sábado, 31 de agosto de 2013

Apanha-nos, se puderes!




21 agosto 2013 Trouw Amesterdão

No sinal: Europa de leste

A carta aberta do ministro holandês dos Assuntos Sociais e do Emprego, Lodewijk Asscher, que pedia a criação de um “alerta laranja” para regular o fluxo de trabalhadores provenientes da Europa central e oriental, foi muito mal recebida por diferentes países da região, como a Bulgária.

No entanto, o diário holandês Trouw interroga-se se os romenos e os búlgaros representam verdadeiramente um perigo para o mercado de trabalho holandês.

De facto, segundo o gabinete holandês de análise da política económica (CPB), os romenos e os búlgaros prefeririam rumar aos países do Sul, tal como a Itália e a Espanha.

Redescobrir os valores europeus


21 agosto 2013 Adevărul Bucareste

O projeto europeu não consegue diminuir o fosso que ainda existe entre os países da Europa Ocidental e os da Europa Central e Oriental. Por isso, é preciso que a União e os Vinte e Oito façam um enorme esforço de comunicação sobre o que os une, defende um escritor romeno.
Marian Popescu


A Europa é a melhor oportunidade para o Egito


21 agosto 2013 Süddeutsche Zeitung Munique

Dave BrownNuma altura em que a turbulência abala o Egito, a União Europeia acaba novamente de exibir a sua impotência. No entanto – por mais utópico que possa parecer hoje –, só a Europa tem capacidade para orientar o Egito na senda de uma política moderna.
Daniel Brössler


Direitos de Miranda


20 agosto 2013 The Independent Londres



Apesar dos Estados Unidos negarem terem pedido às autoridades britânicas que detivessem o companheiro do jornalista do Guardian, Glenn Greenwald, que publicou uma série de revelações sobre a espionagem norte-americana ao tráfego de telefone e Internet, há suspeitas de envolvimento do Tio Sam.

A Casa Branca diz que houve apenas um “aviso” antes de David Miranda ter sido parado e ter ficado detido durante nove horas na sala de embarque do aeroporto londrino de Heathrow. Miranda já disse que vai apresentar queixa da sua detenção.

As colónias negam a lógica da História


20 agosto 2013 The Guardian Londres
Um pescador espanhol protesta na baía de Algeciras, do lado oposto do rochedo de Gibraltar, a 18 de agosto de 2013


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Os dias do império britânico acabaram e manter territórios outrora estratégicos, como Gibraltar, é uma relíquia do passado. O florescente sucesso de Gibraltar enquanto paraíso fiscal tem frustrado o seu vizinho empobrecido e a lutar contra a crise, mas o seu futuro parece seguro.
Simon Jenkins

Não há nada que supere uma canhoneira. O HMS Illustrious zarpou de Portsmouth, em 12 de agosto, e passou pelo HMS Victory e por uma animada multidão de patriotas. Uma semana depois, estava ao largo de Gibraltar, à distância de um tiro de canhão disparado de Cabo Trafalgar. O peito da nação arfa, as lágrimas ardem nos olhos. O espírito dos deuses está em marcha, pronto a dar problemas ao Rei de Espanha.

Há muito a dizer sobre o Império Britânico, mas este chegou ao fim – está morto, foi irradiado, já não existe. A ideia de um navio de guerra britânico supostamente a ameaçar a Espanha é absurda. Pretenderá bombardear Cádis? Irão as suas armas pôr termo a um engarrafamento da hora de ponta, numa colónia que boa parte dos britânicos considera estar cheia de infratores fiscais, traficantes de droga e elementos de direita que protestam por tudo e por nada? Os gibraltinos têm direitos, mas o porquê de os contribuintes britânicos deverem enviar navios de guerra para fazer respeitar esses direitos, mesmo que apenas “num exercício”, é um mistério.

Qualquer estudo das atualmente controversas colónias do Reino Unido, Gibraltar e as Malvinas, só pode chegar a duas conclusões. Uma é que o poder sobre elas reivindicado pelo Reino Unido é totalmente razoável, em termos de direito internacional; a outra é que, presentemente, tal reivindicação é uma completa idiotice.

Os Estados-nação do século XXI não irão continuar a tolerar nem mesmo a leve humilhação de abrigarem os resquícios de impérios dos séculos XVIII e XIX. A maioria dos impérios europeus nasceu da realpolitik do poder, sobretudo dos Tratados de Utrecht (1713) e de Paris (1763). Agora, a mesma realpolitik determina o seu desmantelamento. Um dos objetivos iniciais das Nações Unidas era atingir essa meta.
Resíduos do Império Britânico

Evidentemente que aqueles que vivem nessas colónias têm direito a ser tidos em conta, mas esse direito nunca prevaleceu sobre a realidade política. Nem o Reino Unido exigiu que assim fosse, pelo menos quando as circunstâncias o impunham. Os residentes de Hong-Kong e Diego Garcia não foram consultados, e muito menos lhes foi concedida “autodeterminação”, quando o Reino Unido quis atirá-los para o caixote do lixo da História. Hong-Kong foi entregue à China em 1997, quando terminou o “arrendamento” dos Novos Territórios. Diego Garcia foi reclamada pelo Pentágono e foi-lhe entregue em 1973. Os britânicos de Hong-Kong não tiveram direito a passaportes e os habitantes de Diego Garcia foram sumariamente expulsos e mandados para a Maurícia e para as Seychelles.

A segurança do Reino Unido não precisa desses locais. Não depende de portos de abastecimento de carvão no Atlântico. A França sobrevive depois de ter deixado de ser dona do Senegal e de Pondicherry, e Portugal sobrevive sem São Tomé e Goa. Quando os indianos invadiram Goa, em 1961, o mundo não levantou objeções. De facto, o plano argentino de invasão das Malvinas, em 1982, chamava-se Operação Goa, porque a Argentina partiu do princípio de que a ação seria igualmente encarada como uma solução pós-imperial.

Atualmente, os resíduos do Império Britânico sobrevivem, de um modo geral, nos interstícios da economia global. São os principais ganhadores da sangria fiscal resultante da globalização financeira. Muitos tornaram-se sinónimos de desonestidade. As autoridades tributárias norte-americanas falam irritadamente da Bermuda. George Osborne [o ministro das Finanças britânico] quer expulsar os infratores fiscais das ilhas Caimão e das Ilhas Virgens Britânicas.

Há muito que a Espanha se queixa do papel que Gibraltar desempenha no contrabando, na lavagem de dinheiro e no jogo offshore, que ficam fora do alcance do seu quadro regulamentar. Essas queixas culminaram num relatório do FMI de 2007 sobre as deficiências da regulação financeira da colónia. O estatuto de paraíso fiscal de Gibraltar valeu-lhe um aumento de riqueza, que alimentou a cólera de Espanha por ver tanto dinheiro circular por aquilo que considera ser seu território, sem ser tributado.
Colónias não pagam impostos
Estas colónias afirmam ser “mais britânicas do que os britânicos”, mas não pagam nenhum imposto do Reino Unido e funcionam como paraísos fiscais para capitais do país

Estas colónias afirmam ser “mais britânicas do que os britânicos”, mas não pagam nenhum imposto do Reino Unido e funcionam como paraísos fiscais para capitais do país. Gibraltar especializou-se em jogo na Internet. As colónias afirmam ser fiéis à coroa, mas não ao seu erário público nem à sua polícia financeira. São parques de atrações Churchillianos, com casinhas de colunas vermelhas, fish and chips e cerveja morna. Mas querem ter o que é bom, sem aceitar o que é mau. Quando os vizinhos se zangam, exigem que aqueles cujos impostos os protegem mandem em seu socorro soldados, diplomatas e advogados.

A argumentação jurídica trocada entre o Reino Unido e a Espanha é favorável ao primeiro. Apesar de o Reino Unido não pertencer ao espaço Schengen de livre circulação, em teoria, todos os Estados da UE facilitam a circulação dos seus cidadãos. A proposta espanhola de 43 libras [50 euros] de taxa de entrada é excessiva. Seria irónico ver os ministros conservadores defender a sua causa junto dos odiados tribunais europeus – mas é a instância adequada a que recorrer. O rigor da lei é melhor do que uma encenação da severidade da guerra.

Dito isto, não cabe na cabeça de ninguém que um intermediário honesto não consiga resolver esta disputa com séculos de existência. O Reino Unido procurou, por várias vezes, um acordo de compromisso sobre a soberania de Gibraltar. Margaret Thatcher iniciou negociações em 1984, depois de ter resolvido com sucesso as situações da Rodésia e de Hong-Kong. Os espanhóis propuseram para Gibraltar um estatuto totalmente descentralizado, semelhante ao dos bascos e dos catalães, com respeito pela língua e pela cultura e um certo grau de autonomia fiscal. Como provou o caso de Hong-Kong, a transferência de soberania não significa absorção política.

O problema foi a inépcia dos espanhóis ter alimentado a intransigência dos gibraltinos. Os “assaltos” na fronteira são contraproducentes quando se quer conquistar as simpatias das pessoas, tal como os desembarques argentinos nas Malvinas foram um erro. A Espanha exigiu a soberania imediata – apesar de ela própria ter colónias no Norte de África. O facto encostou à parede os governos britânicos e tornou-os vulneráveis aos grupos de pressão coloniais, que brandiam a exigência de autodeterminação. Um referendo realizado em Gibraltar em 2002 mostrou que 98% apoiavam a manutenção do estatuto colonial. E uma votação nas Malvinas deu um resultado semelhante. O que estava longe de corresponder à disposição de Thatcher de entregar Hong-Kong e aceitar a “soberania e relocação” de Madrid e Buenos Aires.
Tribo de “britânicos” dourados

A verdade é que as colónias britânicas que são paraísos fiscais se sentem mais seguras do que nunca, abençoadas pela História com a proteção britânica e livres para passarem por alto sobre o lado negro da economia global, escapando aos impostos. Esta situação criou uma tribo de “britânicos” dourados, que vivem num perene mundo irreal. Quando perguntei a um gibraltino que afirmava ser “150% britânico” por que motivo não pagava pelo menos 100% dos impostos britânicos, este respondeu: “Porque haveria eu de pagar para pessoas que estão a milhares de milhas de distância?”

Enquanto negarem a lógica da História e da geográfica, nem Gibraltar nem as Malvinas estarão realmente “a salvo”. Um dia, estes resquícios acabarão por se fundir com as respetivas regiões interiores e deixar de ser uma pedra no sapato das relações internacionais. Esse dia chegará mais cedo, se os governos mundiais agirem no sentido de acabar com os paraísos fiscais.

