sábado, 16 de setembro de 2017

Excelente conteúdo para reflexão!


A entrevista do CEO da Mercedes Benz, publicada em 16 de julho de 2017.

" A nossa vida irá mudar dramaticamente nos próximos 20 anos, segundo o CEO da Mercedes. Em uma entrevista recente, Mr. Daimler Benz (Mercedes Benz) disse que seus concorrentes não são mais as outras companhias de carro, mas sim a Tesla (óbvio), Google, Apple e Amazon, considerando que:

1. Softwares irão quebrar a maioria das indústrias tradicionais nos próximos 5-10 anos;

2. Uber é apenas uma ferramenta de software, eles não possuem carros, e são agora a maior empresa de táxi do mundo;

3. Airbnb é agora a maior empresa hoteleira do mundo, embora eles não possuam quaisquer propriedades;

4. Inteligência Artificial: Computadores se tornam exponencialmente melhores em compreender o mundo. Este ano, um computador bateu o melhor Go player no mundo, 10 anos mais cedo do que o esperado;

5. Nos EUA, jovens advogados já não conseguem emprego. Por causa da IBM Watson, você pode obter aconselhamento legal (até agora para as coisas mais ou menos básicas) em poucos segundos, com uma precisão de 90% em comparação com uma precisão de 70% quando feito por seres humanos;

6. Então, se você estuda direito, pare imediatamente. Haverá 90% menos advogados no futuro, apenas especialistas permanecerão;

7. Watson já ajuda enfermeiros no dignostico de câncer, 4 vezes mais preciso do que os enfermeiros humanos. Facebook agora tem um software de reconhecimento de padrões que podem reconhecer rostos melhores do que seres humanos. Em 2030, os computadores se tornarão mais inteligentes do que os seres humanos;

8. Carros autônomos: Em 2018 os primeiros carros de auto condução estarão disponíveis para o público. Por volta de 2020, a indústria completa vai começar a ser interrompida. Você não vai querer ter um carro mais. Você vai chamar um carro com o seu telefone, ele vai aparecer no seu local e levá-lo ao seu destino. Você não vai precisar estacioná-lo, você só pagará pela distância percorrida e pode ser produtivo durante a condução. Nossos filhos nunca irão ter uma carteira de motorista e nunca vão possuir um carro;

9. Isso vai mudar as cidades, porque vamos precisar de 90-95% menos carros. Poderemos transformar antigos estacionamentos em parques. 1,2 milhões de pessoas morrem a cada ano em acidentes de carro em todo o mundo. Temos, agora, um acidente a cada 60.000 milhas (100.000 km), com a condução autônoma, esse número vai cair paraa 1 acidente em cada 6 milhões de milhas (10 milhões de km). Isso vai salvar um milhão de vidas por ano!

10. A maioria das companhias de carro provavelmente vão falir. Companhias de carro tradicionais tentam a abordagem evolutiva e apenas construir um carro melhor, enquanto as empresas de tecnologia (Tesla, Apple, Google) fazem a abordagem revolucionária e constróem um computador sobre rodas;

11.Muitos engenheiros da Volkswagen e Audi estão completamente aterrorizados pela Tesla;

12. As companhias de seguros terão dificuldade enorme, porque sem acidentes o seguro vai se tornar 100x mais barato. Seguros para automóveis irão desaparecer;

13. O mercado Imobiliário vai mudar. Porque se você pode trabalhar enquanto se desloca, já que os carros serão autônomos, as pessoas vão se mudar para mais longe e viver em um bairro mais bonito e quase rural;

14. Os carros elétricos vão se tornar tendência em 2020. As cidades serão menos barulhentas, porque todos os carros novos serão movidos a eletricidade. Eletricidade se tornará incrivelmente barata e limpa: produção Solar tem tido uma curva exponencial de 30 anos, agora você pode ver o impacto crescente;

15. No ano passado, mais energia solar foi instalada no mundo do que o combustível fóssil. As empresas de energia estão tentando desesperadamente limitar o acesso à rede para evitar a concorrência de instalações solares em casa, mas isso não pode durar. A tecnologia vai driblar essa estratégia;

16. Com eletricidade barata, vem a água abundante e barata. A dessalinização de água salgada agora, só precisa 2kWh por metro cúbico (@ 0,25 cêntimos). Não temos água escassa na maioria dos lugares, só temos água potável escassa. Imagine o que será possível se alguém pode ter tanta água limpa quanto quiser, por um custo muito baixo;

