempre a olhar para o retrovisor; depois espeta-se no primeiro eucalipto. Não é isso que me interessa. Dá-se uma vista de olhos de vez em quando mas olha-se em frente, fundamentalmente.

Imagino que isso lhe valeu algumas antipatias ou mesmo inimizades dentro do meio da psicanálise.
Sim, sim. E críticas.

Porque é que há uma tão grande animosidade entre escolas terapêuticas?
Como é uma ciência mais difusa, com menos certezas, é mais fácil formar essas escolas e crenças. Religiões, quase; seitas. Mas a propósito disso, há uns anos recebi um prémio nos Estados Unidos, e um dos analistas de lá, com quem depois me correspondi bastante, mandou-me um mail: “Mas isso que você disse é uma mudança total de paradigma, não é?” “Pois é”, disse-lhe eu.

A que é que ele se referia?
Precisamente a isto de que estávamos a falar, porque na psicanálise clássica o paciente repete muito as coisas que aprendeu na infância. A minha teoria é que ele, ao longo da vida, vai aprendendo coisas novas e vai mudando. E isso é que é o importante.

Também reconstruímos e reinventamos o passado.
Sim, mas vivemos do futuro, não do passado. Infelizmente nem sempre é assim, mas é assim que deve ser. Veja na política portuguesa: foi o problema do Sócrates, e antes do Sócrates do Guterres... Noutro dia dizia a um amigo meu: naturalmente, a culpa foi do Afonso Henriques, que conquistou isto aos mouros em vez de ir para a Galiza.

Andamos a olhar demasiado para o espelho retrovisor?
Andamos. De uma maneira geral, nos países europeus. Há um estudo que já tem uns 30 anos, de psicólogos e psicanalistas americanos, que se limitaram a investigar a década de 70. Foram buscar 400 artigos que vêm de duas revistas de psicanálise bastante conhecidas, seleccionaram 200 artigos escritos por psicanalistas europeus, e 200 artigos escritos por psicanalistas americanos. E só foram investigar uma coisa: o número de vezes que citavam Freud. A diferença era de dez vezes mais para os europeus. [risos] É o peso da história. E também a coisa cultural: os europeus são mais conservadores. É frequente ir-se a uma conferência sobre filosofia e ter de se ouvir falar no Aristóteles e no Platão.




Vivemos do futuro, não do passado. Infelizmente nem sempre é assim. Veja na política portuguesa: foi o problema do Sócrates, e antes do Sócrates do Guterres... A culpa foi do Afonso Henriques, que conquistou isto aos mouros em vez de ir para a Galiza




Sente-se mais americano, nisso?
Muito mais. Aliás, tenho muito mais contacto com analistas americanos do que com analistas europeus. Esse prémio que me deram nos Estados Unidos, na Europa não mo davam. Deram-mo voluntariamente, foram eles que me seleccionaram, pelos meus escritos. Na Europa achavam que aquilo não tinha muito interesse.

Revê-se mais no pragmatismo americano.
No caso da análise, sim. Noutras coisas não. Noutros aspectos têm muitos defeitos. Mas os filósofos são muito mais pragmáticos. Os filósofos europeus estão presos às abstracções todas.

Com a sua idade seria natural que o peso da experiência já tivesse uma prevalência maior do que o da tentativa de descobrir.
As coisas evoluem investigando, não é acumulando conhecimentos.

Como é que se dá, por exemplo, com a revolução tecnológica? Não vejo aqui nenhum computador.
Não, porque os computadores já chegaram tarde demais e eu já não tinha muita paciência para aprender a lidar com aquilo. A minha secretária é que trata disso. Mas acho que é importante, aquilo é bom.

Nunca usa computador?
Não. Mesmo o telemóvel, uso-o mal.

Sabe o que é o Instagram?
Sei [risos].

Sabe o que é o Facebook?
Também sei, mais ou menos.

As redes sociais são apenas novas formas de comunicação ou parece-lhe que há o risco de mexerem com características fundamentais das pessoas?
Penso que se não forem em excesso, não. Como tudo.

A instantaneidade da comunicação terá alterado algumas das características relacionais que existiam na sua juventude?
Não sei. Ouço os meus colegas, na faculdade de psicologia, dizerem: “Esta malta hoje não presta, no nosso tempo é que era bestial”. Pois, eu acho que os alunos agora são muito melhores do que eram no meu tempo. Muitíssimo melhores. Mais ávidos, mais interessados. A evolução é positiva. No meu tempo de estudante a maior parte dos colegas só pensava em futebol e em beber copos. Hoje vêem-se vários alunos e alunas interessados em filosofia, política, história.

