sexta-feira, 21 de junho de 2019

Chico Buarque ensinou o quê?


Por Pedro Tadeu

Quando recebi no telemóvel o alerta "Chico Buarque ganha o Prémio Camões" senti-me no direito de comemorar uma vitória: "ganhei eu, caramba, ganhei eu!".

Fui ler a notícia. Os seis membros do júri explicavam a razão desta atribuição do galardão literário pela "contribuição para a formação cultural de diferentes gerações em todos os países onde se fala a língua portuguesa".

E o que é que este português, de 55 anos, que escreve estas linhas, aprendeu com Chico Buarque?

Aos cinco anos de idade o meu corpo saltitava sempre que no rádio grande do meu pai soava "A Banda", a música que, quando passava, diz o verso final do refrão, ia "cantando coisas de amor". Chico Buarque impulsionou-me a dança.

Aos 10 anos de idade percebi como um indivíduo sozinho nada pode contra o cerco violento da indiferença. Bastou-me ouvir a história circular do operário de "Construção", que "morreu na contramão atrapalhando o sábado". Chico Buarque ensinou-me a identificar a injustiça social.

Aos 11 anos de idade percebi a inutilidade da divindade quando o coro masculino MPB4 repetia, em Partido Alto, "Diz que Deus dará/ Não vou duvidar, ô nega/E se Deus não dá?/Como é que vai ficar, ô nega?". Chico Buarque deu-me razões para ser ateu.

Aos 12 anos de idade intui, com os versos de Fado Tropical, como a brutalidade da colonização sangrou a pele dos povos e como as cicatrizes prevalecentes demoram séculos a fechar: "E o rio Amazonas/Que corre Trás-os-Montes/E numa pororoca/Desagua no Tejo/Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal/Ainda vai tornar-se um Império Colonial". Chico Buarque ofereceu-me uma identidade, um medo e uma esperança na Lusofonia.

Aos 13 anos de idade percebi, pela letra do pseudónimo Julinho da Adelaide (um autor inventado, usado para ludibriar a censura da ditadura brasileira, que até falsas entrevistas deu aos jornais...), que confiar na polícia pode ser perigoso, como constata "Acorda amor": "Tem gente já no vão de escada/Fazendo confusão, que aflição/São os homens/E eu aqui parado de pijama/Eu não gosto de passar vexame/Chame, chame, chame, chame o ladrão, chame o ladrão". Com Chico Buarque descobri que, às vezes, está tudo certo se se ficar do lado errado.

Aos 14 anos de idade conspirei o sentido da canção "O que será (à flor da pele)": "Será, que será?/O que não tem decência nem nunca terá/O que não tem censura nem nunca terá/O que não faz sentido..." Chico Buarque revelou-me o secreto significado da palavra "liberdade".

Aos 15 anos de idade compreendi, ao ouvir "Mulheres de Atenas", que a minha mãe, a minha irmã e a minha namorada viviam num mundo pior do que o meu: "Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas/Geram pro seus maridos os novos filhos de Atenas/Elas não têm gosto ou vontade/Nem defeito nem qualidade/Têm medo apenas". Chico Buarque justificou-me o feminismo.

Aos 16 anos de idade espantei-me com o atrevimento de "O Meu Amor". "Eu sou sua menina, viu?/E ele é o meu rapaz/Meu corpo é testemunha/Do bem que ele me faz". Chico Buarque fez-me entender como o sexo pode, ou não, fazer um par com a palavra afeto.

Aos 17 anos comovi-me com "Geni", a prostituta que salva a cidade mas que a cidade despreza: "Joga pedra na Geni!/Joga bosta na Geni!/Ela é feita pra apanhar!/Ela é boa de cuspir!/Ela dá pra qualquer um/Maldita Geni!". Chico Buarque confrontou-me com a dignidade dos indignos.

Aos 18 anos de idade a história de "O Malandro" exemplificou-me como é sempre o mexilhão que se lixa: um tipo que foge de um tasco sem pagar a cachaça que bebeu provoca uma crise mundial. Mas, no final das crises, há sempre um bode expiatório: "O garçom vê/Um malandro/Sai gritando/Pega ladrão/E o malandro/Autuado/É julgado e condenado culpado/Pela situação". Chico Buarque antecipou-me a globalização e fez de mim um comunista.

Aqueles anos foram os tempos do meu caminho até à chegada à idade adulta, uma época anterior aos romances que Chico Buarque escreveu e que completam, com a verdadeira poesia de muitas das suas canções, um currículo mais do que suficiente para a atribuição do mais importante prémio literário em Língua Portuguesa.