17. Saúde: O preço do Tricorder X será anunciado este ano. Existem empresas que irão construir um dispositivo médico (o chamado "Tricorder" do Star Trek), que funciona com o seu telefone, o que leva a digitalização da sua retina, sua amostra de sangue e respiração com ele;

18. Ele analisa 54 biomarcadores que irão identificar quase qualquer doença. Será barato, por isso em alguns anos todos neste planeta terão acesso a uma análise médica de classe mundial, quase de graça. Adeus, estabelecimento médico;

19. Impressão 3D: O preço da impressora 3D mais barata caiu dos US $ 18.000 para US $ 400 nos ultimos 10 anos. Ao mesmo tempo, tornou-se 100 vezes mais rápida. Todas as grandes empresas de calçados, já fazem sapatos com impressão 3D;

20. Algumas peças de avião já estão sendo impressas em 3D, em aeroportos remotos. A estação espacial agora tem uma impressora que elimina a necessidade da grande quantidade de peças de reposição, que costumava ter no passado;

21. No final deste ano, os novos smartphones terão possibilidades de digitalização em 3D. Você pode então digitalizar seus pés em 3D e imprimir o seu sapato perfeito em casa;

22. Na China, eles já construíram um edifício comercial completo de 6 andares com uma impressora 3D. Até 2027, 10% de tudo o que está sendo produzido será impresso em 3D;

23. Oportunidades de negócio: Se você pensar em um nicho que você quer ir, pergunte-se: "no futuro, você acha que vamos ter isso?" e se a resposta for sim, como você pode fazer isso acontecer mais cedo? Se não funciona com o seu telefone, esqueça a idéia. E qualquer idéia concebida para o sucesso no século 20, está fadada ao fracasso no século 21;

24. Trabalho: 70-80% dos empregos vão desaparecer nos próximos 20 anos. Haverá uma grande quantidade de novos postos de trabalho, mas não está claro se haverão novos empregos, suficientes em um pequeno período de tempo;

25. Agricultura: Haverá um robô agrícola de $100 no futuro. Agricultores nos países do 3º mundo poderão, então, tornar-se gerentes de seu campo em vez de trabalhar o dia todo neles;

26. Aeroponics vai precisar de muito menos água. O primeiro Petri prato de vitela produzido, já está disponível e será mais barato do que vaca vitela produzido em 2018. Agora, 30% de todas as superfícies agrícolas é utilizado para vacas. Imagine se nós não precisarmos de mais espaço. Existem várias startups que trarão proteína de inseto ao mercado em breve. Insetos possuem mais proteína do que a carne. Eles serão rotulados como "fonte de proteína alternativa" (porque a maioria das pessoas ainda rejeitam a idéia de comer insetos);

27. Existe um aplicativo chamado "Moodies", que já pode dizer em que humor você está. Em 2020 haverá aplicativos que podem dizer por suas expressões faciais, se você está mentindo. Imagine um debate político onde está sendo exibido quando eles estão dizendo a verdade e quando eles não estão?!

28. Bitcoin, pode mesmo tornar-se a moeda de reserva padrão ... do mundo!

29. Longevidade: Agora, a média de vida aumenta em 3 meses por ano. Quatro anos atrás, a vida costumava ser 79 anos, agora é 80 anos. O aumento em si é crescente e por 2036, haverá mais de um ano aumento por ano. Então, todos nós podemos viver por um longo tempo, provavelmente muito mais do que 100 anos;

30. Educação: Os smartphones mais baratos já estão em US$10 na África e Ásia. Em 2020, 70% de todos os seres humanos possuirão um telefone inteligente. Isso significa que, todo mundo tem o mesmo acesso à educação de classe mundial;

31. Cada criança poderá usar a Khan Academy para tudo, o que uma criança precisa aprender na escola em países do Primeiro Mundo. Já houve lançamentos de software na Indonésia e em breve haverão versões em árabe, Suaheli e chinês, ainda nesse ano. Eu posso ver um enorme potencial, se dermos o aplicativo em Inglês de graça, para que as crianças na África e em outros lugares, possam tornar-se fluentes em Inglês e isso poderia acontecer dentro de meio ano. "

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Para mais tarde recordar...

Por Paulo Morais

Uma das mais poderosas sociedades de advogados nacional, a PLMJ, foi recentemente investigada no caso da “Máfia do Sangue”. Um dos seus sócios foi mesmo constituído arguido. Dois dos seus mais proeminentes representantes são José Miguel Júdice e Nuno Morais Sarmento, ambos advogados, políticos e comentadores televisivos, na RTP e na TVI. Nos seus programas semanais, ambos fugiram ao tema escaldante da corrupção nos negócios do sangue, com a cumplicidade dos jornalistas que, embevecidos, os entrevistavam.