Não se reconhece, portanto, no discurso da crise de valores.
Não, de maneira nenhuma. Os valores é que são outros. Em relação aos valores da religião, do pecado, são outros.

Quais diria que são hoje os valores estruturantes?
O primeiro de todos é a liberdade. E por outro lado o de haver menos proibições. A minha liberdade só acaba quando perturba a liberdade do outro. É a única proibição. Depois a moral: há um tipo de moral, a que chamo exógena, ou heterónoma, que vem ditada pelo outro. Pela religião, pelo partido político, pela cultura. E há uma moral endógena e autónoma, que depende simplesmente de o indivíduo ter empatia e compaixão pelo sofrimento do outro. Se me ponho no lugar do outro e fico preocupado se ele não está bem, construo a minha moral. Aquela que me é ensinada não tem interesse nenhum. Por exemplo, há uma coisa que é muito discutida e em que várias pessoas não estão de acordo comigo: continua-se a dizer que é preciso impor limites às crianças. Não é preciso impor limites nenhuns às crianças, é preciso simplesmente mostrar-lhes que a realidade tem limites; a realidade física e a realidade social. Se a criança bate com a cabeça na parede magoa mais a cabeça do que a parede [risos]. Se chama filho da puta ao pai, se calhar o pai fica chateado e deixa de brincar com ele, já não lhe apetece jogar à bola. É só isto.


Há agora uns pediatras que dizem que as crianças ganharam um tal controlo, e uma tal atenção das famílias que se tornaram pequenos ditadores.
Ah, isso é aquele idiota do Urra. Um cretino.

O espanhol Javier Urra.
Sim. Só diz idiotices [risos]. Mas tem cargos importantes: é professor catedrático na Universidade Complutense de Madrid e é, ou foi, o provedor dos menores em Espanha. Os livros dele têm várias edições mas é um homem execrável. Numa entrevista que li dele, acaba dizendo que castigava os filhos porque gostava muito deles. Bestial! [risos]

Está mais próximo, nesse aspecto, do Dr. Spock.
O Spock era muito melhor.

Ou de Berry Brazelton.
Esse é bom. Mas tem uma teoria com a qual não estou totalmente de acordo: diz que o bebé precisa de amor e disciplina. O bebé não precisa de disciplina, precisa de um ambiente ordenado, de um ambiente disciplinado. É diferente. Se um dia lhe derem a refeição às três horas, no dia seguinte às seis da tarde, noutro dia deitam-no às oito, e depois às onze...

Isso é desestruturante.
É. Se o ambiente for ordenado a criança integra-se nisso. Se eu, como professor, protesto por os alunos chegarem tarde à aula, não dá em nada. Agora, se eu chego a horas, ele habituam-se a chegar a horas.

E o que é que faz quando há prevaricadores?
No Centro de Saúde Mental e Infantil tínhamos dez ou onze equipas e fazia uma reunião por semana com cada uma delas, e uma vez por mês uma reunião geral com toda a gente. Essas reuniões eram às nove da manhã; das nove às onze. E as pessoas chegavam sempre atrasadas. Fiz várias coisas até que simplesmente escrevi num quadro, “quem chegar depois das nove e dez é favor não interromper”. Começaram a ir a horas. As pessoas protestam quando é imposto, mas se for dito com jeito acabam por colaborar. E há outra coisa: a ideia do nosso governo anterior era a de que as sociedades progridem por competição. Não, as sociedades progridem por colaboração. Não é nos períodos de guerra que se fazem as grandes descobertas, é nos períodos de paz.

Há uma ideia muito difundida de que é o investimento militar que tem providenciado grandes avanços...
Não.

...até na área da psicologia.
O Hitler é que dizia mais ou menos isso: que a guerra trazia desenvolvimento.

Como é que encara a questão com que todos temos de nos confrontar: a ideia da morte?
Fiz uma conferência aqui há tempos num congresso de filosofia em que me convidaram para falar sobre isso. Primeiro recusei, depois insistiram muito comigo. Pus uma condição: “Só se for falar ao mesmo tempo da sexualidade e da morte” [risos]. Todos temos uma angústia, que não é propriamente a angústia de morte, essa é comum nos animais; a angústia perante a morte imediata, o risco. Os homens e os macacos superiores - o orangotango, o gorila, o chimpanzé - já têm alguma consciência disso, têm aquilo a que chamo a angústia essencial. Uma angústia perante a finitude da vida. Têm consciência de que a vida tem um limite. Essa angústia não é totalmente resolvida, mas é resolvida em parte pelo que se chama a imortalidade simbólica. Sei que vou morrer daqui a uns anos, mas também sei que fiz algumas coisas que ficaram, que foram úteis. Ensinei algumas coisas porreiras a umas pessoas. Sei que vou morrer mas diverti-me mais ou menos. Fiz umas asneiras, mas também fiz algumas coisas bem feitas. Há uma certa satisfação, não vou vazio e insatisfeito.