Aqueles anos foram os tempos que moldaram o meu carácter.

Aqueles foram os tempos que moldaram o carácter de tantos outros e de tantas outras que, como eu, cresceram a ouvir estas canções mas que entenderam nelas tantas coisas que eu não entendi, que compreenderam nelas tantas coisas que eu não percebi, que tiraram conclusões destes textos muito diferentes das que eu tirei.

Mas, tenho a certeza, apesar de pensarem e sentirem de maneiras tão diferentes da minha, ontem, milhões de vós, ao saberem da notícia do Prémio Camões atribuído a Chico Buarque, tiveram o mesmo impulso que eu e comemoram: "ganhei eu, caramba, ganhei eu!".

Arte submersa

Daqui a 500 ou 600 anos, o que pensarão os mergulhadores desta "gente"? Que houve algum cataclismo??? Mas isto é, na realidade, uma obra fantástica.



Até o fim do ano começará a última fase do trabalho. DeCaires, o Parque Nacional Marítimo e a Associação Náutica de Cancún vão convidar outros artistas para contribuir para o museu submarino.



Um exército de figuras humanas vai deixar a praia em Cancún, no México, para ser submerso. As esculturas de Jason DeCaires Taylor vão ajudar na recuperação das barreiras de corais .



As esculturas são feitas de cimento. Com sua obra, DeCaires tenta unir a arte e o meio ambiente .



Sua obra, ' A Evolução Silenciosa ' , é inspirada em pessoas reais - na maioria mexicanos comuns - que foram transformadas em esculturas submarinas para dar abrigo à vida marinha .



O escultor conta que há enorme pressão sobre os corais na região de turismo intenso. Sua intervenção tenta representar a responsabilidade de todos sobre os danos ambientais, sob uma perspectiva ' optimista ' .


A composição química e o acabamento em cimento das esculturas promove a colonização da vida marinha, que com o tempo vai cobrir as esculturas em cores diferentes .



As primeiras peças deste museu submarino, submersas em 2009, são o ' Homem em Chamas ' (baseado em um pescador local), o ' Colecionador de Sonhos Perdidos ' e a ' Jardineira da Esperança ' , na foto acima.



Com sua obra, DeCaires quer ressaltar que, apesar de nos cercarmos de edifícios, não podemos esquecer o quanto dependemos da natureza .
Museu Subaquático de Artes, Cancún (Esculturas de Jason DeCaires Taylor)




O principal grupo - que consiste em 400 figuras pesando mais de 120 toneladas - será submersa nas próximas semanas. Quando isso ocorrer, o artista vai perder o ' controle estético ' sobre sua obra, que ficará a cargo da natureza



Os modelos vivos usados por DeCaires vão desde uma freira de 85 anos até um menino de 3 anos. Para fazer os moldes, ele cobriu de gesso um contador, uma professora de ioga, um estudante, um acrobata e até um jornalista da BBC.

quinta-feira, 20 de junho de 2019

Joe Berardo é culpado de quê?

Joe Berardo

Pedro Tadeu  15 Maio 2019

Um exército de comentadores, jornalistas, economistas e políticos rasga as vestes pela falta de respeito de Joe Berardo, pela desfaçatez de Joe Berardo, pela petulância de Joe Berardo, pelo riso alarve de Joe Berardo.

E o que é que Joe Berardo, tal como Ricardo Salgado, tal como Zeinal Bava, tal como tantos outros que passaram pelas várias comissões de inquérito que já escalpelizaram os vários escândalos financeiros do país, acabaram por tornar claro nas declarações que fizeram aos deputados da Nação? É que aquilo que agora lhes é apontado como condenável e criticável foi, simplesmente, a normalidade do funcionamento do regime: foi a normalidade do regime político/jornalístico, foi a normalidade do regime económico/financeiro e foi a normalidade do regime jurídico/legislativo.

Quando Joe Berardo responde "perguntem aos bancos..." à questão sobre como conseguiu receber milhões de euros em créditos sem ter de entregar garantias, está a explicar aos deputados como era a normalidade do funcionamento do regime económico/financeiro.

Quando Ricardo Salgado justificou com um parecer de três reputados juristas a legalidade do recebimento de 14 milhões de euros a título de "liberalidade" de um empresário agradecido, estava a demonstrar ao país como era a normalidade do funcionamento do regime jurídico/legislativo.