Este é um modelo que representa o “modus faciendi” das sociedades de advogados. Usam a sua posição de comentadores nas televisões a seu bel-prazer para defender os interesses dos seus clientes e camuflar a informação negativa. Exemplos de personalidades de tripla face (políticos, comentadores e advogados) são muitos. Temos, assim, António Vitorino, sócio da firma “Cuatrecasas” ou Marques Mendes, da todo poderosa “Abreu Advogados”.

Sociedade igualmente relevante no panorama português é a “Morais Leitão, Galvão Teles Soares da Silva e Associados”. Lança jovens na política e no Direito como os ex-governantes Assunção Cristas, Adolfo Mesquita Nunes ou Paulo Núncio. Ou o actual advogado/deputado do CDS Francisco Mendes da Silva. Os interesses dos seus clientes são defendidos no comentário político televisivo na SIC por Lobo Xavier que comenta toda a actividade política e económica sem que os telespectadores se apercebam das suas ligações ao Grupo Mota-Engil, ao BPI e a outros tantos interesses.

É também destas sociedades de causídicos que sai a legislação que mais prejudica os portugueses, como a das ruinosas parcerias público-privadas, elaborada na “Jardim, Sampaio, Magalhães e Silva”, a que dão corpo e nome os socialistas Vera Jardim e Jorge Sampaio. Vera Jardim, que debate na rádio com Morais Sarmento, da já citada PLMJ. E até os interesses estrangeiros mais obscuros são representados por estas sociedades. A “Uria Menendez” vem defendendo, através do todo-poderoso Daniel Proença de Carvalho os interesses de Eduardo dos Santos, Ricardo Salgado e Sócrates. Proença faz comentário político na rádio sem revelar quem serve. Preside à Administração do “Jornal de Notícias” e pode assim censurar as vozes incómodas aos negócios dos seus clientes.

As sociedades de advogados são, em Portugal, as irmandades perversas do regime, as verdadeiras sociedades secretas. Fazem Leis, dominam a política, condicionam a comunicação social. E os seus membros actuam disfarçados.

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

A doença da alma americana no tempo de Trump, segundo os National

Matt Berninger no 22º Festival Super Bock Super Rock, em 2016, concerto no pavilhão Meo Arena

Ao sétimo álbum de estúdio, os The National não conseguem evitar que a intimidade procurada pelas suas canções carregue uma catarse em reacção à eleição de Trump. Matt Berninger explica o que está por detrás do regresso destes profissionais da melancolia.

GONÇALO FROTA  8 de Setembro de 2017
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“I won’t fuck us over/ I’m Mr. November” canta Matt Berninger em Mr. November, canção intersecção entre The Smiths e R.E.M. que agitava as águas do álbum Alligator(2005). No mundo muito cifrado e frequentemente aleatório das letras do cantor dos The National, em que citações roubadas de outras letras servem muitas vezes de cola para as suas próprias ideias, Mr. November (alusão ao mês decisivo das eleições norte-americanas) tinha, na verdade, um destinatário concreto: o candidato presidencial John Kerry, derrotado por George W. Bush em 2004, e o sentimento de elevado desconforto que Berninger imaginava tomar conta de qualquer ser na posição de disputar a Casa Branca. “Deve ser tão stressante e irritante representar constantemente esse papel”, justificou o músico em entrevista à Vice.