Entretanto, os habitantes de Gibraltar podem continuar a votar a favor de “continuarem a ser britânicos”, durante o tempo que quiserem. Mas, se não aceitarem os impostos e a disciplina que a maior parte dos europeus aceitam, ao mesmo tempo que sugam negócios aos centros financeiros da Europa, não podem realmente esperar que um Estado da UE os proteja de outro. Uma fila com seis horas de espera em La Línea, uma vez por outra, é um pequeno preço a pagar pela recusa de se juntarem ao mundo real.


“Uma disputa absurda”
De forma a encerrar o contencioso sobre Gibraltar, os primeiros-ministros espanhol, Mariano Rajoy, e britânico, David Cameron, decidiram pedir à Comissão Europeia para desempenhar a função de mediadora. Bruxelas deverá portanto pôr termo a dias de escaladas verbais que “exemplificam na perfeição tudo o que a diplomacia não deve fazer”, estima o ex-deputado britânico do partido trabalhista, Denis Macshane, em El País. Para o ex-político, que renunciou ao cargo depois de terem sido descobertas irregularidades nas suas despesas parlamentares, as tensões em torno do “rochedo” derivam essencialmente de fatores internos que envolvem os dois homens políticos:


David Cameron e Mariano Rajoy são mais parecidos do que querem admitir. São dois dirigentes nacionais fracos, que não têm nenhum verdadeiro controlo sobre a evolução da política. Ambos estão fartos da UE. Ambos têm um terrível problema de desemprego juvenil. Ambos devem fazer frente a regiões-nações – a Escócia e a Catalunha – que não querem integrar-se completamente nas entidades que constituem o Reino Unido e a Espanha. Ambos tiveram grandes impérios, sonhos que não querem desaparecer e que persistem com os símbolos da monarquia. Ambos têm grandes problemas relacionados com o financiamento do seu partido. Ambos possuem zonas coloniais especiais, Ceuta e Melilha no caso de Espanha e as ilhas Malvinas e Gibraltar no caso do Reino Unido. […] Então, qual é o motivo por trás desta disputa absurda entre dois carecas que lutam por um pente, como dizia Borges acerca da guerra das Malvinas? […] O que vemos tanto no Reino Unido como em Espanha é a vontade de manipular os meios de comunicação e de aparecer em manchetes, em Londres, com o envio de navios de guerra na região, e em Espanha, com a proposta de formar um eixo comum com a Argentina para travar o Reino Unido na ONU. Boa sorte!

O 17º “land”


19 agosto 2013 Eleftherotypia Atenas

O futuro da Grécia depende das eleições alemãs

Felizmente não votamos

A um mês das eleições legislativas na Alemanha, a questão da dívida da Grécia é um dos temas centrais da campanha eleitoral: o diário Bild anunciou, de facto, uma nova reestruturação da dívida grega após o escrutínio, enquanto a chanceler Angela Merkel e o seu ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble excluíram tal hipótese.

Sanções contra a barbárie


19 agosto 2013 Le Monde Paris
Tom Janssen

Perante a violenta repressão dos partidários do Presidente deposto Mohamed Morsi, pelos militares regressados ao poder no Egito, a UE está a ter dificuldade em encontrar uma posição comum. No entanto, a União dispõe de meios para levar as partes a reimplantar o processo democrático: a suspensão da ajuda económica ao país.
Le Monde

A chanceler vai nua!



03/04/2013 às 18:09 \ Vasto Mundo
A FOTO QUE INCENDIOU AS REDES SOCIAIS: a poderosa líder da Alemanha Angela Merkel, quando jovem, praticando nudismo


Angela Merkel (à esquerda), por volta dos 20 anos de idade, com duas amigas: nudista quando jovem. Esta foto foi tratada. A original está mais abaixo, no final do texto.

Como não poderia deixar de ser, a coisa está explodindo nas redes sociais mundo afora neste 3 de abril.

É uma foto em preto e branco em que aparece a atual chanceler da Alemanha, Angela Merkel, 59 anos incompletos, uma das governantes mais influentes e poderosas do mundo, praticando nudismo quando jovem em companhia de duas amigas.

Ninguém sabe de onde saiu a foto nem como ela caiu na rede. O fato, porém, é que Merkel, como milhões de alemães, foi, sim, adepta do nudismo na juventude — na foto, ela estaria por volta dos 20 anos.

Mesmo na antiga Alemanha Oriental comunista, moralista e severa, onde foi criada (ela nasceu em Hamburgo, na ex-Alemanha Ocidental, mas seu pai, pastor luterano, mudou-se para a parte ocidental como missão da igreja), o nudismo era praticado sem problemas, não apenas na costa alemã do Mar Báltico como também em lagos, piscinas e parques públicos.

O governo alemão não se pronunciou sobre a foto até agora. Um único site da Itália levantou a suspeita de que se trataria de uma montagem — uma brincadeira de 1º de abril do jornal satírico francês Le Canard Enchainé que, porém, nada publicou em sua edição impressa, cujo conteúdo em parte fica on-line.

A foto não foi, naturalmente, obra de nenhum paparazzo, já que a jovem Merkel era apenas uma estudante de Física na época.


A foto original: mesmo na moralista e ditatorial ex-Alemanha Oriental, o nudismo era prática comum de milhões de pessoas, como é na Alemanha de hoje

A chanceler, porém, já no cargo, teve em 2006 o dissabor de ver publicada pelo tabloide de escândalos britânico The Sun uma foto sua, de costas, vestindo um roupão branco após um mergulho nas águas do Mar Tirreno na ilha de Ischia, na Itália, em que boa parte das nádegas aparece enquanto ela ajeita a parte de baixo de um maiô de duas peças.

A bela adormecida


16 agosto 2013 Der Spiegel Hamburgo


O Governo de Angela Merkel intima os países da Europa do Sul a realizarem reformas profundas, alijando a sua responsabilidade pelas consequências das suas políticas nesta crise. Uma atitude destrutiva para a Europa, a poucas semanas das eleições alemãs, adverte o filósofo Jürgen Habermas.
Jürgen Habermas

Sob um título em forma de súplica – “Alemães não querem uma Europa alemã”, [o ministro alemão das Finanças] Wolfgang Schäuble desmentia recentemente, num texto de opinião publicado simultaneamente no Reino Unido, França, Polónia e Espanha, que a Alemanha aspirasse a um papel de liderança política da Europa. Wolfgang Schäuble – que, com a ministra do Trabalho, Ursula von der Leyen, é o último membro do Governo de Angela Merkel a poder ser descrito como “europeu” nos moldes da Alemanha Ocidental – fala com convicção. É o oposto de um revisionista que pretenda reverter a integração da Alemanha na Europa e, assim, destruir a base da estabilidade no pós-guerra. Ele está familiarizado com o problema cujo ressurgimento nós, alemães, devemos temer.

Após a fundação do Império Alemão, em 1871, a Alemanha assumiu uma posição funesta e parcialmente hegemónica na Europa. O Estado era, nas palavras muitas vezes repetidas do [falecido historiador alemão] Ludwig Dehios, “demasiado fraco para dominar o continente, mas demasiado forte para se manter na linha”. Uma situação que contribuiu para abrir caminho às catástrofes do século XX. Graças ao êxito da unificação europeia, tanto a Alemanha dividida como a Alemanha reunificada foram impedidas de voltar a cair no velho dilema. E é manifestamente do interesse da República Federal que nada mude a esse respeito. Mas o que mudou não foi a situação?
Um roteiro imposto

Wolfgang Schäuble reage a uma ameaça atual. É ele quem impõe o rumo inflexível de Angela Merkel em Bruxelas e que sente as fissuras que podem levar à dissolução do núcleo da Europa. É ele que, quando se reúne com dos ministros das Finanças da Zona Euro, enfrenta a resistência dos “países beneficiários”, quando bloqueia as tentativas insistentes de uma mudança de estratégia. A sua oposição a uma união bancária que permitisse partilhar os custos associados ao encerramento de instituições bancárias em dificuldades é apenas o exemplo mais recente.

Wolfgang Schäuble não se desvia nem um milímetro das instruções da chanceler, que recusa que o contribuinte alemão sejam penalizados com mais do que o montante exato dos compromissos dos empréstimos que os mercados financeiros exigem para salvar o euro – e que sempre obtiveram, devido a uma “política de recuperação financeira” abertamente favorável aos investidores.

Este rumo inflexível não descarta, evidentemente, um gesto de 100 milhões de euros em créditos às pequenas e médias empresas, que o tio rico de Berlim entregou recentemente aos primos de Atenas em apuros, retirados dos cofres do país. O facto é que o Governo de Angela Merkel impõe o seu programa anticrise à França e aos “países do Sul”, numa altura em que a política do Banco Central Europeu de apoio à recuperação lhe fornece um apoio inconfessado.

Ao mesmo tempo, porém, a Alemanha rejeita a responsabilidade a nível europeu das repercussões desastrosas dessa estratégia – embora assumindo-a tacitamente, ao assumir o papel “perfeitamente natural” de líder. Basta olhar para os alarmantes números do desemprego entre os jovens do sul da Europa, resultado da política de austeridade que atinge mais fortemente os cidadãos mais vulneráveis ​​da sociedade.
Embora seja apenas representante de um dos 28 Estados-membros, Angela Merkel pode fazer valer sem restrições os interesses nacionais alemães ou pelo menos os que ela considera como tal

Vista por este prisma, a mensagem de uma Berlim que não quer uma “Europa alemã” pode ser interpretada de forma menos favorável: a Alemanha está a esquivar-se das suas responsabilidades. Formalmente, o Conselho Europeu toma as suas decisões por unanimidade. Embora seja apenas representante de um dos 28 Estados-membros, Angela Merkel pode fazer valer sem restrições os interesses nacionais alemães ou pelo menos os que ela considera como tal. O Governo alemão aproveita a preponderância económica do país, com vantagens desproporcionais, enquanto os seus parceiros não começarem a questionar a lealdade politicamente ambiciosa dos alemães para a Europa.