Essa consciência aumenta com o passar do tempo, ou nem tanto?
Nem tanto. Temos é de ter sucesso em algumas coisas que fazemos. Se só se tem insucesso isso deprime, causa mau estar. Os americanos falam muito dos três “g”, a propósito do amor. Good, giving and game. Bom, generoso e divertido. O mundo deve ser bom, generoso e divertido.

Isso é aplicado ao amor?
Sim, ao amor e às relações em geral. Mas eles falam disto a propósito do amor. O bom amor é aquele que é good, giving and game (jogo, mas que eu traduzo para divertido).



Sei que vou morrer mas diverti-me mais ou menos. Fiz umas asneiras, mas também fiz algumas coisas bem feitas. Há uma certa satisfação, não vou vazio e insatisfeito.




Também temos de aprender a viver com os momentos menos divertidos para não desistirmos à primeira contrariedade.
Isso é outra teoria. A teoria da psicanálise clássica é a de que as dores são boas, que é preciso sofrer para ficar mais forte, para enrijecer o carácter. Não é nada a minha teoria. A dor é inevitável, não é boa. Há sempre insucessos, há sempre dores.

Eu estava a referir-me à chamada gratificação imediata, cuja necessidade, segundo se diz frequentemente, tem vindo a crescer.
Pois, a teoria clássica é a de que a gratificação imediata é má e que se deve educar para a frustração. Reduzir a frustração lenta e progressivamente, é o que ensinam os clássicos. Não é de facto a minha teoria. A frustração é sempre má e deve evitar-se. O que se deve fazer é outra coisa: é desenvolver a capacidade de espera, o que é diferente. Estou suado, vim a correr, apetece-me beber uma cerveja gelada. Mas percebo que se descansar um bocado a cerveja me vai saber muito melhor. Não é a mesma coisa que manter a frustração, ou que considerar a frustração útil.

Há hoje patologias mentais novas?
É difícil dizer mas há algumas.

O DSM [o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais] agora é maior.
O DSM é uma porcaria. Aquilo é um catálogo condicionado pela indústria farmacêutica para venderem mais medicamentos.

Todos temos lá um lugarzinho.
Sim, sim. E um medicamento apropriado.

Quais são então as novas patologias?
Há uma maior quantidade de traços de psicose, narcisismo, borderline. Porque há uma menor intimidade entre as pessoas. As relações são mais superficiais, menos íntimas, menos vinculadas, mais anónimas. De maneira que não há familiaridade. Deixou de haver a confiança, a colaboração mútua.

Isso é um efeito da vida urbana por contraponto à vida rural?
Claro, das grandes cidades. E do estilo de vida que as pessoas levam, também. Hoje as pessoas só são íntimas entre dois ou três amigos. No meu tempo era íntimo de todas as pessoas da minha aldeia. Mesmo nas cidades havia aquela coisa de bairro, as pessoas iam a casa uns dos outros. Hoje temos mais conhecidos do que amigos. Há uma diminuição da espessura afectiva dos laços.

Não haverá, por outro lado, uma maior liberdade? Porque essa situação de antigamente era também de um grande controlo sobre os indivíduos.
Sim. Nesse aspecto, sim.

O que é que é preferível?
Bom, os extremos serão sempre maus. Mas não sei se a situação de antigamente era assim de tanto controlo. As pessoas respeitavam mais os segredos, por exemplo. Hoje respeitam menos. Se pedir a um amigo seu para respeitar um segredo, ele di-lo logo na primeira esquina.

Não tem grande confiança na natureza humana, pelos vistos.
A vida actual é mais insegura.

Existe isso da natureza humana?
Existe, é um bocado diferente da natureza dos macacos, por exemplo [risos].

Mas reconhece a existência de padrões de comportamento, independentemente da cultura, da origem, do meio em que se cresceu?
O problema dos valores é um problema posto do ponto de vista moral, quase religioso. Do ponto de vista ético, estético, também. Mas o importante é aquilo que tem valor para a vida, aquilo que é vital. O que acontece é que para o homem, por comparação com o macaco, é importante a beleza de uma rosa, o perfume de uma mulher. O que tem valor para a nossa vida não é só o cheiro a cio.

Ou seja, não é só o aspecto pragmático.
Também é pragmático: isto permite escolher melhor, saber quem é a pessoa. A selecção é muito mais complexa porque o número de dados que recolhemos é muito maior.