Quando Ramalho Eanes e Jorge Sampaio condecoraram Joe Berardo; quando Cavaco Silva condecorou Zeinal Bava; quando a maioria dos políticos e tantos jornalistas portugueses de economia e política, com bravas exceções (que as houve e, a alguns, prejudicou-lhes mesmo as carreiras) disseram e escreveram, anos e anos a fio, toneladas de elogios a estas pessoas; quando competiram num frenesim de bajulice a estas pessoas; quando esconderam as notícias negativas, mesmo as mais insignificantes, sobre estas pessoas; estava a decorrer em velocidade de cruzeiro a normalidade do funcionamento do regime político/jornalístico.

A direita adora dizer que são filhos dos desmandos do antigo primeiro-ministro, suspeito de corrupção, José Sócrates, os escândalos que levaram Joe Berardo a ir pavonear graçolas ao parlamento, Ricardo Salgado a altivar-se ofendido pelas suspeitas dos deputados e Zeinal Bava a magicar graves falhas de memória durante o interrogatório da comissão de inquérito. É mentira.

Os escândalos financeiros que causaram prejuízos de milhares de milhões de euros, que os portugueses estão a pagar e vão continuar a pagar durante muitos anos, são filhos de décadas de construção de um Estado onde a promiscuidade entre a política e a finança passou a ser regra.

Essa promiscuidade começou com a recuperação dos grupos económicos destruídos no período revolucionário do pós 25 de Abril, aprofundou-se com a privatização da banca e dos seguros, mecanizou-se com a chegada dos fundos europeus e a cultura de fraudes que lhes atrelaram, agravou-se com os negócios do euro e do crédito barato.

Essa promiscuidade institucionalizou-se com a utilização das empresas públicas, das fundações, das financeiras e dos institutos como porta de traficância de gente que produziu a técnica, a legislação, as políticas, o pathos, a ética e a consolidação do novo regime, a que chamaram "democracia ocidental" e hoje, mais globalizados, apelidam de "democracia liberal".


Durante dezenas e dezenas de anos, muitos e muitos viveram à conta desta ecologia da esperteza saloia, do favor trapaceiro, da aldrabice caucionada com carimbo jurídico, mediático, técnico e político.

Durante dezenas e dezenas de anos os protagonistas desta revolução que se seguiu ao fim da Revolução dos Cravos dominaram o poder com a legitimação do jornalismo de influência e a adoração das revistas cor-de-rosa a construírem, em torno desta gente, uma nova aristocracia para o país.

Agora, para surpresa dos que implantaram e se alimentaram do sistema durante mais de 30 anos, dizem que é crime. Agora, face à revolta generalizada, alertam contra os populismos.

Sócrates poderá vir a ser condenado em tribunal por corrupção mas não é pai da corrupção.

Sócrates é filho da natureza do regime que muitos dos nossos líderes construíram, tal como Salgado, Berardo e Bava. Para eles, tudo o que fizeram, os mil e um esquemas que inventaram para sacar dinheiro, os abusos que, aparentemente, tanta irritação provocam hoje em dia nos que antes os veneravam, não eram mais do que a evolução lógica e natural do funcionamento banal da politica e dos negócios.

Ao ver os mesmos políticos, jornalistas, juristas e economistas, que foram campeões na proteção e promoção da imagem dos "Donos Disto Tudo", a competirem agora por um lugar na primeira fila no linchamento de Berardo, Salgado, Bava e de todos os outros, faço apreciações de caráter cheias de onomatopeias e palavrões mas fico seguro de uma coisa: rapidamente, quando as coisas acalmarem, depois da necessária limpeza pela Justiça, esta gente irá arranjar um "gestor genial", um "empresário de sucesso", um "banqueiro talentoso" a quem se apresentarão para prestar o mesmo serviço que prestaram aos homens que colocaram Portugal à beira da ruína. Porquê? Porque o regime não mudou e, apesar deste abalo, não vai mudar e tudo voltará, lamento, à habitual normalidade.




terça-feira, 18 de junho de 2019

António Lobo Antunes

António Lobo Antunes

Agora sol na rua a fim de me melhorar a disposição, me reconciliar com a vida.

Passa uma senhora de saco de compras: não estamos assim tão mal, ainda compramos coisas, que injusto tanta queixa, tanto lamento.
Isto é internacional, meu caro, internacional e nós, estúpidos, culpamos logo os governos.

Quem nos dá este solzinho, quem é? E de graça. Eles a trabalharem para nós, a trabalharem, a trabalharem e a gente, mal agradecidos, protestamos.