Mas como dar qualquer credibilidade a esses gestos de humildade perante uma política que utiliza descaradamente a preponderância económica e demográfica do país? Quando, por exemplo, as regras mais rigorosas sobre as emissões de carbono dos carros de luxo novo-rico – uma medida que se encaixa perfeitamente no espírito de mudança energética do Governo federal, do nuclear para as energias verdes – ameaça prejudicar a indústria automóvel alemã, a votação [em Bruxelas] é adiada sine die, após a intervenção da chanceler, até o lóbi se considerar satisfeito ou as eleições terem passado. O artigo de Wolfgang Schäuble é uma reação, parece-me, à frustração causada pelo jogo duplo de Berlim junto dos governantes dos outros países da Zona Euro.

outros países da Zona Euro.

Em nome de imperativos de mercado contra os quais não haveria supostamente alternativa, um Governo federal cada vez mais isolado vai impondo severas políticas de austeridade à França e outros países em crise. Ao arrepio da realidade dos factos, considera que todos os Estados-membros da Zona Euro podem decidir as suas políticas económicas e orçamentais. Pretende-se deles que “modernizem” o aparelho de Estado e a economia e relancem a sua competitividade por conta própria – se necessário, com a ajuda de créditos do fundo de resgate.
Sofisma e paternalismo

Esta soberania fictícia é muito conveniente para a República Federal Alemã, pois dispensa o parceiro mais forte de assumir possíveis repercussões negativas das suas políticas sobre os parceiros mais fracos. Uma situação que Mario Draghi [presidente do Banco Central Europeu] denunciou há já um ano, explicando que "não é legítimo nem sustentável que alguns países prossigam políticas económicas suscetíveis de afetar negativamente as economias de outros Estados-membros da Zona Euro”.

Nunca será de mais repetir: as condições pouco ideais em que a Zona Euro opera hoje são imputáveis à conceção defeituosa de uma união política incompleta. É por isso que a solução não está em atirar o problema para cima dos ombros dos países afetados pela crise, concedendo-lhes empréstimos. A imposição de políticas de austeridade não basta para corrigir os desequilíbrios económicos que prevalecem na Zona Euro.

Só uma política orçamental, económica e social comum, ou pelo menos bem coordenada, permitiria nivelar os diferentes níveis de produtividade a médio prazo. E se não quisermos transformar tudo em tecnocracia, convém perguntar aos cidadãos o que pensam de um Kerneuropa [núcleo europeu] democrático. Wolfgang Schäuble não o ignora e não diz nada de diferente nas entrevistas que deu ao [semanário alemão] Der Spiegel, apesar de isso não se traduzir minimamente no seu comportamento político.
Posição embaraçosa

A política europeia está num impasse, o que [o sociólogo alemão] Claus Offe demonstrou claramente: se não queremos abandonar a Zona Euro, impõe-se uma reforma institucional – que vai levar tempo –, por mais impopular que seja. É por isso que os políticos que disputam a continuação no poder adiam constantemente a resolução do problema. O governo alemão, em particular, encontra-se perante um dilema: há muito que assumiu, pela sua atuação, a responsabilidade pan-europeia.

É também o único governo capaz de lançar uma iniciativa promissora para se avançar – e deve, para tal, associar a França ao processo. Não estamos a falar de trivialidades, mas de um projeto em que os estadistas europeus mais proeminentes investiram esforços consideráveis ​​durante mais de meio século. Por outro lado, é preciso saber o que se entende por “impopular”.
Subestimar os eleitores ou exigir muito pouco da sua parte é sempre um erro

Qualquer solução política sensível requereria a aprovação democrática dos eleitores. E quando fazê-lo, senão antes de eleições legislativas? Tudo o resto é sofisma e paternalismo. Subestimar os eleitores ou exigir muito pouco da sua parte é sempre um erro. A meu ver, continuar a fechar os olhos, como se nada tivesse acontecido, persistindo em disputas míopes sobre negociações de pormenor à porta fechada, como é a sua forma de proceder atual, é um fracasso histórico das elites políticas alemãs.

Em vez disso, deviam dirigir-se sem rodeios a eleitores cada vez mais inquietos, que nunca foram confrontados com questões europeias de fundo. Deviam encetar um debate, inevitavelmente produtor de clivagens, sobre as opções possíveis, cada uma com os seus custos. Edeviam acabar com o código de silêncio que reina sobre os efeitos redistributivos negativos, a que os “países doadores”, pelos seus interesses a longo prazo, se têm de acomodar a curto e médio prazo, por tratar-se da única resposta construtiva para a crise. A resposta de Angela Merkel é conhecida – gesticulações de efeito soporífero. A sua personagem pública parece desprovida de núcleo normativo.

Desde o início da crise grega em maio de 2010 e da derrota [dos democratas-cristãos de Merkel] nas eleições regionais da Renânia do Norte-Vestefália, ela subordina cada movimento seu ao oportunismo de permanecer no poder. Desde o início da crise, a hábil chanceler manobra com sagacidade, mas sem princípios identificáveis, ​​e priva pela segunda vez as eleições legislativas de qualquer assunto polémico, sem falar da política europeia, tema cuidadosamente alienado.
A Europa a afundar-se

Pode gizar o seu caminho à vontade, porque a oposição, se se aventurasse a pressionar na questão sensível da Europa, arriscava-se a levar com o argumento de peso da “união da dívida”. E vindo de pessoas que só poderiam dizer a mesma coisa, se abrissem a boca.

A Europa está a afundar-se e o poder político cabe àqueles que decidem sobre a admissão ou licenciamento de temas a serem discutidos pelo público. A Alemanha não está a cuidar dos louros colhidos, está sentada num barril de pólvora. Falência das elites? Os países democráticos têm os dirigentes políticos que merecem. E é um pouco estranho esperar dos eleitos um comportamento diferente do vulgar.

Estou feliz por viver, desde 1945, num país que soube dispensar heróis. Também não acredito que sejam os indivíduos que fazem a história, pelo menos não em geral. Mas constato que há circunstâncias excecionais em que a perspicácia e a imaginação, a coragem e o sentido das responsabilidades dos depositários do poder influem sobre o curso dos acontecimentos.

Jürgen Habermas :
“Temos de desenvolver uma solidariedade comum”

Falando no 23º Congresso Internacional Mundial de Filosofia, realizado em Atenas de 4 a 10 agosto de 2012, o filósofo alemão Jürgen Habermas debateu o presente e o futuro da Europa. Numa conferência de imprensa, afirmou que "os governos que impuseram os programas de austeridade têm de assumir a responsabilidade pelas consequências nos países do Sul", relata o jornal grego To Vima.

Para evitar o surgimento de nacionalismos, observou Habermas, os "cidadãos europeus" têm de ser informados e desenvolver-se "uma solidariedade comum". "Mesmo quando votamos para o Parlamento Europeu", argumentou, "cada país vota em função do interesse nacional". Para o filósofo alemão, isso exige ser alterado. Informar corretamente o eleitorado e os cidadãos dos diversos países, requer pelo menos de cinco anos:


Temos a obrigação de nos familiarizarmos com as questões que dizem respeito a todos os europeus, incluindo os procedimentos legais e as instituições; temos a obrigação de ser informados sobre a complexidade das exigências europeias, e esta sensibilidade em relação à política de cooperação deve nortear o discurso público.

Espaço Schengen



Búlgaros e romenos permanecem na segunda divisão


19 outubro 2012 Sega Sófia

Christo Komarnitski

Discriminação no emprego, ameaças de cancelamento de vistos, entre outras. Mais de 5 anos após a adesão à UE, búlgaros e romenos são tratados como cidadãos de segunda, lastima um colunista de Sófia. E isso não parece incomodar ninguém, a começar pelos seus próprios dirigentes políticos.
Svetoslav Terziev

Em breve, vamos ter que pedir desculpa por existirmos. Vários grandes países da Europa aguardam, angustiados, a chegada da fatídica data de 2014, ano em que búlgaros e romenos deixarão de ter oficialmente qualquer restrição de acesso ao mercado de trabalho nos outros países da União Europeia. Alguns imaginam já a forma de os impedir, tornando-os permanentemente cidadãos europeus de segunda classe.

A fim de reparar o "erro" da adesão prematura de Bucareste e Sófia, em 2007, a ideia da Holanda é tentar, pelo menos, impedir-lhes o acesso ao espaço Schengen de livre circulação. E tem encontrado um forte apoio em países como a Alemanha, a Bélgica e a Finlândia. A França já contribuiu com a sua campanha contra os ciganos, acompanhada de uma desconfiança crescente para com búlgaros e romenos, em geral. Mas foi o Reino Unido que deixou mais claro o que vai na cabeça de todos: que Sófia e Bucareste façam formalmente parte da UE (aliás, expulsá-los da União nem sequer é possível), mas que os seus cidadãos sejam sujeitos a um novo regime de vistos. Uma medida que, de uma assentada, dissipa as preocupações dos holandeses em relação à supressão das fronteiras internas, responde à aversão francesa à entrada de ciganos estrangeiros e apazigua o medo britânico de serem despojados dos seus postos de trabalho mais precários e mais mal pagos.
Travar candidatos a emprego

A coincidência temporal de dois acontecimentos inequívocos não é certamente um acidente. A 7 de outubro, Theresa May, ministra britânica do Interior, rasgou literalmente o principal contrato europeu, que estipula a livre circulação de pessoas, propondo que esse direito seja banido para os nacionais de "alguns países". Ficou claro para todos que se tratava da Bulgária e da Roménia. No dia seguinte, o eurodeputado búlgaro Ivaylo Kalfin (Partido Socialista) divulgou a resposta do comissário para os Assuntos Sociais, Lászlo Andor, ao seu requerimento de 11 de julho passado, solicitando a avaliação da discriminação de que são alvo os búlgaros e romenos no Reino Unido. "Nada a dizer" é, em suma, a conclusão de Bruxelas, após dois meses de reflexão sobre o assunto.

No entanto, os factos estão patentes, basta encarar a realidade de frente. Desde o início do ano, Londres pôs em ação a sua imensa máquina burocrática para travar os candidatos estrangeiros a postos de trabalho, fazendo arrastar os processos para além dos seis meses de lei e remetendo cada vez mais os búlgaros e os romenos para os meandros do trabalho clandestino.

O Reino Unido é um dos dez países que mantiveram o adiamento máximo de sete anos para abrir o seu mercado de trabalho aos dois últimos países a entrar para a UE. Motivo? O enorme afluxo de cidadãos búlgaros e romenos ameaçaria desestabilizar o mercado britânico. De acordo com o Eurostat, há cerca de cinco milhões de estrangeiros a trabalhar em solo britânico, dos quais apenas 15.000 búlgaros. Vários analistas consideram que são, efetivamente, muitos mais; mas é pouco provável que um país povoado por 63 milhões de pessoas sinta a sua presença como um peso.