Há muito mais variáveis em jogo.
Muitíssimo mais. Para um macaco interessa que a fêmea esteja receptiva. Para o homem interessa que a mulher seja simpática, que goste dele; uma série de coisas. Agora, o que acho que tem pouco interesse são esses valores com sentido ético e moral. Como dizia um amigo meu que já faleceu: “O que interessa na mulher são as características morais, mas se for bonita ajuda”.

Pode dizer-se que é um optimista?
Sou.

Acha que estamos a aperfeiçoar-nos?
Sim, não tenho dúvidas. Apesar de todos os defeitos, cada vez se vive melhor. A curva da civilização é isto [desenha no papel uma curva], é ascendente. Mas a ascensão na subida não é contínua, há ciclos. E depois há a visibilidade social. Aqui há uns anos numa conferência com o Dr. Jorge Macedo – o historiador que foi director da Torre do Tombo –, houve uma coisa que não me agradou: ele falou muito da violência, referindo que a violência era muito grande nas cidades. E eu disse-lhe: “Parece impossível um professor de História estar a dizer-me isso; sabe melhor do que eu que no tempo do Marquês de Pombal a média de assassinatos era de um ou dois por dia em Lisboa, e Lisboa tinha cento e tal mil habitantes. Hoje tem 600 mil e se calhar são dois ou três por mês”. Há aqui um problema interessante: no tempo do Marquês de Pombal matava-se uma pessoa no Rossio e em Alfama ninguém sabia; hoje matam uma pessoa em Nova Iorque e logo à noite já sabemos. É uma ilusão, é um problema de visibilidade social.

A visibilidade social tem a ver com um papel progressivamente maior dos media; osmedia são indutores de ansiedade?
Não. Isso é outra história. Fiz parte de um grupo de trabalho organizado pela Maria Barroso, da Fundação Pro Dignitate. Fui um dos fundadores daquilo. E ela tinha essa ideia: porque se mostram as mortes, as revoluções? Isso não tem mal nenhum, a informação elucida as pessoas. Mas ainda há tempos ouvi o professor Daniel Sampaio, que é um tipo inteligente, dizer que não se podia falar do suicídio dos jovens porque isso contaminava, induzia outros. Pelo contrário; sabendo as pessoas os perigos que existem, não vejo perigo nenhum nisso. O perigo é não informar.

Não vê sequer a possibilidade de isso contribuir para um acréscimo da ansiedade?
Aí, o que acho é que o grande modelo é a própria natureza. O que não podemos é dar um acidente de automóvel e mostrar só o carro todo esborrachado, um tipo a deitar sangue. É mostrar a cena toda, mostrar a vida. Salientar só aquilo é que pode ser prejudicial e provocar grande ansiedade.

Hoje temos a ameaça terrorista, a ameaça dos vírus, agora a ameaça do mosquito. Estamos a receber permanentemente estas doses de alarme…
Já pensou que em vez de estarmos aflitos com o mosquito que transmite o Zika, devíamos pensar que isso pode ser um processo de resolver as dificuldades de proteínas, e começar a comer esses mosquitos num prato especial? [risos]. Com manteiga, um bocadinho de mel...

Por qualquer razão não é nas proteínas do mosquito que as pessoas pensam em primeiro lugar.
Mas podem começar a pensar nessa vantagem.

Se por absurdo tivesse à disposição uma máquina do tempo, para onde escolheria viajar?
Para o futuro. O passado passou, que é que ia fazer com o passado? Não gostava nada de voltar atrás, gostava de ter mais 100 anos à frente. O bife que me interessa é o que vou comer logo à noite, não é o que comi ontem [risos].

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

The Changing Face of Saudi Women

Pretendem iludir-nos com algumas medidas, é falso. As mulheres continuam a ser tratadas como género de segunda classe.


Photographs by Lynsey Addario
PUBLISHED JANUARY 13, 20016



















Photographs by Lynsey Addario
PUBLISHED JANUARY 13, 2016



The Changing Face of Saudi Women

The Changing Face of Saudi Women

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

A trapeira de Job

José António Barreiros, advogado

Isto que eu vou dizer vai parecer ridículo a muita gente.

Mas houve um tempo em que as pessoas se lembravam, ainda, da época da infância, da primeira caneta de tinta-permanente, da primeira bicicleta, da idade adulta, das vezes em que se comia fora, do primeiro frigorífico e do primeiro televisor, do primeiro rádio, de quando tinham ido ao estrangeiro.

Houve um tempo em que, nos lares, se aproveitava para a refeição seguinte o sobejante da refeição anterior, em que, com ovos mexidos e a carne ou peixe restante, se fazia "roupa velha".

Tempos em que as camisas iam a mudar o colarinho e os punhos do avesso, assim como os casacos, e se tingia a roupa usada, tempos em que se punham meias-solas com protectores. Tempos em que ao mudar-se de sala se apagava a luz, tempos em que se guardava o "fatinho de ver a Deus e à sua Joana".