Deixam de ser ministros e a sua vida um horror, suportado em estoico silêncio. Veja-se, por exemplo, o senhor Mexia, o senhor Dias Loureiro, o senhor Jorge Coelho, coitados. Não há um único que não esteja na franja da miséria. Um único. Mais aqueles rapazes generosos, que, não sendo ministros, deram o litro pelo País e só por orgulho não estendem a mão à caridade.
O senhor Rui Pedro Soares, os senhores Penedos pai e filho, que isto da bondade as vezes é hereditário, dúzias deles.

Tenham o sentido da realidade, portugueses, sejam gratos, sejam honestos, reconheçam o que eles sofreram, o que sofrem. Uns sacrificados, uns Cristos, que pecado feio, a ingratidão.

O senhor Vale e Azevedo, outro santo, bem o exprimiu em Londres. O senhor Carlos Cruz, outro santo, bem o explicou em livros. E nós, por pura maldade, teimamos em não entender. Claro que há povos ainda piores do que o nosso: os islandeses, por exemplo, que se atrevem a meter os beneméritos em tribunal.

Pelo menos nesse ponto, vá lá, sobra-nos um resto de humanidade, de respeito.

Um pozinho de consideração por almas eleitas, que Deus acolherá decerto, com especial ternura, na amplidão imensa do Seu seio. Já o estou a ver:
- Senta-te aqui ao meu lado ó Loureiro
- Senta-te aqui ao meu lado ó Duarte Lima
- Senta-te aqui ao meu lado ó Azevedo
que é o mínimo que se pode fazer por esses Padres Américos, pela nossa interminável lista de bem-aventurados, banqueiros, coitadinhos, gestores, que o céu lhes dê saúde e boa sorte e demais penitentes de coração puro, espíritos de eleição, seguidores escrupulosos do Evangelho. E com a bandeirinha nacional na lapela, os patriotas, e com a arraia miúda no coração. E melhoram-nos obrigando-nos a sacrifícios purificadores, aproximando-nos dos banquetes de bem-aventuranças da Eternidade.

As empresas fecham, os desempregados aumentam, os impostos crescem, penhoram casas, automóveis, o ar que respiramos e a maltosa incapaz de enxergar a capacidade purificadora destas medidas. Reformas ridículas, ordenados mínimos irrisórios, subsídios de cacaracá? Talvez. Mas passaremos sem dificuldade o buraco da agulha enquanto os Loureiros todos abdicam, por amor ao próximo, de uma Eternidade feliz. A transcendência deste acto dá-me vontade de ajoelhar à sua frente. Dá-me vontade? Ajoelho à sua frente, indigno de lhes desapertar as correias dos sapatos.
Vale e Azevedo para os Jerónimos, já!
Loureiro para o Panteão já!
Jorge Coelho para o Mosteiro de Alcobaça, já!
Sócrates para a Torre de Belém, já! A Torre de Belém não, que é tão feia.

Para a Batalha. Fora com o Soldado Desconhecido, o Gama, o Herculano, as criaturas de pacotilha com que os livros de História nos enganaram. Que o Dia de Camões passe a chamar-se Dia de Armando Vara. Haja sentido das proporções, haja espírito de medida, haja respeito.
Estátuas equestres para todos, veneração nacional. Esta mania tacanha de perseguir o senhor Oliveira e Costa: libertem-no. Esta pouca vergonha contra os poucos que estão presos, os quase nenhuns que estão presos como provou o senhor Vale e Azevedo, como provou o senhor Carlos Cruz, hedionda perseguição pessoal com fins inconfessáveis.
Admitam-no. E voltem a pôr o senhor Dias Loureiro no Conselho de Estado, de onde o obrigaram, por maldade e inveja, a sair.

Quero o senhor Mexia no Terreiro do Paço, no lugar do D. José que, aliás, era um pateta. Quero outro mártir qualquer, tanto faz, no lugar do Marquês de Pombal, esse tirano. Acabem com a pouca vergonha dos Sindicatos. Acabem com as manifestações, as greves, os protestos, por favor deixem de pecar.
Como pedia o doutor João das Regras, olhai, olhai bem, mas vêde. E tereis mais fominha e, em consequência, mais Paraíso. Agradeçam este solzinho.
Agradeçam a Linha Branca.
Agradeçam a sopa e a peçazita de fruta do jantar.
Abaixo o Bem-Estar.