Embora Kerry estivesse na mira mental de Berninger em 2005, seria com a primeira eleição de Barack Obama, três anos mais tarde, que o nome da canção seria estampado em t-shirts apelando ao voto no candidato democrata. Na mesma altura, uma versão instrumental de Fake empire seria usada num vídeo de campanha de Obama, graças a Jim Messina, director de campanha (e fã dos National) que levaria inclusivamente a banda a tocar em comícios do já então Presidente dos Estados Unidos em 2010 e na disputa pela sua reeleição em 2012, participando ainda em várias acções de campanha.
Os dois mandatos presidenciais de Obama coincidiram também com a ascensão dos National, de fenómeno de culto de canções macambúzias a um certo miserabilismo de estádio, espécie de U2 muito menos histriónicos, fazedores de temas com pendor para uma melancolia insuflada até ganhar trejeitos épicos. Boxer (2007), High Violet (2010) e Trouble Will Find Me (2013) trataram de cimentar essa posição e de fazer crescer o cancioneiro até caber nas grandes arenas de espectáculos.
Sleep Well Beast, o sétimo e novo álbum, encontrava-se em avançado estado de fermentação quando Donald Trump venceu as últimas eleições presidenciais. Embora a discografia dos National não seja propriamente marcada por um discurso militante, o impacto do facto político na vida criativa do grupo fez-se sentir de imediato. “Tínhamos 30 e tal canções, depois o Trump venceu e algumas delas começaram a parecer-nos estranhas”, confessa o vocalista Matt Berninger ao Ípsilon. “Aquelas que acabaram por formar Sleep Well Beast pareciam ter em comum um sentimento catártico, necessário depois da vitória do Trump. E depois houve temas escritos especificamente em resposta ao acontecimento e outros cuja letra foi reescrita, como The system only dreams in total darkness e Turtleneck, mas também Walk it back.”
Apesar de Berninger se referir à candidatura, à conquista de uma base de apoio e à vitória final de Trump como “um lento e traumático desastre que vimos aproximar-se” e que resultou num choque a 8 de Novembro de 2016 – “e no dia seguinte foi como se o céu se cobrisse de um chumbo cinzento”, diz –, o homem dos National não embarca na demonização fácil do Presidente e prefere referir-se-lhe como um sintoma do rumo que o país tem tomado nas últimas décadas. Daí que as canções de Sleep Well Beast, frisa, “tenham que ver com alguma consciência do que é a América, uma consciência que mudou radicalmente com a sua vitória”. “Penso que durante os últimos meses de preparação do disco houve uma reavaliação dos nossos fundamentos sociais muito significativa.”
Matt Berninger qualifica Donald Trump como “verdadeiro produto da América, e não uma anomalia — como o temos andado a tratar”
Essa mudança de fundamentos é descrita pelo músico como “uma verdade muito triste e dolorosa que está a vir à tona enquanto doença na alma americana e que testemunhamos no racismo e no sexismo”. Por isso qualifica Donald Trump de “verdadeiro produto da América, e não uma anomalia – como o temos andado a tratar”. “Temos estado a construir este monstro na nossa cave durante algum tempo e é muito humilhante. Mas acho que é bom percebermos quão cancerosas são algumas destas doenças que temos e quão profundamente podem estar instaladas. Não apenas na América, mas em todo o mundo – sexismo, racismo, repressão, um planeta moribundo. Estamos todos a lidar com um problema comum e que está mesmo à nossa porta.”

A doença diagnosticada por Berninger manifesta-se também na “aceitação de tanto disparate e das mentiras”. Algo que apenas acentua a sua crença de que “a América há muito tempo se encontra num lugar confuso acerca da sua História e das suas possibilidades”. E acusa os interesses corporativos de terem estado por detrás de todo este rastilho explosivo, convocando o medo do outro – e acentuando as diferenças de género, raciais, religiosas ou quaisquer outras. O inflamado e inflamável discurso político não é senão a face mais visível de um país numa intensa turbulência subterrânea.

Sleep Well Beast é, no entanto, um álbum que tem sido descrito pelo vocalista como versando sobretudo os altos e baixos de uma relação, em específico a vida a dois num casamento – talvez não tão específico a ponto de nos levar a pensar que se trata do seu (ainda que, aqui e ali, não recuse a existência de algumas falripas de realidade em temas como Guilty party, a que acresce ainda a curiosidade de a sua mulher dar uma ajuda na escrita, como que garantindo que a história, mesmo que ininteligível, não foge à verdade).


É sobretudo curioso averiguar como é que uma banda que dedica quase todos os seus versos à intimidade acaba por admitir a interferência dos acontecimentos políticos nessa esfera de reserva pessoal. Berninger não se esconde por detrás de generalizações e afirma que “quando falamos de política não estamos a falar dos políticos em si, de uma corrida de cavalos ou de um evento desportivo”. “Estamos a falar de pessoas que estabelecem regras para o planeta e para os nossos filhos.” E reflecte que já não vive a sua juventude, período em que o presente parece esticado até ao limite, sem fim à vista e com uma relação remota com a História – e em que o Civil Rights Movement da década anterior pode parecer um fenómeno do tempo da Antiguidade Clássica...

Com a idade, defende, passa a conseguir traçar-se uma linha entre causa e efeito, e o presente deixa de se assemelhar a uma ilha que se destaca de tudo quanto antes se passou. E por isso, ao ser pai de uma menina, e atentando à forma como “Donald Trump e as pessoas em Washington estão a tentar definir o que as mulheres podem dizer e fazer, quanto vale o seu trabalho em termos salariais e quanta liberdade podem ter com os seus corpos”, admite que “isso torna a política muito pessoal, sim: "Nem sei como é que alguém pode separar tudo isto.”