E não era só no Portugal da mesquinhez salazarista. Na Inglaterra dos Lordes, na França dos Luíses, a regra era esta. Em 1945 passava-se fome na Europa, a guerra matara milhões e arrasara tudo quanto a selvajaria humana pode arrasar.

Houve tempos em que se produzia o que se comia e se exportava. Em que o País tinha uma frota de marinha mercante, fábricas, vinhas, searas.

Veio depois o admirável mundo novo do crédito.

Os novos pais tinham como filhos uns pivetes tiranos, exigindo malcriadamente o último modelo de mil e um gadgets e seus consumíveis, porque os filhos dos outros também tinham. Pais que se enforcavam por carrões de brutal cilindrada para os encravarem no lodo do trânsito e mostrarem que tinham aquela extensão motorizada da sua potência genital. Passou a ser tempo de gente em que era questão de pedigree viver no condomínio fechado, e sobretudo dizê-lo, em que luxuosas revistas instigavam em couché os feios a serem bonitos, à conta de spas e de marcas, assim se visse a etiqueta, em que a beautiful people era o símbolo de status como a língua nos cães para a sua raça.

Foram anos em que o Campo se tornou num imenso ressort de Turismo de Habitação, as cidades uma festa permanente, entre o coktail party e a rave. Houve quem pensasse até que um dia os Serviços seriam o único emprego futuro ou com futuro...!

O país que produzia o que comíamos ficou para os labregos dos pais e primos parolos, de quem os citadinos se envergonhavam, salvo quando regressavam à cidade dos fins de semana com a mala do carro atulhada do que não lhes custara a cavar e às vezes nem obrigado.

O país que produzia o que se podia transaccionar, esse, ficou com o operariado da ferrugem, empacotados como gado em dormitórios, e que os víamos chegar mortos de sono logo à hora de acordarem, as casas verdadeiras bombas-relógio de raiva contida, descarregada nos cônjuges, nos filhos, na idiotização e na imbecilidade que a TV tornou negócio.

Sob o oásis dos edifícios em vidro, miragem de cristal, vivia o mundo subterrâneo de quantos aguentaram isto enquanto puderam, a sub-gente. Os intelectuais burgueses teorizavam,ganzados de alucinação, que o conceito de classes sociais tinha desaparecido.

A teoria geral dos sistemas supunha que o real era apenas uma noção, a teoria da informação substituía os cavalos-força da maquinaria pelos megabytes de RAM da computação universal. Um dia os computadores tudo fariam, o Ser-Humano tornava-se um acidente no barro de um oleiro velho e tresloucado que, caído do Céu, morrera pregado a dois paus, e que julgava chamar-se Deus, confundindo-se com o seu filho e mais uma trinitária pomba.

Às tantas, os da cidade começaram a notar que não havia portugueses a servir à mesa, porque estávamos a importar brasileiros, que não havia portugueses nas obras, porque estávamos a importar negros e eslavos.

A chegada das lojas-dos-trezentos já era alarme de que se estava a viver de pexibeque, mas a folia continuava. A essas sucedeu a vaga das lojas chinesas, porque já só havia para comprar «balato». Mas o festim prosseguia e à sexta-feira as filas de trânsito em Lisboa eram o caos e até ao dia quinze os táxis não tinham mãos a medir.

Fora disto, os ricos, os muito ricos, viram chegar os novos ricos.

O ganhão alentejano viu sumir o velho latifundário absentista pelo novo turista absentista com o mesmo monte mais a piscina e os seus amigos, intelectuais, claro, e sempre pela reforma agrária, e vai um uísque de malte, sempre ao lado do povo, e já leu o New Yorker?

A agiotagem financeira, essa, ululava.... Viviam do tempo, exploravam o tempo, do tempo que só ao tal Deus pertencia, mas, esse, Nietzsche encontrara-o morto em Auschwitz. Veio o crédito ao consumo, a Conta-Ordenado, veio tudo quanto pudesse ser "o ter sem pagar". Porque nenhum Banco quer que lhe devolvam o capital mutuado, quer é esticar ao máximo o lucro que esse capital rende.

Aguilhoando pela publicidade enganosa os bois que somos nós todos, os Bancos instigavam à compra, ao leasing, ao renting, ao seja como for desde que tenha e já, ao cartão, ao descoberto-autorizado.Valeu tudo!

Tudo quanto era vedeta deu a cara, sendo actor, as pernas, sendo futebolista, ou o que vocês sabem, sendo o que vocês adivinham, para aconselhar-nos a ir àquele Balcão bancário buscar dinheiro, vendermos-nos ao dinheiro, enforcarmos-nos na figueira infernal do dinheiro. Satanás ria. O Inferno começava na terra lusitana....