Forçados a trabalhar pelos seus próprios meios, aceitam salários mais baixos do que o salário mínimo e não contribuem para qualquer seguro de saúde local, apenas fazendo concorrência a outros imigrantes tão miseráveis como eles.

Uma investigação recente da BBC mostrou os podres deste sistema, filmando com câmara oculta os infortúnios de uma criada de quartos oriunda da Roménia. Quando ela perguntou porque lhe pagavam três vezes menos do que o valor-hora mínimo, o empregado da agência de emprego rasgou-lhe o contrato e pô-la na rua.
Novo mundo, novo horizonte

Do ponto de vista dos búlgaros honestos, esta discriminação é dupla, pois a Europa castiga-os também na Bulgária. Tenta-se, assim, fechar-lhes a única saída para a crise dos últimos 20 anos, ou seja, o terminal de partidas do aeroporto de Sófia – símbolo da esperança de que a vida, por pior que seja no país, pode recomeçar sob céus mais clementes. Quase um milhão de jovens já deixou o país e outros sonham fazê-lo. Fechar as fronteiras vai dar origem a sentimentos antieuropeus, ao mesmo tempo que aprofundará os problemas internos. O horizonte dos novos potenciais imigrantes afastar-se-á logicamente para os países do novo mundo. Mas em que é que isso vai fortalecer a identidade e a força da nova Europa? É óbvio que os búlgaros devem, em primeiro lugar, dirigir sua raiva para os seus dirigentes, que são responsáveis ​não apenas pelas desgraças do país, mas também pela sua má imagem no mundo. O primeiro-ministro Boyko Borisov, que perdeu a sua aura de homem providencial no exterior, podia perguntar ao seu homólogo britânico, David Cameron, se é assim que encara a sua relação de amizade, tão enaltecida a 7 de agosto em Londres. Não são tu-cá, tu-lá os dois? "Chegámos a acordo com o David..." "Disse ao David...", gabava-se Borisov, após a sua visita a Downing Street. Pegue agora no telefone e diga-lhe: "Olha, David, já




Holanda: Os imigrantes integrados nas redes turcas


17 maio 2013 De Standaard Bruxelas
A estação de autocarros de Shumen (Bulgária). Vários autores de fraudes à custa dos seus compatriotas na Holanda provêm desta cidade do nordeste do país. Feradz

No final de abril, surgiram notícias sobre um escândalo envolvendo búlgaros que reivindicavam apoios sociais holandeses, apesar de não viverem na Holanda. Mas serão esses emigrantes pobres apenas vítimas de grupos criminosos turcos organizados, residentes na Holanda?
Marloes de Koning

Mitko Dimitrov Iliev pediu o seu primeiro passaporte aos 50 anos. É um homem pequeno com dentes tortos e um ar tímido. A sua casa em Ivanski, uma aldeia no nordeste da Bulgária, está em mau estado, mas é espaçosa. A estante alberga pouco mais do que um acordeão. Utilizou-o no ano passado para tentar ganhar algum dinheiro, tocando na cidade holandesa de Groningen.

Foi aí abordado por um grupo de turcos, quando tocava na rua. Ofereceram-se para o ajudar a inscrever-se junto das autoridades municipais. “Um dos turcos fazia a tradução, por isso não percebia nada do que diziam entre eles.” O turco em questão prometeu-lhe um novo telemóvel e disse: “Vamos lá dar início a um negócio.” Fez Mitko, que é analfabeto, assinar uma resma de documentos. Mitko afasta o polegar do indicador uns 15 centímetros. Era a espessura da resma.
Pedidos de subsídios fraudulentos

Os turcos desempenham um papel preponderante na organização de pedidos de subsídios fraudulentos na Holanda, operando a partir do país, mas também da Alemanha, Bélgica e Bulgária. Para não falar da exploração de búlgaros analfabetos. A Bulgária tem uma grande comunidade de língua turca. É composta por pessoas de etnia turca e cigana, que começaram a considerar-se turcos depois de 1989. O facto de comungarem da mesma língua e religião permitiu-lhes criar facilmente amizades nas grandes comunidades turcas da Europa Ocidental.

Mitko recebeu €200, mas nunca viu o rasto do prometido telemóvel. Contudo, algumas semanas mais tarde, o seu telemóvel antigo começou a tocar sem parar. Era invariavelmente um holandês, que ele não conseguia entender. Ao fim de algum tempo, percebeu que devia ser um funcionário do banco. Mitko acha que era do banco holandês que tem um leão cor de laranja no logótipo, porque viu o símbolo num cartão multibanco.

O banco continuou a ligar. Mitko começou então a desconfiar de que tinha um negócio e dívidas consideráveis na Holanda. Era uma coisa que já tinha acontecido a várias pessoas suas conhecidas. Não faz ideia dos montantes envolvidos, visto que o único pedaço de papel que tem consigo é o comprovativo da sua inscrição nos serviços municipais. Há poucos dias, Mitko resolveu desligar o telefone e meter-se num minibus de regresso à Bulgária. “Estou com medo que me venham penhorar a casa ou prender-me por um delito que não cometi.”
Saídas constantes de minibus da Bulgária

Ivanski é apenas uma de muitas aldeias búlgaras de onde partem constantemente minibus para a Holanda. Num levantamento de apenas uma noite na capital do distrito, Shumen, obtivemos uma lista de sete locais de partida, num raio de 30 quilómetros. Na maioria dessas aldeias, há um ou dois homens que asseguram os contactos e organizam o transporte.

“A invasão dos sistemas sociais do Ocidente por minorias búlgaras, ciganos e turcos, está já lamentavelmente institucionalizada e profissionalizada”, diz Krastyo Petkov, professor de Sociologia da Universidade de Economia Nacional e Internacional de Sófia. O professor Petkov especializou-se em migração económica para a União Europeia e tem realizado trabalho de campo na Bélgica.

Segundo ele, redes informais com laços familiares no sentido mais amplo do termo têm vindo a tornar-se mais estáveis e cada vez mais subtis com o passar dos anos. Um delegado do Ministério Público búlgaro envolvido no caso holandês, põe a questão da seguinte forma: “Surpreende-me que ainda não tenhamos recebido nenhuma queixa da Alemanha. A Finlândia deportou três aviões apinhados de gente há cerca de um ano. Deram-lhes presentes e um aviso sério para não voltarem.” Sorri. “As pessoas que viajam para as nações mais ricas da Europa agem desta maneira. Quando pretendem realmente trabalhar, vão para Espanha ou Grécia.”

As redes desenvolvem-se em três níveis. Os “peões”, que são responsáveis por recrutar pessoas na Bulgária, têm geralmente alguns estudos e falam melhor línguas do que o cidadão médio. Estabelecem contacto com as pessoas encarregues de organizar alojamento e registos no país de destino. Acima deles, há os “chefões”, pessoas que garantem proteção. Sabem como resolver problemas com a polícia e a lei, e têm os contactos certos para serem bem sucedidos.
Turismo social

O professor Petkov baseia parcialmente as suas conclusões em entrevistas realizadas com ciganos em Bruxelas. “A Bélgica está a braços com o mesmo problema de ‘turismo social’ da Holanda”, defende. Uma das razões para uma grande parte dos ciganos da Bulgária ter optado, nas últimas duas décadas, por converter-se ao Islão e falar turco é isso dar-lhes maior acesso às comunidades turcas. “Essas comunidades ajudam-nos a arranjar residência, mas não a integrá-los.”

Na prática, a primeira e a segunda geração de turcos tornam-se patrões e empregadores dos búlgaros recém-chegados. As mesmas redes que organizam o “turismo social” estão também muitas vezes envolvidas em prostituição e tráfico de seres humanos para trabalhos ilegais mal pagos, através de subcontratantes no setor agrícola. “Exploram-nos.”

Gancho e Veneta Todorov, de Salmanovo, uma aldeia com 900 pessoas e seis orquestras, regressaram de Zwolle há poucas semanas. Veneta vende jornais de rua em frente ao supermercado Jumbo, e Gancho no Aldi. Têm tulipas no jardim em frente da sua vivenda, e servem amendoins de uma filial holandesa da cadeia Aldi, sentados à sombra das parreiras.

Quando vão trabalhar para a Holanda, os seus três filhos ficam ali com os avós. Alugam um quarto a uma africana, em Zwolle, por €5 a noite. “Os espaços apertados põem-me doido”, lastima-se Gancho. Está evidentemente feliz por voltar ao seu jardim, que alberga também um grande galinheiro. O facto de os búlgaros necessitarem de um visto de trabalho na Holanda e na Bélgica torna-os particularmente vulneráveis. “Os turcos prometem pão, mas só nos dão migalhas. São mentirosos, mas, se alguém reclama, ameaçam denunciá-lo à polícia.”

Os Todorov estão ansiosos pelo próximo ano, quando os búlgaros vão deixar de precisar de autorizações de trabalho. “Vou, finalmente, poder aceitar os empregos que me têm sido oferecidos”, diz Gancho. “Por exemplo, nos correios, no setor agrícola ou num matadouro de aves. Hoje, somos pouco mais que mendigos.”


Imigração: A Alemanha acusa a Itália de empurrar clandestinos para o Norte


29 maio 2013
Presseurop Linkiesta


“A Itália paga aos imigrantes para irem para a Alemanha”, titula o Linkiesta citando uma acusação feita pelo serviço de imigração de Hamburgo. As autoridades da cidade afirmam terem detido cerca de 300 africanos imigrantes detentores de autorizações temporárias revogadas emitidas na Itália e pedem que sejam reconduzidos para o país. Confessaram que lhes foi explicitamente dito por funcionários italianos para se dirigirem à Alemanha, o destino predileto da maioria dos imigrantes que chegam à UE através daquele país mediterrânico, sendo-lhes dados €500 caso aceitem.

Segundo o sítio de informação, as autoridades italianas admitiram implicitamente serem responsáveis pela situação e mostraram-se dispostas a acolher novamente os imigrantes. A maioria foi recebida com estatuto de refugiado por fugir de uma guerra civil na Líbia em 2011 e à posterior onda de ataques xenófobos, que veio na sequência do assassínio de Muammar Kadhafi. O problema é que são cidadãos provenientes de “países considerados democráticos, como o Gana, o Togo e a Nigéria”, escreve La Repubblica, o que significa que qualquer pedido de asilo na Alemanha seria recusado, apesar das circunstâncias em questão.