Vocês falam em crise mas as actrizes das telenovelas continuam a aumentar o peito: onde é que está a crise, então? Não gostam de olhar aquelas generosas abundâncias que uns violadores de sepulturas, com a alcunha de cirurgiões plásticos, vos oferecem ao olhinho guloso? Não comem carne mas podem comer lábios da grossura de bifes do lombo e transformar as caras das mulheres em tenebrosas máscaras de Carnaval.
Para isso já há dinheiro, não é? E vocês a queixarem-se sem vergonha, e vocês cartazes, cortejos, berros. Proíbam-se os lamentos injustos.
Não se vendem livros? Mentira. O senhor Rodrigo dos Santos vende e, enquanto vender o nível da nossa cultura ultrapassa, sem dificuldade, a Academia Francesa.
Que queremos? Temos peitos, lábios, literatura e os ministros e os ex-ministros a tomarem conta disto.
Sinceramente, sejamos justos, a que mais se pode aspirar?

O resto são coisas insignificantes: desemprego, preços a dispararem, não haver com que pagar ao médico e à farmácia, ninharias. Como é que ainda sobram criaturas com a desfaçatez de protestarem? Da mesma forma que os processos importantes em tribunal a indignação há-de, fatalmente, de prescrever. E, magrinhos, magrinhos mas com peitos de litro e beijando-nos uns aos outros com os bifes das bocas seremos, como é nossa obrigação, felizes.

António Lobo Antunes

e um jornalista ....de Moçambique


O ciclone IDAI e nossa reputação
Lázaro Mabunda

O ciclone IDAI veio descobrir a nossa pobreza, expor a nossa incompetência, despir o nosso orgulho e escangalhar o pouco que restava da nossa reputação. Somos um país que se julga país, quando, na verdade, de país apenas temos nome. Somos uma nação que ainda não passou de um projecto de uma nação. Gritámos e reclamámos que somos patriotas, quando queremos dar golpes corruptos sobre a nossa pátria.
O ciclone reforça a minha reclamação e a reclamação de muitos excluídos de participar na construção de um país de todos e para todos. A partir de hoje, porque atingimos o grau zero de reputação, o Governo deve deixar de olhar para os que pensam diferentes como oposicionistas e como "eles" contra "nós". Deve olhar "eles" como aqueles que querem construir uma nação e um país no qual todos sonham viver. Devemos construir um país em que os moçambicanos não sonhem abandonar, mas aquele que todo o cidadão que esteja fora não veja a hora de regressar ao seu país. Tínhamos chegado a esse nível, mas alguns que se julgam mais patriotas retrocederam o país para níveis humilhantes. Hoje, o moçambicano no exterior sofre bullying, é visto como aquele país em que o seu governo "escondeu uma dívida", aquele país com taxas de juros mais altas do mundo, aquele país amaldiçoado, onde acontece todo o tipo de maldade, aquele inferno.
Já houve tempo que em as notícias eram sobre milhares de estrangeiros repatriados semanalmente. Éramos procurados, porque éramos a terra prometida.
O ciclone IDAI despiu-nos. Andámos com uma mão a cobrir os nossos órgãos genitais e outra a cobrir o nosso traseiro. Todos nós. 
Explico porquê.
1. Em 44 anos de independência andámos em conflitos entre nós. Andámos a investir em forças armadas, forças policiais e em Serviços de Segurança para controlar os Mabundas e compania que criticam a nossa governação. Investimos nessas instituições para assegurarem as nossas vitórias eleitorais.
2. Quando o IDAI nos fustigou, não fomos nós que salvamos os nosso maravilhoso povo. 
Foram estrangeiros: sul-africanos, europeus, americanos, asiáticos. Foram as organizações das Nações Unidas como PMA que alugaram helicópteros e aviões de carga. Não foram os militares, polícias nem sises altamente equipados.
 Estes têm mais armas e carros blindados para disparar e espancar os indefesos.
3. Quando o IDAI nos despiu as calças e toda a nossa roupa interior, foram as ONGs que combatemos que foram e nos salvaram e continuam a salvar-nos.
4. Os sul-africanos e os ocidentais vieram fazer o que nós não conseguimos fazer: trouxeram seus avião para salvar milhares de pessoas, enquanto nós discutíamos se Daviz Simango foi ou não convidado ao Conselho de Ministros da Beira. Enquanto os ocidentais e sul-africanos salvavam o nosso povo, o nosso Presidente, em vez de disponibilizar o seu helicóptero para a salvamento das pessoas, sobrevoava as zonas afectadas, assistindo às pessoas penduradas nas árvores e nos tectos quão fotojornalista em plena actividade.
5. Enquanto não sabíamos o que fazer e o nosso povo bebia a mesma água turva que o matava, eles abriram furos de água e purificavam a mesma água, tornando-a potável.
6. Quando as doenças nos deixavam desesperados e nus, com as duas mãos nas mesmas posições, eis que eles drenam toneladas de medicamentos e vacinas para cólera. Nós sempre assistindo. Enquanto a fome espreitava e nós, sempre improdutivos, apareceram eles para nos dar de comer.
7. Quando esses donativos vinham em dinheiro e em espécie, emergiu outro problema. Ninguém confia em nós porque somos ladrões, corruptos, imorais e amorais. Os que nos ajudam, em vez de se preocupar em angariar donativos, tinham de se preocupar com a nossa falta de integridade, com a nossa capacidade e competência em roubar mesmo perante um fiscalizador.
 Tinham de nos pressionar para encontrarmos um auditor que pudesse servir de fiscal, um guarda, um sentinela, porque senão os seus donativos não chegavam aos necessitados. Humilhante. Somos humilhados pela nossa incompetência e pela nossa falta de integridade.
8. Enfim, nós somos incompetentes. Não conseguimos produzir a nossa comida, não conseguimos construir infra-estruturas hidráulicas que amortecesse o impacto das cheias como tem acontecido sempre que os rios enchem, não temos mecanismos de evacuação das pessoas, não temos mecanismos de resgates das pessoas, não conseguimos purificar a água, nem tirar as pessoas sobre os tectos e árvores.
Então, o que nós sabemos? Ahhhh, boa pergunta. O que sabemos é roubar aos pobres, violentar os pobres e indefesos que reclamam, sequestrar e assassinar à luz do dia os que nos querem iluminar com o seu conhecimento. O que nós sabemos perfeitamente fazer é inventar prioridades para roubar. Investir em forças de defesa e segurança para garantir os nossos resultados eleitorais e controlar os que nos criticam. O que nós sabemos bem é ameaçar, deter e acusar jornalistas que nos fiscalizam.
Mais o que nós mais bem sabemos fazer é não fazer nada. O resultado é esse: o IDAI despiu-nos.