Claro que os da política do poder, que vivem no pau de sebo perpétuo do fazer arrear, puxando-os pelos fundilhos, quantos treparam para o poder, querem a canalha contente. E o circo do consumo, a palhaçada do crédito servia-os. Com isso comprávamos os plasmas do tamanho de mamutes onde eles vendiam à noite propaganda governamental e, nos intervalos, imbecilicidades e telefofocadas, que entre a oligofrenia e a debilidade mental a diferença é nula.

E, contentes, cretinamente contentinhos, os portugueses tinham como tema de conversa a telenovela da noite, o jogo de futebol do dia e da noite e os comentários políticos dos "analistas" que poupavam os nossos miolos de pensarem, pensando por nós.

Que interessa?

O Império Romano já caiu também e o mundo não acabou. Nessa altura, em Bizâncio, discutia-se o sexo dos anjos. Talvez porque Deus se tivesse distraído com a questão teológica, talvez porque o Diabo tenha ganho aos dados a alma do pobre Job na sua trapeira. O Job que somos grande parte de nós...

"Independentemente de quem escreveu o texto...é motivo de reflexão!"





O provável autor original deste texto é o Dr. Emanuel Tanya, um psiquiatra alemão, naturalizado americano.

Um homem, cuja família da aristocracia alemã antes da II Guerra Mundial, era proprietária de um grande número de indústrias .

Quando questionado sobre quantos alemães eram nazis verdadeiros, a resposta que deu pode ajudar a reflectir sobre a nossa atitude em relação ao fanatismo.

"Muito poucas pessoas eram nazis verdadeiros ", disse , "mas muitos apreciavam o retorno do orgulho alemão, e muitos mais estavam ocupados demais para se importar. Eu era um daqueles que só pensava que os nazis eram um bando de tolos. Assim, a maioria apenas se sentou e deixou tudo acontecer. Então, antes que soubéssemos, pertencíamos-lhes; tínhamos perdido o controle, e o fim do mundo tinha chegado. A minha família perdeu tudo.... Eu terminei num campo de concentração e os aliados destruíram as minhas fábricas".

Somos repetidamente informados por "especialistas" e "papagaios falantes" que o Islão é uma religião de paz e que a grande maioria dos muçulmanos só quer viver em paz.

Embora esta afirmação não qualificada possa ser em parte verdadeira, ela é totalmente irrelevante. Não tem sentido, tem a intenção de nos fazer sentir melhor, e destina-se a diminuir de alguma forma, o espectro de fanáticos furiosos em todo o mundo em nome do Islão.

O facto é que os fanáticos governam o Islão neste momento da história.

São os fanáticos que marcham.

São os fanáticos que travam qualquer uma das 50 guerras de tiro em todo o mundo.

São os fanáticos que sistematicamente abatem grupos cristãos e de outras religiões África e estão tomando gradualmente todo o continente num tsunami islâmico!

São os fanáticos que bombardeiam, degolam, assassinam, ou matam em nome da honra.

São os fanáticos que controlam mesquita após mesquita.

São os fanáticos que zelosamente espalham o apedrejamento e enforcamento de vítimas de estupro e de homossexuais.

São os fanáticos que ensinam os seus filhos a matarem e a tornarem-se homens-bomba.

O facto duro e quantificável neste momento é que a maioria pacífica, a "maioria silenciosa", é e está intimidada e alheia.

A Rússia comunista foi composta por russos que só queriam viver em paz, mas os comunistas russos foram responsáveis pelo assassinato de cerca de 20 milhões de pessoas. A maioria pacífica era irrelevante!

A enorme população da China também foi pacífica, mas comunistas chineses conseguiram matar estonteantes 70 milhões de pessoas.

O indivíduo médio japonês antes da II Guerra Mundial não era um belicista sádico.. No entanto, o Japão assassinou e chacinou no seu caminho por todo o Sudeste Asiático numa orgia de morte, que incluiu o assassinato sistemático de 12 milhões de civis chineses, mortos pela espada, pá, e baioneta!!!

E quem pode esquecer o Ruanda, que desabou em carnificina. Não poderia ser dito que a maioria dos ruandeses eram "amantes da paz"?

As lições da História são muitas vezes incrivelmente simples e contundentes, ainda que para todos os nossos poderes da razão, muitas vezes falte o mais básico e simples dos pontos:

-Os muçulmanos pacíficos tornaram-se irrelevantes pelo seu silêncio!

Muçulmanos amantes da paz vão tornar-se nossos inimigos se não falarem, porque como o meu amigo da Alemanha, vão despertar um dia e descobrir que são propriedade dos fanáticos, e que o final do mundo em que vivia terá começado.