O problema, que veio alegadamente da necessidade de encerrar temporariamente centros de detenção na Itália, foi descoberto meses antes e abrange um número bem maior de imigrantes na Alemanha, escreve La Repubblica, acrescentando:


Agora que as eleições federais alemãs se estão a aproximar, este tema será muito provavelmente aproveitado em debates públicos.


A Áustria aos refugiados: fiquem calados ou arriscam a deportação


14 agosto 2013 Gazeta Wyborcza Varsóvia
Manifestação de refugiados do campo de Traiskirchen, em Viena, a 11 de novembro de 2012 ©Martin Juen



A Áustria, onde os democratas-cristãos fazem parte da coligação, está a deportar refugiados paquistaneses, condenando-os praticamente à morte. E, no entanto, poucas semanas antes o Papa Francisco tinha falado em defesa deles. As suas palavras moveram muitas pessoas, mas pelos vistos não chegaram aos ouvidos dos políticos austríacos, realça a Gazeta Wyborcza.
Bartosz T. Wieliński

Toda esta terrível história nunca teria acontecido se os imigrantes paquistaneses em situação irregular, que pediram asilo na Áustria, se tivessem mantido em silêncio. Mas, por pensar que estavam num país democrático, decidiram pedir publicamente um tratamento digno. Em vez de passar o resto das suas vidas em campos de refugiados sobrepovoados em Traiskirchen perto de Viena e trabalhar de forma ilegal, decidiram sair às ruas, no mês de novembro do ano passado, para se manifestar contra as condições precárias nas quais se encontravam.

A polícia expulsou-os imediatamente. Conseguiram encontrar refúgio numa das igrejas e, mais tarde, foi-lhes oferecido abrigo pelo mosteiro da Ordem dos Servos de Maria. Mas no domingo do dia 4 de agosto, as autoridades, que não se esqueceram do que ocorrera, prenderam e deportaram imediatamente 8 dos 40 paquistaneses envolvidos na manifestação.
As autoridades declararam que nada poderá impedir o plano de funcionar como previsto

Os ativistas austríacos que, juntamente com a Igreja Católica, apoiam os refugiados paquistaneses, tomaram várias iniciativas para impedir a sua deportação. Um dos ativistas comprou um bilhete de avião para o mesmo voo que iria deportar um paquistanês e tentou impedi-lo de arrancar, mas foi rapidamente neutralizado pela polícia. Pior ainda, os polícias voltaram-se contra os próprios ativistas. Três pessoas foram detidas por tráfico de seres humanos na semana passada, e a polícia revistou o mosteiro. As autoridades declararam que nada poderá impedir o plano de funcionar como previsto.
Medo e impotência
Para eles, a deportação é uma condenação à morte: pelas forças de segurança ou pelos talibãs

Não estaria a escrever sobre este assunto com tanto pormenor se não tivesse conhecido em pessoa os refugiados do mosteiro de Viena. Passei umas horas com eles em abril. Os seus olhos refletiam um sentimento de medo e de impotência. A maioria era defensora dos direitos humanos no Paquistão e teve de fugir do país. Para eles, a deportação é uma condenação à morte: pelas forças de segurança ou pelos talibãs.

Os candidatos ao asilo não percebiam como é que o Governo austríaco considerava o seu país de origem um oásis de democracia. O próprio ministro dos Negócios Estrangeiros, adiantaram eles, lançou avisos aos turistas austríacos para se manterem longe do Paquistão. Portanto, por que é que as autoridades disseram, relativamente aos refugiados, que estes não corriam perigo e que podiam ser deportados?

A Áustria é, sem dúvida alguma, um país governado por leis, com regulamentos sobre o tratamento dos imigrantes. Também é verdade que muitos asiáticos e/ou africanos vêm para a Europa por razões exclusivamente económicas, utilizando a perseguição política e religiosa como pretexto.

Um pequeno país como a Áustria não pode simplesmente acolhê-los a todos. No entanto, a lei não deve ser aplicada de forma generalizada. Cada caso individual deveria ser tratado atempadamente. Os refugiados não são animais. Além disso, há anos que a opinião pública tem conhecimento das condições dos campos de refugiados na Áustria, que são escandalosas.
Condições terríveis

Mas o Governo em Viena nunca se preocupou com as críticas e acabou por escolher a pior forma de resolver o problema. A deportação dos paquistaneses começou na véspera das campanhas eleitorais, numa altura em que o principal defensor dos refugiados, o Cardeal Christoph Schönborn, arcebispo de Viena, estava fora do país e não podia, portanto, intervir em sua defesa. Neste contexto, as alegações segundo as quais a coligação (SPÖ, socialista, e ÖVP, democrata-cristão) está a tirar partido desta situação para reforçar a sua influência política, atraindo a simpatia do povo, não são de todo surpreendentes.

Mas a Áustria não é o único país em que os refugiados enfrentam condições terríveis. Na Grécia, a polícia de fronteiras persegue-os como se fossem gado. Os italianos enviaram furtivamente imigrantes africanos para a Alemanha. No Reino Unido, uma recente campanha governamental alerta os imigrantes clandestinos que, se não saírem do país, acabarão presos. Na Polónia, como o demonstrou recentemente um canal de televisão público, os centros de detenção para refugiados funcionam como verdadeiras prisões.

Há um mês, na ilha italiana Lampedusa, onde milhares de africanos, que chegam de barco, encontram temporariamente refúgio, o Papa Francisco declarou que queria convencer os católicos a mudar de atitude em relação à tragédia que abala os imigrantes. Quer que comecemos a tratá-los como pessoas necessitadas. Quando é que a Europa começará a dar-lhe ouvidos? 


IMIGRAÇÃO, UM DESAFIO PARA A EUROPA (5/5): Os Balcãs, antecâmara da Europa


19 agosto 2013 El Periódico de Catalunya Barcelona
A adesão da Croácia à União Europeia, em julho, reativou a rota da imigração clandestina que atravessa os Balcãs a partir da Grécia em direção ao resto da UE. O número de migrantes ilegais aumenta nos países envolvidos, onde as estruturas de acolhimento são praticamente inexistentes.
Quando a noite cai, entram para automóveis particulares ou carrinhas que alugam a habitantes locais. Isso custa 600, 1000 euros ou mesmo mais. É uma viagem tipo cara ou coroa, mas, nos dias que correm, a cara ganha várias vezes: muitos conseguem chegar à Eslovénia e, daí, seguem para Itália e para o resto da Europa. Sentado num café das proximidades da Praça Ban Jelacic, em Zagrebe, P.W.S., um nigeriano radicado na capital croata, bebe um trago de café e tira do bolso um velho telemóvel. "Está a ver? Tenho aqui os SMS… dizem que se vive melhor no Norte."
Uma conjuntura que tem também reflexos sobre o número de estrangeiros em situação irregular detetados na Croácia, que, entre 2011 e 2012, passaram de 3461 para 6541 (um aumento de 89%)
A coincidir com a entrada da Croácia na União Europeia (UE), os últimos dados da Comissão Europeia são claros. As rotas de imigração ilegal dos Balcãs foram reativadas. No total, entre 2011 e 2012, o número dos "sem papéis" identificados na região aumentou de 26 223 para 34 825 (33%). As fronteiras mais procuradas foram a da Croácia com a Eslovénia (95%) e a da Sérvia com a Croácia (118%). Uma conjuntura que tem também reflexos sobre o número de estrangeiros em situação irregular detetados na Croácia, que, entre 2011 e 2012, passaram de 3461 para 6541 (um aumento de 89%).

Croácia ultrapassa a Grécia

"Durante o quarto trimestre de 2012, o número de detenções por entrada ilegal na Croácia e na Sérvia foi mais elevado do que em qualquer Estado-Membro [da UE], incluindo a Grécia, ou do que em qualquer um dos países associados do espaço Schengen", indica o relatório Western Balkans Risk Analysis 2013, da Frontex, a agência que controla as fronteiras externas do território comunitário.
De referir, neste ponto, o caso curioso de Blaz Topalovic, o chefe da polícia de Vukovar –perto da fronteira com a Sérvia –detido em 2 de agosto por tráfico de imigrantes. O problema é que, independentemente de um ou outro progresso legislativo realizado, nestes países, as práticas relativas à integração dos imigrantes não brilham pela eficácia. Na Croácia, por exemplo, não existem centros para menores em situação irregular e só há um para adultos, que está prestar a atingir a sua capacidade máxima.
A situação é idêntica no outro centro, localizado em Kutina e destinado aos requerentes de asilo político e proteção humanitária, estatuto que a Croácia praticamente não concede. Segundo dados do ACNUR [Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados], dos 3228 pedidos apresentados naquele país entre 2004 e 2012, só foram aprovados 50 para refugiados e 80 para ajuda humanitária.

“Um país de passagem”

"Eu vou ficar, mas faço parte de uma minoria"
O nigeriano P.W.S. esboça um sorriso: foi um dos poucos a ver o seu pedido aprovado. Chegou clandestinamente ao país há ano e meio e, há alguns meses, conseguiu o asilo político e um passaporte croata. "Eu vou ficar, mas faço parte de uma minoria", sublinha este imigrante, recrutado como intérprete por uma ONG. "Para os imigrantes, a Croácia é considerada como um país de passagem", concorda a jornalista especialista em minorias Barbara Matejic.
Seja como for, o fenómeno torna-se ainda mais complicado, se se tiver em conta que estas rotas são muitas vezes coincidentes com as de tráficos ilegais, que passam pela região, e que a UE receia agora venham a aumentar. "Poderá vir a verificar-se um aumento do fluxo de armas dos Balcãs para a Europa, depois da adesão da Croácia, e da transposição ilegal das fronteiras da UE na zona montanhosa que separa a Croácia da Bósnia-Herzegovina", diz a agência de controlo fronteiriço Frontex.
Traduzido por Fernanda Barão
 



Todos unidos contra o reinado do inglês


15 agosto 2013 România liberă Bucareste
Robyn Lee

Perante o crescente entusiasmo dos europeus em adotar o inglês como língua franca, um intelectual romeno lança um sinal de alarme e apela à mobilização pela salvaguarda das línguas nacionais.
Ovidiu Pecican


 

A idade do gelo


14 agosto 2013 Trouw Amesterdão
Não será propaganda gay…!?