LAZARO MABUNDA é jornalista e licenciado em Ciência Política. Em 14 anos de jornalismo ganhou 12 prémios, 7 nacionais e 5 internacionais

quarta-feira, 12 de junho de 2019

"Onde guarda o télemovel?".


""Já tivemos oportunidade de há algumas semanas abordar o caso do enfarte que matou o ex-secretário de Estado do PS, João Vasconcelos, de 43 anos. Chegámos à conclusão que, muito provavelmente, para lá dos hábitos pouco saudáveis em potencisl típicos de um empresário e político, ele poderia ter o hábito muito comum de trazer o smartphone no bolso do casaco, do lado do coração!

São já três os estudos que se reconfirmam, o uso do telemóvel junto ao corpo é uma emissão de microondas superior aos limites de segurança na Europa e nos EUA (https://ieeexplore.ieee.org/document/8688629). Estamos a falar de níveis térmicos, cujas consequências ao nível biológico são uma certeza absoluta. Se existe efeito biológico a níveis não-térmicos, como comprovámos neste artigo (https://electrosmogportugal.weebly.com/blogue/os-efeitos-imediatos-da-poluicao-electromagnetica), o que acontece quando as células são sujeitas a níveis térmicos são duas grandes coisas:

Por um lado, os canais de comunicação da membrana, fecham-se para as trocas rotineiras, e abrem-se para a entrada de cálcio, que se acumula em excesso, arruinando o potencial de carga eléctrica da célula, diminuindo tremendamente o acesso ao oxigénio.
Por outro lado, se o calor aumentar em 0,6ºC, a proteína de choque térmico inicia a sua função de isolamento e destruição celular, algo que está na base do que vemos na reacção do descascar da pele após uma excessiva exposição solar.

Iker Casillas, de 38 anos sofreu esta quarta-feira um enfarte do miocárdio, como estava bem assistido, foi enviado rapidamente para o hospital, a recuperação será boa. Este caso, para nós, é um caso exemplar de estudo. É um atleta, sempre sob vigilância médica, ao qual podemos descartar desde logo hábitos pouco saudáveis. Por isso, podemos retirar da lista de factores de risco de enfarte: o colesterol alto, a hipertensão arterial, o tabaco, o excesso de peso, o sedentarismo, o diabetes e as drogas.

O que nos resta?