Amantes da paz alemães, japoneses, chineses, russos, ruandeses, sérvios, afegãos, iraquianos, palestinianos, somalis, nigerianos, argelinos, e muitos outros morreramporque a maioria pacífica não falou até que fosse tarde demais!!!

A maneira islâmica pode ser pacífica no momento no nosso país, até os fanáticos se mudarem para cá...definitivamente!

Na Austrália e,em muitos outros países ao redor do mundo, muitos dos alimentos mais comumente consumidos têm o emblema halal (o que é "permitido, autorizado" por Alá) sobre eles.

Basta olhar para a parte de trás de algumas das barras de chocolate mais populares, e em outros alimentos no seu supermercado local. Alimentos nos aviões têm o emblema halal, apenas para apaziguar uma minoria privilegiada, que agora se está expandindo rapidamente dentro de muitas nações.





No Reino Unido, as comunidades muçulmanas recusam-se a integrar-se e agora há dezenas de zonas "no-go" dentro de grandes cidades de todo o país em que a policial não ousa sequer intrometer-se!

A "Lei Sharia prevalece" lá, porque a comunidade muçulmana naquelas áreas se recusa a reconhecer a lei britânica...verdadeiramente impensável!

Quanto a nós que assistimos a tudo isto, devemos prestar atenção para o único grupo que conta - os fanáticos que ameaçam o nosso modo de vida.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Os melhores dias das nossas vidas

ALEXANDRA LUCAS COELHO  14/02/2016 -

1. Há cinco anos eu estava na praça Tahrir e centenas de milhares de pessoas derrubaram um ditador: 11 de Fevereiro de 2011. Aconteceu de dentro para fora, sem golpe, sem máquina, sem líder. Durante dias, uma nova geração tinha-se juntado no centro do Cairo, incentivada pelo que acontecera na Tunísia, onde o ditador caíra, inspirando outras gerações, que foram vindo. Ninguém as organizou, mas tudo se organizava, turnos, brigadas, barricadas de protecção, limpeza, comida, remédios, assistência médica, cobertores, tendas para acampar ao frio, na chuva. As noites na praça gelavam e a ditadura atacava, mais de trezentos mortos, milhares de feridos. Só que dessa vez toda a gente estava a fotografar, falar, escrever, partilhar em directo, e todos os dias a revolução crescia, gente dando força a mais gente. A 11 de Fevereiro, quando o sol descia sobre o Nilo e Mubarak caiu, achei-me ao lado da mãe de Khaled Said, o rapaz que a polícia de Mubarak assassinara em Alexandria em Junho de 2010. Khaled Said fora o primeiro rastilho da revolução, e ali estava a mãe dele vendo Mubarak cair, sendo abraçada numa casa sobre a praça, e, descendo à praça, meio milhão de pessoas num lusco-fusco que era o centro do mundo, a história concidindo com a vida, resgatando uma bandeira, preto-branco-vermelho no céu e na mão, no corpo e na cara de quem pulava, cantava, abraçava, chorava com desconhecidos, na maior alegria conjunta das suas vidas. Depois de eu partir, o primeiro rapaz que conheci ao aterrar na revolução comentou na primeira fotografia que partilhei no Facebook, e em que ele aparece, à entrada da praça Tahrir: “Foram os melhores dias da minha vida.” Estávamos longe de saber como isso seria cada vez mais verdade. Incontáveis mortos depois parece outro século.


2. A Primavera Árabe começara na Tunísia, fez em Dezembro cinco anos. Nas vésperas deste aniversário aterrei em Tunis. O ISIS tinha acabado de matar mais de 200 pessoas a bordo de um avião russo que descolara de Sharm El Sheik, mais de uma centena em Paris, várias dezenas em Beirute. Tunis era uma cidade em hipertensão, traumatizada pelos dois atentados do ISIS desde o início de 2015, o primeiro no turístico Museu do Bardo, o segundo na turística praia de Sousse. Os souks estavam desertos de turistas, o museu ainda tinha estilhaços, e toda a gente temia um novo atentado a qualquer momento. No mais belo atelier da medina, um velho fazedor de chéchias, o tradicional barrete masculino, contou-me das cinco agulhas, da água e do sabão que apertam a lã de ovelha, até ela não deixar passar frio ou calor. Tínhamos muito tempo porque não havia ninguém à espera. Crianças a irem para a escola, velhos sentados nos cafés, polícia rondando, os mercadores tentando atrair quem não passava, e aquele ancião, Mohammed Messaoudi, tão elegante como quando parecia uma estrela do cinema mudo nas fotografias penduradas no seu atelier do Grand Souk des Chéchias. Continuava a abrir todas as manhãs, a dar elegantes cartões-de-visita bilingues, a embrulhar cada chéchia em elegante papel timbrado. Era uma espécie de desobediência civil ao caos deste Inverno 2015-2016, a resistência da elegância, ou vice-versa, vi isso do Magrebe à Ásia Central em muita gente da geração de Messaoudi. Ele tinha idade para ser bisavô de Shayma, a mais bonita das tunisinas com quem fui falando, uma das que cinco anos antes acreditara na revolução, e agora só queria ir embora, para o Canadá, para os EUA. Para a Europa, não: elas viam o que a Europa estava a fazer. O que não estava a fazer. E o atentado aconteceu mesmo, no centro de Tunis, quatro dias depois de eu me despedir.