Várias personalidades europeias entre elas o ator britânico Stephen Fry, apelaram a um boicote dos Jogos Olímpicos de Inverno, marcados para o príxmo anos em Sochi, na Rússia. O motivo é a recente lei russa que castiga qualquer ato de “propaganda” homossexual diante de menores com uma pena que pode ir até 15 dias de prisão.

O Comité Olímpico Internacional (COI, IOC em neerlandês) quer “esclarecimentos” das autoridades de Moscovo sobre esta lei. Já a FIFA, que organiza o Mundial de Futebol de 2018 na Rússia, pediu-lhes “clarificações” sobre o assunto.

Os checos resistem


14 agosto 2013 Respekt Praga


Kopelnitsky


A UE dedica-se, com sucesso, a uma metódica caça ao tabaco nos lugares públicos. Só a República Checa resiste: fiel à sua conceção liberal, procura, por todos os meios, contornar a regulamentação europeia.
Tomáš Sacher

Façam ó-ó


13 agosto 2013 Süddeutsche Zeitung Munique
Façam ó-ó – Pepsch
Angela Merkel:
Eles não fazem mal, só nos protegem!

Enquanto Berlim e Washington tentam desarmar o escândalo provocado pela espionagem da NSA na Alemanha e o papel colaborador dos serviços secretos alemães (BND), multiplicam-se as revelações sobre a amplitude da rede de espionagem da agência americana no país.
Der Spiegel informa, assim, que a base militar americana de Griesheim (Hesse) alberga o quartel-general do Centro de Encriptação Europeu da NSA, "o mais importante centro de análise e recolha de dados da Europa".

 

 

Londres fecha a porta na cara do mundo

13 agosto 2013 Financial Times Londres
No cartaz: "Abaixo a Europa e os imigrantes". "Finalmente parecem-se connosco" Patrick Chappatte


A série de políticas anti-imigração envia uma clara mensagem aos visitantes estrangeiros do Reino Unido – afastem-se. O Reino Unido precisa de uma política de imigração inteligente e eficaz, e não de políticos que apenas se exibem para o setor populista da opinião pública, escreve um colunista do “Financial Times”.
Philip Stephens



Não nos centremos nos colonos

13 agosto 2013 De Volkskrant Amesterdão

"A mesa das negociações? É a última grua, à direita" Plantu

Chiu!


12 agosto 2013 The Independent Londres




"HMS rumor de sabres"

Nas bandeiras: "A Inglaterra espera que todos os homens estejam distraídos"

A tensão sobe de tom entre a Espanha e o Reino Unido à propósito de Gibraltar: a 12 de agosto, o Governo britânico anunciou que ia iniciar ações legais "sem precendentes" na UE, devido ao reforço dos controlos à entrada do Rochedo pelas autoridades alfandegárias espanholas.

Estes provocaram filas de até sete horas durante o fim de semana.


O problema da integração à sueca


Cidadãos numa manifestação contra a violência policial e o vandalismo na periferia de Estocolmo, 22 de maio de 2013


12 agosto 2013 NRC Handelsblad Amesterdão


A Suécia crê-se uma sociedade homogénea e igualitária. Na realidade, o país tem dificuldade em integrar as suas minorias e a segregação está na ordem do dia.
Maartje Somers

Para Nazanin Johansson, nunca houve problema. Evidentemente, repara-se nela por causa dos seus cabelos escuros, dos olhos castanhos e dos seus traços persas. E ela sabe que, mais do que qualquer outra pessoa, tem de dar o seu melhor. Apesar disso, para ela, a Suécia é um país que vale a pena. Onde, por exemplo e tal como ela, alguém se pode tornar uma dinâmica mediadora de um centro de emprego num bairro difícil.

Mas é preciso muita vontade. No entanto, quando Nazanin fala com os jovens, por vezes, tem dúvidas. “Eles querem um bom emprego, mas só se for uma coisa gira. E não querem começar de baixo. Por vezes, esquecemo-nos que a mentalidade de um grande número de jovens é um fator importante.”
Durante uma semana, houve carros incendiados e confrontos com a polícia.

Nazanin trabalha no centro de emprego de Kista, um subúrbio de Estocolmo, que também é o centro tecnológico da capital sueca. Mas Kista também fica situado entre Rinkeby, Husby e Tensta, os bairros onde rebentaram os motins desencadeados por jovens e que fizeram as primeiras páginas dos jornais, em maio passado. Durante uma semana, houve carros incendiados e confrontos com a polícia.

As imagens que vinham da Suécia deram a volta ao mundo. Um sentimento de raiva num país onde o governo toma conta das pessoas desde o primeiro grito até ao seu último suspiro? Racismo e segregação no país mais igualitário do mundo?
As desigualdades aumentaram

Rapidamente se tornou evidente que era verdade. Enquanto o mundo estava distraído, o modelo sueco era posto em causa. Depois de uma bolha económica durante a década de 1990, a coligação de centro-direita, liderada por Fredrik Reinfeldt, em 2006, cortou as despesas públicas, ao mesmo tempo que baixava a taxa máxima de imposto.

A Suécia continua a ser uma sociedade igualitária, mas as desigualdades aumentaram mais do que em qualquer outro país da Europa. Tal como no resto da Europa, os imigrantes, os trabalhadores pouco qualificados e os jovens – sobretudo os rapazes -, são os mais desfavorecidos. E tal como no resto da Europa, há muitos arruaceiros em todas essas categorias.

A Suécia concede, todos os anos, cada vez mais vistos de residência, ao contrário de muitos países da Europa, onde esse número baixou. Os 110 mil vistos concedidos em 2012 foram um recorde. Entre os refugiados há agora, sobretudo, sírios, somalis, iraquianos e ciganos.

Sair dos subúrbios, contudo, é agora muito mais difícil para eles do que foi para quem chegou anteriormente. Há menos empregos, a sociedade tornou-se mais complexa, a fasquia está muito mais alta. “Gostava de ser vigilante mas, para isso, preciso de ter carta de condução” explica, por exemplo, Sameh Sakr, um egípcio de 22 anos que mora no bairro de Hallunda. “Uma carta de condução”, ironiza. “Mas onde vou arranjar dinheiro para a pagar?”
Rumo às comunidades fechadas

Na Suécia, a segregação é enorme. Em Estocolmo, a maior parte dos imigrantes vive em cidades-jardins que se estendem ao longo da linha de metro azul, que recebeu a alcunha de Expresso do Oriente. São prédios de betão de três a sete andares, construídos nos anos 1960 e 1970.
Em alguns bairros, 80% das pessoas que ali vivem são imigrantes de primeira ou de segunda geração

Em alguns bairros, 80% das pessoas que ali vivem são imigrantes de primeira ou de segunda geração e 50% estão desempregadas, contra os 8% de taxa global de desemprego da Suécia. Um imigrante em cada quatro não acabou a escolaridade. E se 3% das crianças suecas são pobres, essa taxa sobe para os 40% entre as crianças filhas de imigrantes.

Em termos de habitação, existe separação entre ricos e pobres em todas as cidades da Europa. Mas, em Estocolmo, há ilhas e vastas zonas verdes entre os bairros, o que faz com que as classes prósperas se tornem quase automaticamente gated communities, comunidades fechadas. O bairro de Nockeby está cheio de moradias completamente equipadas com sistemas de alarme. Em contrapartida, perto da estação de metro de Rinkeby, há homens deitados nos bancos da rua. Há, também, um café turco e um bazar somali, mas não há uma caixa Multibanco.

Como é possível que a igualitária Suécia tenha deixado crescer a este ponto as suas estatísticas alarmantes e as suas ilhas de descontentamento? Não é porque os poderes públicos não se interessam pelo assunto. Pelo contrário, o Ministério da Integração e do Emprego quer criar empregos “trampolim” subsidiados e diversificar os cursos de sueco, para que um engenheiro iraquiano não tenha de frequentar as aulas do mesmo nível que um somali que mal sabe ler.
Falar Rinkeby-Svenska, um obstáculo

O ministro da Integração, Erik Ullenhag, defende que não há razão para implantar uma política mais restritiva em matéria de refugiados, como deseja o partido xenófobo dos Democratas Suecos. “Entendemos que se trata de um problema económico e de um problema dos jovens e não de um problema de imigração. Quando endurecemos o tom em relação aos imigrantes estamos, enquanto país, a atentar contra a sua dignidade. Prejudicamos ainda mais a posição de quem já é prejudicado. Além disso, a Suécia precisa de imigrantes.”

Tobias Hübinette, investigador especializado em questões de imigração no Centro Multicultural no subúrbio meridional de Botkyrka, diz que, na realidade, os imigrantes precisam duma enorme vontade, de muita perseverança e de sorte para ultrapassarem o fosso dos salários, da educação e também da diferença étnica.
Frequentemente não são considerados suecos, mesmo que já tenham nascido na Suécia

Frequentemente não são considerados suecos, mesmo que já tenham nascido na Suécia. Por exemplo, quem fala Rinkeby-Svenska, o sueco com sotaque, não tem a menor possibilidade de arranjar um emprego.
Um debate multicultural atrasado

Ullenhag tem a solução: um novo “nós” para a Europa. “Não gosto do facto de, na Europa, o “nós” se referir sempre ao passado. Nos Estados Unidos todas as pessoas que moram em território americano são americanas. Ali, o “nós” está virado para o futuro. É preciso que também seja assim na Europa.”

“Seria tudo muito diferente se começássemos por reconhecer que já não somos o país homogéneo onde toda a gente é igual”, diz o escritor e jornalista Viggo Cavling.

Mas é precisamente isso que a Suécia tem dificuldade em reconhecer, segundo o investigador em imigração Hübinette. “Atualmente, há 19 % de suecos com um ou até mesmo os dois dos seus progenitores de origem estrangeira. Mas ainda não temos consciência disso. É preciso não esquecer que a Suécia nunca teve colónias. É sobretudo por isso que a Suécia é um país nacionalista. Os suecos não gostam apenas de fazer bem, também nos achamos muito bons. Acolhemos voluntariamente os refugiados mas temos dificuldade em reconhecer que os deixamos à mercê de situações inadmissíveis. Temos duas décadas de atraso no debate multicultural.”