A apneia do sono (ressonar), um factor que diminui a oxigenação celular durante a noite;

A idade (mas o risco aumentado nos homens está para lá dos 45 anos);
A história familiar ou predisposição genética.
Ora, em relação à história familiar nada sabemos, mas os atletas que têm morrido no meio de jogos são muito mais jovens, e é nesses que existe uma correlação forte com predisposições ou malformações cardíacas. A eventual apneia leva-nos de regresso ao nosso conhecido problema da oxigenação. Só há duas hipóteses, ele sofre de apneia e não sabe, recuperando mal no descanso nocturno e nas várias fases do sono, ou então, o problema está na capacidade de transporte do oxigénio, mais especificamente, na carga negativa que tem de existir à superfície de cada tecido e membrana celular:

De modo a evitar que os glóbulos vermelhos se colem uns aos outros, impossibilitando a entrada destes nos capilares;
De modo a evitar que os glóbulos vermelhos e outras partículas do sangue se colem às paredes internas dos vasos sanguíneos, criando todo um conjunto de barramentos ou trombos (aglomerado). Sublinha-se que a culpa não é do colesterol, é da carga eléctrica de superfície que se perde, e leva a fenómenos de deposição e estreitamento dos vasos sanguíneos, ou à criação de trombos (cuja diferença no fundo, é a sua mobilidade).

Há um nome para esse processo degenerativo da saúde vascular, fruto de stress oxidativo, chama-se arterioesclerose ou doença arterial coronária. Ora, é sabido que as EMF causam principalmente stress oxidativo, leiam o Apelo Médico de Friburgo de 2012: https://electrosmogportugal.weebly.com/uploads/1/2/3/3/123313372/apelo_de_friburgo-2012.pdf

O que pode causar efeitos semelhantes aos da apneia, e não ser apneia?

O uso do telemóvel junto ao corpo (especialmente no bolso do casaco);
O uso de tecnologias sem fios, quotidianamente;

Dormir em ambiente com wi-fi ou ainda pior, cumulativo com telefone sem fios caseiro (do tipo industrial DECT) sem ter activado o sistema ECO DECT.
Um cansaço acumulado muito grande, desde a fadiga simples a poucas horas de sono, um qualquer tipo de esgotamento ou "burnout", que no caso do Casillas é altamente improvável.

Diz o povo que "para bom entendedor, meia palavra basta":

Quantos casos como este são escondidos nas estatísticas todos os dias?
Costuma-se dizer, pelos corredores das profissões de saúde que "os médicos enterram os seus erros", neste caso, não há erro médico, o que interessa aos médicos é o diagnóstico, não o apuramento da causa primária. A causa primária passa-lhes entre os dedos e ninguém se dará conta disso. E a ciência médica dirá -- "não sabemos a causa?!"
Texto oriundo do MOPPE-Movimento Português de Prevenção do Electrosmog

https://electrosmogportugal.weebly.com/

1º de Maio de 2019...!


A gigante multinacional de vendas online Amazon instalou nos seus armazéns um sistema robotizado, que controla os trabalhadores, e tem competências para despedir quem não for produtivo.

O sistema mede os tempos de paragem e pausas dos trabalhadores e deteta os níveis de produtividade. Nas instalações de Baltimore, nos Estados Unidos, já foram despedidos 300 trabalhadores.

O sistema automático de controlo de produtividade acompanha os funcionários que trabalham em armazém e actua de acordo com os resultados registados. Quem não corresponder às expectativas, é despedido pelo “robô”.

Um porta-voz da Amazon confirmou ao site de notícias norte americano “Business Insider” que cerca de 300 pessoas já foram despedidas nas instalações da empresa em Baltimore, nos Estados Unidos. “Aproximadamente 300 pessoas foram dispensadas em Baltimore devido à falta de produtividade neste período. Em geral, o número de despedimentos diminuiu nos últimos dois anos nestas instalações, assim como por toda a América do Norte”, refere a empresa.

O sistema da Amazon controla a duração das pausas e intervalos dos empregados através de uma métrica e há relatos de trabalhadores que se sentem de tal forma pressionados que deixam de fazer pausas para ir à casa-de-banho.

No Reino Unido, um escritor infiltrou-se num dos armazéns da empresa e descobriu que havia trabalhadores a urinar em garrafas para evitar fazer pausas. “Para quem trabalhava no último piso, a casa-de-banho mais próxima ficava a quatro andares de distância.”, contou o autor britânico James Bloodworth ao The Sun. “As pessoas urinavam em garrafas porque viviam com o medo de ser punidas e despedidas pelo tempo perdido, apenas porque precisavam de se aliviar”, acrescentou.

Se o sistema deteta que o funcionário está a falhar nas metas de produção, pode automaticamente emitir um aviso e dispensar o trabalhador sem a consulta de qualquer supervisor humano. No entanto, a empresa refere que um humano pode verificar ou corrigir o sistema...