Matt Berninger não é, contudo, um homem iludido quanto ao papel que a música pode representar enquanto arma de combate. “O lugar que nos deu Woody Guthrie, Nina Simone, Bob Dylan e Joan Baez também votou Trump para Presidente e é impossível ligar esses dois pontos”, argumenta. Ou seja, tudo o que uma canção pode advogar e instigar é, afinal, muito pouco diante das forças (por vezes demasiado insondáveis) que gerem as emoções do povo na hora de colocar uma cruz num boletim de voto e decidir o futuro colectivo. “Uma banda rock pode criar música festiva, catártica”, reconhece, apontando ligeiramente em causa própria no que à catarse diz respeito. “Mas não acho que as canções possam criar mudanças políticas; acho sim que podem mudar um pouco os nossos corações e a forma como as nossas almas se compreendem. Ainda assim, não é algo tão poderoso quanto sair de casa e ir votar, ir falar com o nosso congressista e queixarmo-nos de coisas reais. Isso faz muito mais do que alguma canção rock alguma vez conseguirá.”

Discussões e nervosismos
Até há relativamente pouco tempo, Matt Berninger vivia com a sua família nos últimos dois andares da casa de Aaron Dessner, guitarrista e principal municiador de composições para os National. Bryce Dessner, irmão gémeo de Aaron, também guitarrista, teclista e compositor menos activo na vida do grupo (com uma carreira paralela na composição de música orquestral e de câmara contemporânea), vivia umas casas abaixo, na mesma rua. Durante um longo período, mesmo que as rotinas diárias fossem pouco coincidentes, a proximidade geográfica dos cinco National fazia com que a preparação de cada álbum resultasse num processo sem grumos.

Sleep Well Beast é o primeiro disco que os apanha a viver em diferente pontos do mundo (Los Angeles, Cincinatti, Long Island, Copenhaga e Paris), trabalhando a partir de uma permanente troca de ficheiros e obrigando à marcação de vários períodos concentrados de duas semanas – fizeram-no na Califórnia, em Paris e em Berlim – com sessões que se prolongavam facilmente madrugadas e manhãs adentro. “O facto de vivermos em cidades diferente levou a que construíssemos este disco mais colectivamente do que alguma vez tinha acontecido no passado”, garante o vocalista. “Teve o efeito oposto.”

A grande diferença – num álbum que percorre sem grandes acidentes de percurso a veia The Smiths do grupo num tema a puxar pela pompa como Day I die, que se veste de balada épica à moda dos U2 em Guilty party ou que carrega num rock cuspido em tons de Bad Seeds em Turtleneck – é que, desta vez, todos foram encorajados a tomar caminhos diferentes e a participar numa constante reinvenção das canções. Essa ruminação foi tão levada a sério que sessões inteiras de trabalho foram apagadas sem remorso e Matt só parou de reescrever as letras no momento de despachar o disco para as misturas. “Tornámo-nos muito temerários e muito soltos, não tomámos nada do que fizemos como demasiado precioso. Claro que tivemos muitas discussões, mas não há nenhuma canção rock que possa jamais magoar alguém fisicamente – emocionalmente talvez, e o objectivo até passa por aí.”

Sleep Well Beast é o primeiro disco que apanha os membros do grupo a viver em diferente pontos do mundo (Los Angeles, Cincinatti, Long Island, Copenhaga e Paris) GRAHAM MACINDOE

As letras saltitam entre cenários a toda a hora: “É tentar ser um bom pai, um bom marido, um bom amigo, um bom filho, encontrar equilíbrio, descobrir o que vai significar estar morto e o que fazer com isso enquanto se está vivo”

E que assuntos é que se discutem nos National? Pois bem, não tanto as canções. “Quando discutimos com alguém, fazemo-lo sobretudo acerca do facto de esse alguém não respeitar o quanto trabalhámos em algo ou não ver a mesma imagem abstracta daquilo que achamos que a canção deve ser”, defende. “Mas como em qualquer outra discussão, é sempre uma questão de nos sentirmos magoados ou desrespeitados por outra pessoa. Claro que nunca estamos verdadeiramente a discutir por causa de uma canção – isso seria ridículo. É sempre uma questão de ego, medo, raiva, receio de que a banda possa subitamente desaparecer, o pavor de nos podermos separar. O mesmo que acontece quando discutimos nos nossos casamentos ou nas nossas famílias, porque temos medo de perder alguém. Se nos irritamos com um irmão é porque nos preocupamos com ele. Não discutimos sobre canções – apenas fingimos que é sobre isso.”