A descida dos salários não é a solução


12 agosto 2013 El País Madrid

Cost


Para relançar o crescimento, basta que o Governo de Madrid faça o mesmo que a Irlanda e a Letónia: reduzir os salários. Uma proposta que desencadeou uma vaga de protestos em Espanha e que não teve efeitos positivos, nos países onde foi posta em prática.
Luis Doncel

Há esperança. Foi essa a ideia que o comissário europeu para os Assuntos Económicos quis transmitir, na passada quarta-feira. Olli Rehn escolheu um meio pouco habitual, o seu blogue, para difundir uma mensagem de alta tensão política: a Espanha não precisa de se resignar a uma taxa de desemprego elevada e a um crescimento anémico. Mas, se quiser sair do poço, tem de fazer grandes esforços. Tão grandes como, por exemplo, conseguir que os trabalhadores aceitem uma descida geral de 10% nos seus salários. O vice-presidente da Comissão Europeia apontava dois exemplos para a Espanha: a Irlanda e a Letónia, "duas histórias de sucesso", segundo a expressão de Rehn.

Mas, se observamos bem os casos destes dois países, o "êxito" de que fala o finlandês não parece assim tão claro. O duro remédio aplicado nos dois países colocou a população no limiar da pobreza –no caso da Letónia 40% [da população], a segunda maior percentagem da UE –e fez cair a pique a procura interna. Em contrapartida, esta pequena república do Báltico é um dos Estados-Membros que está a crescer a um ritmo mais elevado. A Irlanda, pelo contrário, continua mergulhada na recessão, depois de uma dura estagnação económica e de uma ligeira recuperação.

"Se três meses consecutivos de quedas do PIB são um êxito, o que será um fracasso, segundo os padrões de Rehn?", pergunta o professor de História Económica da Universidade de Oxford Kevin O‘ourke. Além disso, O‘ourke rejeita por completo o modelo: na Irlanda, não houve uma queda significativa dos salários e as medidas de austeridade não produziram resultados. Os dados do organismo oficial de estatística dão-lhe razão: o custo médio da hora de trabalho manteve-se estável desde o início da crise. "A Grécia foi o único país da zona euro que sofreu uma descida brusca dos salários nominais." Depois de se comprovarem os efeitos que isso teve sobre a sua economia e tecido social, seria melhor ir pensando noutra estratégia.

Dublin passou a ser o bom aluno de Bruxelas – ao contrário da rebelde Grécia – por ter conseguido controlar as finanças públicas desde 2010, ano em que a injeção massiva de dinheiros públicos na banca fez disparar o défice para mais de 30%.
Tirar aos pobres para dar aos ricos

A Comissão Europeia também valoriza o facto de, embora tenha voltado a cair em 2012, o emprego apresentar sinais positivos, devido à lenta queda da taxa de desemprego. Apesar destas melhorias e ao fim de vários anos a cumprir as recomendações do FMI, da Comissão e do Governo alemão, a Irlanda continua em recessão. E, como garantia esta semana, no Irish Examiner, Séan Healy, diretor do grupo de reflexão Social Justice, "a política de austeridade originou a maior transferência da história [do país] de recursos das pessoas com rendimentos médios e baixos para os ricos e poderosos. Os principais beneficiários dessa transferência foram as empresas (sobretudo as multinacionais) e indivíduos endinheirados".

O outro modelo proposto por Rehn conseguiu de facto sair da profundíssima recessão em que caiu em 2009. A Letónia foi o país da UE cuja economia cresceu mais fortemente no ano passado. E está previsto que repita o recorde em 2013.

A taxa de desemprego mantém-se elevada (cerca de 15%, em 2012), mas os prognósticos oficiais apontam para uma descida em breve. O sucesso do seu modelo permitiu que, no próximo dia 1 de janeiro, este país do Báltico possa aceder ao clube do euro, apesar da oposição maioritária da sua população, que receia que o abandono do lats faça disparar os preços.

Até aqui, trata-se de boas notícias. Porque o discurso oficial prefere contornar a questão do alto preço pago pelos letões. O Governo de Riga despediu um terço dos funcionários e os que ficaram tiveram de aceitar reduções de salários de até 40%. Riga cortou as ajudas sociais e aumentou os impostos. A perda de poder de compra de todos os cidadãos, e não apenas dos funcionários públicos, fez-se sentir na procura interna, que caiu mais de 27%, em 2009.
Muitos letões abandonaram o país

A modesta descida do desemprego também se explica pelo facto de, nos últimos anos, muitos letões terem abandonado o país. Entre 2000 e 2011, a população registou uma queda de 13%. A Letónia tem hoje pouco mais de dois milhões de habitantes, o mesmo número que nos anos 1950. Surpreendentemente, os letões não reagiram com greves e manifestações de rua ao estilo grego e, sim, com resignação. Até reelegeram o Governo que empunhou a tesoura.

"As reformas tiveram custos elevados. Aumentaram as desigualdades entre regiões e entre classes sociais", resume Martins Kazaks, economista principal do Swedbank.

Independentemente do êxito ou do fracasso das receitas aplicadas pelos Governos de Riga e de Dublin, os comentários do comissário europeu Rehn também suscitaram dúvidas sobre a possibilidade de o modelo de um país com dois milhões de habitantes, como a Letónia, ser exportado para outro, que tem 46 milhões e é a quarta economia da zona euro, como a Espanha. Fontes comunitárias explicam que Rehn só queria incentivar o debate sobre a situação em Espanha, "dramática para milhões de cidadãos sem emprego", e que não pretendia de modo algum transpor automaticamente as políticas de um país para outro.

Contudo, estas explicações não evitam a indignação que as palavras de Rehn provocaram em sindicalistas, partidos políticos e inúmeros cidadãos. Emilio Ontiveros, presidente do [grupo de empresas] Analistas Financieros [Internacionales], aponta diversos fatores que impedem que as medidas de Bruxelas sejam aplicadas a Espanha: o nível de endividamento privado, a queda que se verificou no rendimento disponível das famílias…

No seu blogue, Rehn dizia que aqueles que rejeitarem automaticamente as suas propostas "carregarão sobre os ombros a enorme responsabilidade pelos custos sociais e humanos" de ter seis milhões de desempregados. Se tiver razão, as culpas estarão distribuídas entre muitos.

Miloš, meu querido Miloš


9 agosto 2013 Der Standard Viena

Miloš, meu querido Miloš – OliverO meu chefe de governo přefeřido!

A crise política iniciada há dois meses com a demissão do primeiro-ministro Petr Nečas não dá mostras de ter fim: o presidente Miloš Zeman anunciou que irá manter o "seu" primeiro-ministro, Jiří Rusnok, apesar de o Parlamento ter retirado todo o seu apoio a 7 de agosto.

A Assembleia convocou igualmente uma sessão extraordinária para 16 de agosto para votar a sua dissolução, facto que irá levar à realização de eleições antecipadas.

A Europa segundo a Ryanair


Clémentine e Redouane, em viagem para a Sicília, a pagar mais €100 que o esperado.


13 julho 2011 Le Monde Paris


Paolo Verzone/Agence VU

Com tarifas aparentemente imbatíveis, a companhia aérea passou a ser um intrumento essencial para a mobilidade dos europeus. Mas a Europa low-cost será parecida com quê? Dois jornalistas do Le Monde andaram por nove países em 5 dias, por 500 euros. Reportagem.
Frédéric Potet

Viagem pela Europa por 500 euros. Pisar o solo de nove países em cinco dias. Apanhar sol (sucintamente) numa praia da Sicília, ver o render da guarda em Buckingham Palace, vaguear pelos bairros típicos do Porto. Num único dia, tomar o pequeno almoço na Letónia, comer batatas fritas na Bélgica ao almoço e deliciar-se com um prato de tapas ao fim do dia na Catalunha.

Só há uma companhia aérea que possibilita um tal périplo: a Ryanair. Muita tinta correu nos jornais, nestes últimos anos, sobre os métodos da rainha do low cost: recurso a subsídios encapotados, desprezo pelas cotizações sociais, uma forma particular de escapar às normas europeias… Uma série de estratégias que permitem à companhia apresentar preços imbatíveis no mercado. Um mercado que nunca tinha sido tão numeroso (73 milhões e 500 mil passageiros, só em 2010).

Somos levados a pensar, portanto, que os clientes da Ryanair são sempre os mais beneficiados. Entre os preços prometidos nos cartazes e os valores realmente desembolsados, a diferença pode ser grande. Os preços indicados, na compra de bilhetes comprados com mais de um mês de antecedência, incluíam inúmeros "extra": taxas de aeroporto, comissão de registo on line, comissão de administração pela utilização de um cartão de crédito… Voar a bordo de um Boeing 737-800 da companhia aérea irlandesa – modelo único, por causa da redução dos custos – é uma experiência singular.

A melhor maneira de dar conta disso mesmo é fazer um uso intensivo da Ryanair. Saltar de um aeroporto para outro a um ritmo regular. Concentrar o centro da cidade dos destinos escolhidos. Comer no avião, obviamente. E interagir com outros utilizadores. Nove voos no programa, 12 000 km no total: Ponham os cintos, por favor.
1º DIA: ANGÚSTIA DO EXCEDENTE

É impossível começar uma odisseia destas sem ser em Beauvais, o eldorado do low cost, onde chegamos depois de 1 h 15 de carro pela porta Maillot, umas duas horas antes da partida do primeiro voo (destino: Sicília), como é recomendado. Passar o tempo entre dois terminais longe das rotas tradicionais faz parte da rotina do viajante poupado. Duas horas, portanto, não são muito para confirmar e verificar se falta alguma coisa. Em especial o cartão de embarque que cada cliente teve de fazer pela Internet: um esquecimento e a impressão no local (pela Ryanair) pode custar 40 euros, o que encarece a folha de papel A4. Este é também o montante exigido pela bagagem de cabine que não se enquadre nas dimensões (55 cm × 40 cm × 20 cm) e no peso (10 kg) autorizados pela companhia.

Com Paolo, o amigo fotógrafo, passei momentos intensos, na véspera, a trocar camisas e material eletrónico para equilibrar as duas malas, que ficaram com 10,1 kg cada uma. Será que um chefe de escala zeloso vai implicar com aqueles 100 gramas a mais? Ou com os 2 centímetros a mais na altura da minha maleta? O Paolo, pelo menos, não tem esta preocupação: comprou o "saco de cabina oficial" vendido pela Ryanair no site on line. Pela módica quantia de 79 euros, por um objeto em poliéster.