A Amazon defende ainda que a medida incentiva os trabalhadores a cumprirem as metas de produção.

"Observador"-1º de Maio de 2019"

terça-feira, 4 de junho de 2019

O trauma da morada em Portugal....

"Um dos grandes problemas da nossa sociedade é o trauma da morada.

Por exemplo. Há uns anos, um grande amigo meu, que morava em Sete
Rios, comprou um andar em Carnaxide.

Fica pertíssimo de Lisboa, é agradável, tem árvores e cafés. Só tinha
um problema. Era em Carnaxide.

Nunca mais ninguém o viu...

Para quem vive em Lisboa, tinha emigrado para a Mauritânia!

Acontece o mesmo com todos os sítios acabados em -ide, como Carnide e
Moscavide. Rimam com Tide e com Pide e as pessoas não lhes ligam
pevide.

Um palácio com sessenta quartos em Carnide é sempre mais traumático do
que umas águas-furtadas em Cascais. É a injustiça do endereço.

Está-se numa festa e as pessoas perguntam, por boa educação ou por
curiosidade, onde é que vivemos.

O tamanho e a arquitectura da casa não interessam.

Mas morre imediatamente quem disser que mora em Massamá, Brandoa,
Cumeada, Agualva-Cacém, Abuxarda, Alformelos, Murtosa, Angeja...
ou em qualquer outro sítio que soe à toponímia de Angola.

Para não falar na Cova da Piedade, na Coina, no Fogueteiro e na Cruz
de Pau. (...)

Ao ler os nomes de alguns sítios - Penedo, Magoito, Porrais, Venda
das Raparigas, compreende-se porque é que Portugal não está
preparado para a Europa...

De facto, com sítios chamados Finca Joelhos (concelho de Avis) e Deixa
o Resto (Santiago do Cacém), como é que a Europa nos vai querer
integrar?

Compreende-se logo que o trauma de viver na Damaia ou na Reboleira não
é nada comparado com certos nomes portugueses.

Imagine-se o impacto de dizer "Eu sou da Margalha" (Gavião) no meio
de um jantar...!

Veja-se a cena num chá dançante em que um rapaz pergunta delicadamente
"E a menina de onde é?",

e a menina diz: "Eu sou da Fonte da Rata" (Espinho).

E suponhamos que, para aliviar, o senhor prossiga, perguntando "E onde
mora, presentemente?",

Só para ouvir dizer que a senhora habita na Herdade da Chouriça (Estremoz).

É terrível... O que não será o choque psicológico da criança que acorda,
logo depois do parto, para verificar que acaba de nascer na
localidade de Vergão Fundeiro?

Vergão Fundeiro, que fica no concelho de Proença-a-Nova, parece o nome
de uma versão transmontana do Garganta Funda.

Aliás, que se pode dizer de um país que conta não com uma Vergadela
(em Braga), mas com duas, contando com a Vergadela de Santo Tirso?

Será ou não exagerado relatar a existência, no concelho de Arouca, de
uma Vergadelas?

É evidente, na nossa cultura, que existe o trauma da "terra".

Ninguém é do Porto ou de Lisboa.

Toda a gente é de outra terra qualquer. Geralmente, como veremos, a
nossa terra tem um nome profundamente embaraçante, daqueles que
fazem apetecer mentir.

Qualquer bilhete de identidade fica comprometido pela indicação de
naturalidade que reze Fonte do Bebe e Vai-te (Oliveira do Bairro).

É absolutamente impossível explicar este acidente da natureza a amigos
estrangeiros ("I am from the Fountain of Drink and Go Away...").

Apresente-se no aeroporto com o cartão de desembarque a denunciá-lo
como sendo originário de Filha Boa.

Verá que não é bem atendido. (...) Não há limites. Há até um lugar
chamado Cabrão, no concelho de Ponte de Lima !!!

Urge proceder à renomeação de todos estes apeadeiros.

Há que dar-lhes nomes civilizados e europeus, ou então parecidos com
os nomes dos restaurantes giraços, tipo : Não Sei, A Mousse é
Caseira, Vai Mais um Rissoli. (...)

Também deve ser difícil arranjar outro país onde se possa fazer um
percurso que vá da Fome Aguda à Carne Assada (Sintra) passando pelo
Corte Pão e Água (Mértola), sem passar por Poriço (Vila Verde), e
acabando a comprar rebuçados em Bombom do "Bogadouro"¹, (Amarante),
depois de ter parado para fazer um chichi em Alçaperna (Lousã).

¹ - Bogadouro é Mogadouro quando se está constipado!!! "

Miguel Esteves Cardoso