Não sendo um álbum de ruptura em relação àquilo que conhecemos dos National – será até, porventura, um regresso ao sítio onde estavam há dez anos –, ouve-se em temas como I’ll still destroy you (um dos mais recompensadores de todo o registo) a mão de compositor de Bryce, seguidor de gente da vanguarda nova-iorquina como Philip Glass, Steve Reich ou os Bang on a Can, autor de vários quartetos de cordas para o Kronos Quartet. Matt diz que “Bryce nunca se sentiu desencorajado de trazer o seu mundo clássico para os National”, mas admite que este poderá ser um disco mais permeável a outras experiências exteriores ao grupo, e cita o exemplo do tributo aos Grateful Dead (Day of the Dead) em que os irmãos se empenharam durante quatro anos – “o Bryce e o Scott [Devendorf, baixista] são grandes fãs dos Dead e conhecem muito bem aquele material, mas terem tocado aquilo todos os dias, com aquele som, mudou-lhes qualquer coisa no circuito.”

Ainda assim, o vocalista não vê razão para se falar de uma maior disponibilidade para seguir por caminhos mais intrépidos. “Não me senti nada nervoso acerca do que estávamos a fazer”, diz, “e se estivéssemos a correr riscos penso que me teria sentido assim. Não estávamos muito preocupados com isso, não andávamos a dar high-fives uns aos outros por estarmos a ser incrivelmente aventureiros [risos]”. Todavia, e recordando a participação do grupo numa performance do islandês Ragnar Kjartansson, em que os National tocaram a canção Sorry durante seis horas seguidas (com uma pequena pausa para uma bucha), Berninger reconhece que as colaborações com diferentes artistas têm levado a que sintam mais confortáveis com a possibilidade da humilhação. “Humilharmo-nos é aquilo que deveríamos fazer – ou, pelo menos, arriscá-lo de cada vez que nos prestamos a alguma apresentação. Caso contrário, não é divertido de ver. Ninguém quer ver as pessoas à beira de um lago, quer é ver as pessoas a andar por cima do gelo fininho, que se pode quebrar a qualquer instante e fazê-las cair.”

Em Sleep Well Beast ouvem-se também uma maior preponderância de intromissões electrónicas, como em Walk it back, e um subtil ascendente rítmico que se estende a todo o disco. A combinação destes elementos – a electrónica temperada, os teclados melancólicos e as infiltrações da música orquestral – tem valido aos National o ocasional carimbo “Radiohead americanos”. Born to beg, do início ao fim, parece parida para confirmação desse estatuto oficioso.


E a verdade é que é fácil encontrar uma filiação inglesa nas canções da banda. Matt Berninger não o nega e lembra o dia em que a irmã levou para casa Louder than Bombs, compilação dos Smiths a roçar a perfeição, e percebeu que “havia um tipo de um lugar chamado Manchester, onde nunca tinha estado e do qual nada sabia, que se queixava das mesmas coisas” que o atormentavam. E que, ainda por cima, cantava sobre o que queria, pouco importado com o que terceiros pudessem achar disso. Matt cita ainda Joy Division, New Order e Wedding Present como referências fundamentais, junta-lhes Nick Cave, mas admite que é um pouco mais incestuoso do que isso nos seus gostos e rouba “a todos de igual maneira”.

Na sua cabeça, aliás, as canções dos National, nas quais reconhece uma inevitável marca d’água melancólica e especialmente propensa à tristeza – os malditos acordes menores dos irmãos Dessner, ri-se –, mudam constantemente de agulha. Num verso pode estar a cantar enquanto pensa num comboio atulhado de gente, para passados dois versos o seu banco de imagens o atirar para um passeio pelos bosques ou uma sala deserta, com uma mesa ao centro, desocupada, e daí saltar para uma mulher que trepa a uma árvore. As letras saltitam entre cenários a toda a hora. Mas Berninger resume-as sem dificuldade numa ideia de “tentar ser um bom pai, um bom marido, um bom amigo, um bom filho, encontrar equilíbrio, descobrir o que vai significar estar morto e o que fazer com isso enquanto se está vivo”. Outras vezes, são apenas sobre sexo e álcool. E, por baixo, um burburinho que nunca se cala e que é tanto a agitação de um homem quanto o eco da doença da alma americana.

domingo, 3 de setembro de 2017

O que é uma bomba de hidrogénio?

Primeiro há reacções de fissão nuclear e em seguida de fusão nuclear.
TERESA FIRMINO 6 de Janeiro de 2016

O primeiro teste de uma bomba de hidrogénio, em 1952 no atol de Eniwetok, nas ilhas Marshall, Pacífico

Numa bomba de hidrogénio, uma grande parte da sua energia é obtida através da fusão dos núcleos dos seus átomos – reacções que imitam o que se passa no interior das estrelas, como o nosso Sol, onde os átomos de hidrogénio se fundem, dando origem a átomos de hélio e libertando gigantescas quantidades de energia.