Mas é assim que se faz negócio aéreo: um viajante stressado é um bom comprador. Uma equação que a Ryanair levou ao cúmulo ao oferecer diversos serviços de utilidade discutível: SMS de confirmação, embarque prioritário… e um seguro a que só escapamos à custa de uma viva reflexão: a menção "Sem seguro de viagem" aparece bem no meio de uma tira que se estende entre a Letónia e a Lituânia!

Em Beauvais, nessa manhã, a ausência de controlo rigoroso – mesmo a olho nu – é quase dececionante. E se tudo o que ouvimos e lemos sobre o famoso "encerramento" da Ryanair não passar de uma ficção? Paciência… Por mero acaso, nas filas de espera, o casal à nossa frente tem uma opinião sobre o assunto. Clémentine Courbin e Redouane Abdat, estudantes de mestrado na área das relações internacionais em Paris-Dauphine, não estavam descontentes com a compra que fizeram há uma semana: dois bilhetes de ida e volta Beauvais-Trapani por 200 euros. Mas, por uma razão desconhecida – erro de inserção de dados, bug informático? – o nome dela estava na casa destinada ao patrónimo do seu companheiro, no momento da reserva. A retificação do bilhete errado custou-lhes… 100 euros. "Telefonámos para o serviço de reclamações, um centro de apoio localizado no estrangeiro, onde nos dão respostas feitas. Não quiseram saber de nada, apesar da nossa boa-fé. É a primeira vez que viajo na Ryanair. Será também a última", amaldiçoa a jovem mulher.

Chegada a Trapani, não longe da NATO que vão bombardear a Líbia. Ida e volta ao centro da pequena cidade siciliana, cheia de encanto. E partida, ao final da tarde, para o aeroporto Frankfurt-Hahn.

Segundo voo idêntico ao anterior (e aos que vão seguir-se), com a única diferença de que este é noturno. E dormir num aparelho marcado pela harpa céltica (emblema da Ryanair) não é fácil. Os bancos não inclináveis revelam-se um calvário para umas cervicais em final de dia. Mas que havemos de fazer!? É preciso enfiar o máximo de pessoas num avião para os preços compensarem. Que serão ainda mais no dia em que forem postos à venda lugares em pé, ideia lançada em 2009 por Michael O’Leary, o irrequieto diretor-geral da Ryanair.

Portanto, dormir. Também não é fácil quando, a cada 10 – 15 minutos, o pessoal de bordo vem "vender" qualquer coisa. 20% do volume de negócios (3 milhões e 600 mil euros) da Ryanair é realizado com a venda de acessórios. Passemos ao sabor das sanduíches, na proporção inversa do preço cobrado. Na Ryanair, também podemos comprar cigarros eletrónicos ("Uma boa notícia para os fumadores!", diz, com um indolente entusiamo, uma hospedeira de bordo), cartões telefónicos (muito mais vantajosos que "os vossos tarifários astronómicos", diz, inflamada, uma recém-hospedeira), ou raspadinhas do "fantástico" jogo da sorte organizado pela companhia, revertendo uma parte das receitas para obras de caridade.

Mas o máximo – o símbolo de que "certamente já viram a publicidade na televisão" – é um relógio feito a partir de uma pedra semipreciosa que permite melhorar (e citamos) "o descanso", "o relaxamento, "a meditação", "a concentração", a vitalidade"… E até mesmo a "desintoxicação natural do organismo". Festejamos a compra –12 euros– com uma sanduíche quente de mozzarella e tomate com inegáveis propriedades de goma-elástica. Nada a recear, pois temos o relógio.




Abaixo o low-cost a qualquer preço


9 agosto 2013 Sydsvenskan Malmö

O director da Ryanair, Michael O´Leary, e hospedeiras da companhia na apresentação do calendário Ryanair 2012
Ryanair

Sob os auspícios do seu caprichoso fundador, a Ryanair multiplica os golpes baixos para descartar os seus concorrentes. Ora, este modelo comercial remete-nos para o capitalismo selvagem do século XIX, insurge-se Per Svensson, jornalista, que critica a fraca mobilização contra estas práticas.
Sydsvenskan

O que terão em comum Michael O’Leary [patrão da Ryanair] e o Tio Patinhas? São ambos milionários. O que será que os distingue? O Tio Patinhas amealhou a sua fortuna à custa da sua própria avareza e Michael O’Leary, à custa dos outros.

Embora Michael O’Leary já tenha afirmado o seu propósito de arranjar lugares em pé nos seus aviões e cobrar as idas à casa de banho, a Ryanair é hoje a primeira companhia aérea da Europa em termos de frequência, com 80 milhões de passageiros por ano. Apesar de um ligeiro recuo no último trimestre, também é uma empresa particularmente rentável.

No seu último relatório de contas (2012-2013), a Ryanair apresenta um volume de negócios de 4 mil milhões e 900 mil euros, com um lucro superior a 11%, ou seja, 569 milhões de euros. Números que podemos comparar com os da Lufthansa, por exemplo, que anunciou um lucro superior a 3% no relatório de contas de 2012, ou seja, 990 milhões de euros, com um volume de negócios líquido de 30 mil milhões de euros. A Lufthansa terá assim de fazer embarcar seis vezes mais passageiros que a Ryanair para ganhar apenas o dobro. Dito de outra forma, dois euros da Ryanair valem mais de seis euros da Lufthansa.
Ryanair é a norma

Como se explica isto? “Lowest cost always wins” [os preços mais baixos vencem sempre], responde Michael O’Leary, numa conferência de imprensa em Göteborg no outuno passado. É a doutrina que rege o capitalismo mundial, assente na ideia de que, num mercado global, o preço ultrapassa sempre a qualidade. E que, para que o preço seja mais barato do que o da concorrência, é preciso ter custos inferiores.
O modelo comercial da Ryanair assenta no princípio do “bad enough”, suficientemente mau

Este objetivo pode ser alcançado de várias maneiras. O modelo comercial da Ryanair assenta no princípio do “bad enough”, suficientemente mau: o tratamento dado aos empregados e aos passageiros tem de ser suficientemente mau para que o preço do bilhete seja suficientemente baixo para que os clientes aceitem ser tratados como trapos velhos e também não se importem de saber que os empregados da empresa ainda são mais mal tratados do que eles. O facto de a Ryanair ser uma empresa que também maltrata o seu pessoal e os seus passageiros não faz diferença nenhuma.

Michael O’Leary é igualmente o reflexo perfeito da sua época, sob um outro ponto de vista: parece talhado para um universo mediático que adora um caráter mau e “tweetables”. Está sempre a “causar sensação” e adora mostrar-se no meio de meninas em biquini.

A Ryanair não é uma jovem empresa-prodígio, nem uma ovelha negra, nem uma exceção a confirmar a regra. A Ryanair é, ou está prestes a ser, a norma; um caso dos mais impressionantes numa enorme mudança de paradigma.

O modelo social europeu a que sempre me habituei, no qual o mercado de trabalho e a via económica se caracterizam pela concertação, pelo equilíbrio de poderes e pela repartição da riqueza, está em franco retrocesso. O século XX ficou definitivamente para trás. Em vez dele, não tardaremos a regressar ao século XIX: o capitalismo selvagem, a rejeição do sindicalismo, o dumping salarial, a exploração dos trabalhadores. E a Ryanair inaugura este caminho.

Nunca andei na Ryanair. E nunca irei andar em nenhuma circunstância. Não apenas porque prefiro viajar como uma pessoa civilizada, mas porque, liberal, considero que uma pessoa deve tentar, mesmo que seja pouco, ser política e moralmente responsável pelo seu estilo de consumo e, pura e simplesmente, exercer o seu poder de consumidor.
Contra a neandertalização da Economia
Será que 80 milhões de passageiros podem estar enganados? Podem

Será que 80 milhões de passageiros podem estar enganados? Podem. E surpreendo-me que não sejam mais a tomar consciência. Tanto quanto sei, um bom número de passageiros da Ryanair são jovens instruídos e sensíveis a temáticas sociais. Alguns deixam de consumir produtos à base de carne em protesto contra a indústria de carnes.

Há outros, igualmente numerosos, imagino eu, que boicotam os artistas que não respeitam as mulheres ou que revelam propósitos racistas. No entanto, viajam na Ryanair – quando a Ryanair não é apenas uma vergonha, só por si, mas também porque o simples facto de existir obriga as companhias de aviação sérias a adaptar-se ao que designamos "uma situação de concorrência inédita", dito de outra forma, obriga-as a tornarem-se brutais ou a desaparecer.

Não é pois fácil de entender como é que uma pessoa dita “de esquerda” pode perfilar-se ao balcão da Ryanair sem corar de vergonha. Na História recente, nenhuma outra empresa contribuiu tanto, direta ou indiretamente – pela força do exemplo –, para minar os fundamentos sociais que a “esquerda” pretende defender e que constituem a base sobre a qual as sociedades prósperas da Europa ocidental se ergueram no pós-guerra: a segurança no trabalho, a decência dos salários, a solidariedade mútua entre trabalhadores e empresas e por aí fora…

Por que motivo esta questão não é mais vezes levantada pelos intelectuais ? Por que motivo é que o caso Ryanair não é objeto de nenhum debate de fundo? Por que motivo é que a esquerda sueca contemporânea se preocupa tão pouco com a economia e com a violência de determinadas relações de força?

Como é possível, para sermos concretos, que Lilla Hjärtat [figura da jovem literatura sueca considerada racista] e a alteração de uma vogal nos pronomes pessoais [foi proposto que o pronome neutro "hen" substituísse o pronome feminino "hon" (ela) e o pronome masculino "han" (ele)] sejam temas mais mobilizadores de debate na Suécia que Michael O’Leary e a neandertalização da economia ?

Traduzido por Jean-Baptiste Bor

Um discurso desastrado


8 agosto 2013 The Independent Londres


Nigel Farage, líder do UKIP (Partido da Independência do Reino Unido), foi apanhado desprevenido pelo discurso do deputado e membro do UKIP, Godfrey Bloom, em que este denunciava o facto de, em plena crise económica, o Reino Unido andar a gastar milhões em ajuda estrangeira a uma “república dos bongos”.

Um bongo é uma espécie de tambor africano e estes comentários suscitaram uma chuva de inflamadas acusações de racismo e colonialismo contra o político, cujo partido chegou a ser descrito pelo primeiro-ministro David Cameron como sendo composto por “loucos, lunáticos e racistas envergonhados”. Bloom já pediu desculpa.