3. A seguir a Tunis e Tahrir, as manifestações de 2011 alastraram à Síria. Esta manhã em que escrevo, 11 de Fevereiro de 2016, o incontável está em 470 mil mortos, quase metade da população deslocada. Há menos de sete anos atravessei um país que já não está em pé. E a Europa, que assistiu ou foi parte disso, agora fecha a porta.

4. Hoje, os ecos do Cairo são que tudo está pior do que antes de Tahrir. Ao militar Mubarak sucedeu, por eleição, o islamista Morsi, que foi derrubado pelo militar Al-Sisi, num golpe que custou mil mortos, dezenas de milhares de presos e repressão generalizada. Nas semanas que antecederam este quinto aniversário, Sisi pôs em marcha uma operação preventiva: tropas na rua, activistas desaparecidos, interrogatórios, buscas a milhares de casas. E nos últimos meses, mais mil presos políticos se terão somado aos que já lá estavam. No New York Times, Kareem Fahim escreveu que Sisi “tem encarado até a hipótese de manifestações como uma ameaça grave”. O repórter Hossam Bahgat, que esteve detido pelos militares egípcios, disse aoGuardian que “o nível de repressão hoje é bastante maior do que no tempo de Mubarak, e gerações mais velhas dizem que é pior até do que nos anos 1950 e 1960”, quando Nasser estava no poder. Há relatos de tortura nas cadeias, as prisões são feitas sem acusação nem julgamento.

5. A revolução da praça Tahrir tinha uma base antiga na cabeça dos egípcios, acredita Abdel Rahman Mansour, um dos fundadores da página de Facebook We are all Khaled Said, que desencadeou o levantamento de 2011. Numa reflexão para a Al Jazeera a propósito deste quinto aniversário, ele enfatiza isso, que “em retrospectiva, a revolução não aconteceu num vácuo, existia no espírito colectivo há muito”, e que se ela foi bem sucedida, ou seja, se conseguiu derrubar um ditador há tanto tempo no poder, foi porque contou com uns 200 mil anónimos, jovens egípcios, homens e mulheres, que se juntaram num movimento de direitos humanos. “Ninguém sabia que eles existiam. Estes ‘actores invisíveis’ eram o resultado das condições políticas que o país vivera.” Hoje, acredita, a situação é muito diferente, apesar da opressão e da brutalidade policial serem idênticas ou superiores. “Penso que o espírito colectivo egípcio está à espera de um momento, uma oportunidade, porque não é possível ter sucesso duas vezes com as mesmas ferramentas, e parece-me que isso é um bom sinal. Creio que a baixa participação nas últimas eleições parlamentares é um indicador de como as pessoas vêem em que tipo de regime estão a viver.” Em suma, Tahrir aconteceu porque já estava lá, e a nova Tahrir vai acontecer de outra forma, quando houver uma oportunidade.

6. Tahrir é a arma que resta, diz Omar Robert Hamilton, fundador de um colectivo-arquivo da revolução. Num texto publicado no Guardian, lembra: “A Praça Tahrir foi um espectáculo, por um momento parou o país, o mundo até, a história renasceu. A polícia foi expulsa das ruas e a cidade era nossa.” Isto foi real, derrubou um ditador. “Fomos naive, sem dúvida, mas o resto do mundo foi naive connosco.” O que resta hoje para lutar? “A memória da possibilidade é tudo o que temos. Talvez por agora seja o bastante. Sabemos que ainda os assusta: a ideia de revolução.” Tudo pode vir a acontecer: décadas de Sisi no poder, golpes militares internos, um lento processo de democratização, o colapso do estado, um domínio do ISIS, inundações do Nilo, fome generalizada. “Não posso dizer que estou optimista. Mas não estou morto e não estou na prisão, então não tenho o direito de dizer que está tudo acabado.” Não enquanto a memória da possibilidade estiver lá. E essa memória vem daquilo a que o rapaz da praça Tahrir chamou os melhores dias da nossa vida.