Mas para que os átomos de hidrogénio se fundam nesta bomba, também conhecida como "bomba H" ou "bomba termonuclear", primeiro tem de haver um outro tipo de reacções nucleares. Mais exactamente, reacções de fissão nuclear, ou cisão nuclear. Neste caso, o núcleo dos átomos (de urânio e plutónio) é partido, em vez de fundido, e é a energia libertada nestas primeiras reacções nucleares que permite depois desencadear as reacções de fusão dos núcleos de hidrogénio. Resumindo, primeiro há reacções de fissão nuclear e em seguida de fusão nuclear.

O resultado é uma bomba nuclear muito mais poderosa do que as bombas unicamente de fissão nuclear, como aquelas que foram lançadas pelos Estados Unidos sobre as cidades japonesas de Hiroxima e Nagasáqui em 1945.

Os principais pais da bomba de hidrogénio são Edward Teller e Stanislaw Ulam, que a desenvolveram para os Estados Unidos. O primeiro teste ocorreu em 1952, no atol de Eniwetok, nas ilhas Marshall, no Pacífico. O atol ficou totalmente destruído. Mike, como foi baptizada a primeira bomba H, tinha uma potência gigantesca: mais de dez milhões de toneladas de TNT. Ora uma bomba de hidrogénio com esta potência liberta 800 vezes mais energia do que a bomba lançada sobre Hiroxima.

Três anos depois dos Estados Unidos, a União Soviética fez explodir a sua primeira bomba de hidrogénio.


sexta-feira, 1 de setembro de 2017

A vida de Alice mudou no Verão de 1968


A jornalista e escritora Alice Vieira descobriu a tranquilidade da Costa Nova no ano em que assumiu um amor que, à época, era um escândalo. O mar continuou a fazer parte da sua vida.
BÁRBARA WONG 1 de Setembro de 2017

Foi o Verão que mudou a vida de Alice Vieira e o ano não podia ser mais simbólico: 1968. Em Maio, a jornalista do Diário Popular estava em Paris onde tudo se passava, as greves dos estudantes, as ocupações de fábricas por parte dos trabalhadores, e a vida de Alice era um turbilhão que culminou com o regresso a Portugal em Junho e na sua ida para a Costa Nova.

Alice Vieira aos 25 anos em 1968

“Vivíamos o Maio de 68 em Paris e, de repente, largo tudo para voltar à pátria… Tinha-me zangado com as pessoas… Amores!”, resume, sentada na sala da sua casa de Lisboa, rodeada de livros, fotografias, jogos e pequenas colecções como as dos faróis ou dos presépios. Em 1968 não era fácil estar apaixonada por um homem mais velho 23 anos e casado. “Nem a minha família, nem a dele nos falavam.” Por isso, esteve em França três anos – “arranjei maneira de ser correspondente” do jornal. “Quando mandávamos peças [notícias], não passavam na censura, não passava nada…”

Antes ainda da chegada à Costa Nova era preciso chegar a Lisboa e o coração de Alice estava tomado pelo desassossego, sem saber se o namorado a esperaria no aeroporto. "Não havia telemóveis e vivia-se uma greve geral." A TAP decidiu pegar nos passageiros de Paris, metê-los num autocarro e viajar até Bruxelas onde apanhariam o avião para Lisboa. Alice e Mário Castrim, o jornalista e crítico de televisão, podiam ter-se desencontrado e esse era o maior medo da jovem de 25 anos, que o partilhou, durante o voo, com uma perfeita desconhecida. “Estava desesperada e não sabia se ele estaria à minha espera. A minha cara era tão estranha que a senhora que estava ao meu lado perguntou-me o que se passava.” Depois de contar a sua história, a companheira de viagem, que era mulher do embaixador português em Paris, fez a jornalista prometer-lhe que se o namorado não estivesse à sua espera “ia com ela para casa”. Afinal, Alice, “menina de boas famílias lisboetas”, como se autodefine, não falava com a família e não podia regressar a sua casa. E se, acrescentou então Fedora Mathias, mãe do ex-embaixador Marcello Duarte Mathias, alguma coisa não correr bem, “telefone-me”.
Mário Castrim em 1968

Mas as coisas não podiam ter corrido melhor. Mário estava à espera de Alice, agarrou-a e levou-a para a Costa Nova. “Saltei de uma revolução com carros a arder para uma tranquilidade. Foi o Verão da minha vida porque eu vinha sem saber o que ia acontecer, estava muito apaixonada, mas uma coisa é estar apaixonada e outra é viver com uma pessoa. E foi extraordinário. Modificou a minha vida em tudo. Eu preciso de mar, de água... Mas também gostei muito do Maio de 68!”, acrescenta, dando uma enorme gargalhada.

As fotografias desses tempos tranquilos são poucas. Alice não gostava de ser fotografada. “Mas adorava tirar [fotografias], ainda hoje!”, conta enquanto sorri para o repórter fotográfico do PÚBLICO, obedecendo a todos os pedidos que ele vai fazendo. Há uma imagem que a autora deposita em cima da mesa, dela sozinha. Mas há outras, a do marido naquele mesmo ano ou dela com os filhos na Praia do Sul, na Ericeira.
Jogar matraquilhos e beber ginginha

Mário Castrim queria apresentar a namorada aos amigos. “Eram extraordinários.” Assim que chegaram, o médico e escritor Mário Sacramento preparava-se para viajar, virou-se para Alice e perguntou-lhe: “sabe guiar?” Perante a resposta positiva, deu-lhe as chaves do seu carro e rumou a Paris, onde ia para um congresso. “E nós andamos pelas praias todas. A Ria [de Aveiro] estava muito assoreada, era lama e água pelo meio. Foram os meses de Junho e Julho e foram muito importantes para conhecer outro tipo de praia e de Verão”, continua a escritora de Rosa, minha irmã Rosa ou de Viagem à roda do meu nome, cuja acção se passa na Ria de Aveiro. “Fiquei sempre ligada à Costa Nova.”

Alice Vieira com os filhos em 1972

Em criança, Alice e os irmãos iam para o Guincho, em Cascais. Antes de saírem de casa, os tios ligavam para uma tasca na praia e perguntavam como estava o tempo. “Mesmo que estivesse mau, nós íamos na mesma! Às 11h vinha o banheiro, o senhor António, púnhamos os dedos no nariz e ele atirava-nos para a água. Foi assim que aprendemos a nadar!”, ri. Mais tarde, a tia decidiu que os banhos seriam na Ericeira, uma visão estratégica de quem queria casar a menina com algum oficial que estivesse no quartel, em Mafra. “Se eles fossem aos bailes na Ericeira, podia ser que arranjasse um namorado.”

As ondas não são menos altas nem frias na Costa Nova, reconhece Alice, mas era uma maneira diferente de fazer praia que no Guincho ou na Ericeira. “Tem um mar mau, mas do outro lado tem a ria. Apanhávamos um barquito e íamos para uma tasca, A Bruxa, jogar matraquilhos e beber ginginha”, conta. Foi lá que a escritora se habituou a ir à água às 8h30 – “até os ossos rangiam!”. O hábito perdura até aos dias de hoje. “Gosto das manhãs e do seu sol tímido.” Mas também gosta “muito das esplanadas”. Aliás, fazer praia significa estar na esplanada. 

palheiros em Ílhavo

Na família falar “da Costa”, não é fazer referência à Costa Caparica, como para o comum dos lisboetas, mas da Costa Nova. E depois dos filhos nascerem o casal continuou a rumar a Norte. “A família do meu marido tinha lá um palheiro onde ficávamos.” E ir para a Costa requeria uma logística que incluía ficar uma noite pelo caminho, em Albergaria. “O meu marido gostava muito de ir para lá, onde tinha os seus amigos. Foi sempre a nossa praia enquanto eles [os filhos] eram pequenos. Depois cresceram.”

Pouco a pouco, deixaram de fazer o caminho que separa Lisboa da Ria de Aveiro e iam ficando mais por perto, por Cascais, onde a família tem casa. “Dava-nos mais jeito”, justifica.

Depois disso, Alice regressou uma e outra vez à Costa Nova. Telefonava a alguém e perguntava: “O comandante Tadeu? Ah, já morreu… E o fulano de tal? Também…” Os amigos – mais velhos, tal como Mário Castrim, que era de Ílhavo – foram desaparecendo. Mas gosta sempre de lá voltar, garante, recordando que a identidade da Costa Nova também contempla a pesca do bacalhau – “o meu sogro era comandante de um arrastão”, informa – e a agricultura. Alice recorda que há uma cidade portuária no Norte da Alemanha, Cuxhaven, que é geminada com Ílhavo e que quando lá esteve, a convite das escolas para apresentar os seus livros, servia-se bacalhau e vendiam-se conservas, como cá. "Cheirava a Portugal."