quinta-feira, 30 de julho de 2020

A miragem do futuro....?



AS 7 TRIBOS DESCENDENTES DOS PORTUGUESES ..


As 7 tribos descendentes dos portugueses

Estão espalhados um pouco por todo o mundo e são a maior prova do legado dos Descobrimentos, quando os portugueses partiram para terras distantes em busca de glória e riqueza.

A grande maioria deles ainda fala crioulo de origem portuguesa e ainda mantém vivas algumas tradições dos seus antepassados. É comum, em muitos locais, ainda cantarem em português e a religião católica é outro fator que os une.

Existem muitas tribos e povos que descendem dos portugueses, desde a América até à Ásia. Alguns estão a desaparecer, outros ainda conseguem manter viva a chama dos seus ancestrais e o amor por Portugal. Descubra 7 tribos descendentes dos portugueses.

Lamno (Indonésia)

Os portugueses foram os primeiros europeus a chegar à Indonésia, no início do século XVI e, apesar de terem-se estabelecido sobretudo na região oriental do país, alimentaram o sonho de controlar o comércio da pimenta desde a zona estratégica do Norte da Samatra até ao mercado chinês.

Os portugueses da província indonésia de Aceh, conhecidos localmente como “olhos azuis”, estão em risco de se extinguirem desde que o tsunami de 2004 reduziu a comunidade de centenas de pessoas a menos de uma dezena.

Antes do tsunami, a comunidade teria talvez cerca de 500 pessoas, enquanto que agora é difícil apontar um número, porque a região conta com descendentes de outros europeus e árabes.

Bayingyis (Birmânia)

A hegemonia portuguesa no Índico e no Pacífico durou perto de um século e seria profundamente abalada com a chegada dos holandeses àqueles mares.

Com a substituição da dominação portuguesa pela holandesa – permanecendo nas terras que as viram nascer; deportados para outras paragens; ou forçados à emigração – as cristandades mestiças euro-asiáticas do Oriente talharam a identidade coletiva de cada uma que perdurou até aos nossos dias e que assenta em dois pilares principais: a religião católica e a língua crioula.

Entre essas comunidades destaca-se a dos descendentes dos muitos soldados portugueses que na época de Seiscentos lutaram ao lado dos soberanos de Ava e do Pegu, reinos da antiga Birmânia, ou que faziam parte do pequeno exército de Filipe de Brito, ou do seu companheiro de armas Salvador Ribeiro de Sousa, senhores feudais em terras do Oriente, ambos empossados com o título de ‘rei do Pegu’, e que são hoje conhecidos em Myanmar (atual Birmânia) como os ‘bayingyis’.

Ziguinchor (Senegal)

A actual Ziguinchor remonta a uma feitoria fundada pelos portugueses em 1645, na margem sul do rio Casamansa. Segundo a tradição, o seu nome deriva da expressão em língua portuguesa “cheguei e choram”, uma vez que os nativos pensavam que os europeus os vinham escravizar.

Subordinada à capitania de Cacheu, o seu objectivo era o comércio com o reino de Casamansa, um fiel aliado na região, descrito pelos cronistas coevos como o reino mais amigo dos portugueses ao longo da costa da Guiné.

Nos censos de 1963, dos 42.000 habitantes de Ziguinchor, 35.000, falavam o crioulo (83%), e 30.000 tenham o crioulo como língua materna (71,4%).

O crioulo de Casamansa é uma língua crioula baseada no português que é considerado um dialecto do crioulo da Guiné-Bissau falado principalmente na região de Casamansa no Senegal e também na Gâmbia.

Kristang (Malásia)

Os portugueses chegaram há quinhentos anos a Malaca. A diáspora lusitana subsiste, com inusitado fulgor e entusiasmo, num pequeno bairro piscatório malaio, onde se luta pela manutenção da cultura portuguesa. Hoje e sempre.

Em Malaca (Melaka, i.e., “O Estado Histórico”), o terceiro mais pequeno Estado da Malásia, existe um povo conhecido por Kristang (“cristão”), que descende dos portugueses e que sobrevive desde o século XVI como uma pequena comunidade de cerca de 5000 pessoas.

A numerosa colónia luso-descendente não abdicou da identidade cultural. Meio milénio após a chegada lusa e 370 anos após a sua partida, todos continuam a afirmar-se, orgulhosamente, portugueses, sem nunca terem pisado solo nacional. A cultura popular portuguesa transmite-se de pais para filhos, por via oral.

Contam-se histórias, ensinam-se costumes e tradições, transmite-se «o portugis antigo», que falavam os primeiros colonos, corrompido por séculos de transmissão oral sem um único registo escrito ou resquício de ensino oficial.

Burghers (Sri Lanka)

Burgher é o nome pelo qual são conhecidos os descendentes de portugueses e holandeses no Sri Lanka. Os Burghers Portugueses são um grupo étnico do Sri Lanka descendentes de cingaleses e portugueses, católicos e falantes do indo-português do Ceilão, uma linguagem crioula de origem portuguesa.

Os Burghers portugueses são maioritariamente descendentes de mestiços de origem portuguesa e cingalesa, geralmente pai português e mãe cingalesa ou mãe descendente de portugueses com pai cingalês. A sua origem remonta à chegada dos portugueses, após a descoberta do caminho marítimo para a Índia, em 1505.

Quando os holandeses tomaram as costas do Sri Lanka em 1656, antigo Ceilão Português, os descendentes dos portugueses refugiaram-se nas montanhas centrais do reino Kandyan, sob domínio cingalês.

Com o tempo descendentes de portugueses e holandeses casaram entre si. Embora a língua portuguesa tivesse sido banida sob o domínio holandês, estava tão difundida como língua franca do índico que até os holandeses a falavam. No Censo de 1981 os Burghers (holandeses e portugueses) contavam cerca de 40.000 (0,3% da população total do Srilanka).

Numerosos apelidos de origem portuguesa permanecem até hoje, como Perera, Pereira, Abreu, Salgado, Fonseca, Fernando, Rodrigo e Silva que se tornaram parte da cultura do Sri Lanka.

Korlai (India)

Korlai é uma aldeia que fica perto das ruínas da antiga cidade fortaleza de Chaul construída pelos portugueses no séc. XVI, em 1534. Chaul foi uma das cidades mais importantes e estratégias do Império Português do Oriente, de tal forma que era uma cidade bem apetecida para os adversários dos portugueses.

Os portugueses começaram a frequentar aquelas águas a partir de 1501, com o apoio do potentado local que se fizera vassalo do rei de Portugal para se livrar da influência do Samorim de Calecut.

A povoação conta com cerca de 900 falantes, no entanto encontra-se ainda por estudar, pois ainda não há nenhum estudo sobre a língua ou sobre os costumes deste povo.

A descendência de Korlai resulta da presença de soldados Portugueses que se casaram com as nativas, bem como um pequeno grupo de mulheres de Goa que se casaram com portugueses. Os seus costumes e tradições indicam essa origem e incluem a religião cristã, a celebração de diversas festividades e até músicas populares.

Tugu (Indonésia)

7 tribos descendentes dos portugueses

Não é fácil chegar a Tugu, a nordeste de Jacarta, capital da Indonésia. Mesmo ao fim-de-semana, o trânsito que liga à aldeia é caótico, devido à proximidade do porto de Tanjung Priok, o principal do país, com cerca de 430 hectares. Apesar dos inúmeros camiões que entopem a estrada principal, sente-se uma tranquilidade ao chegar a Tugu, um ex-líbris de Portugal. Junto ao cemitério e à igreja branca datada do século XVII, há um espaço aberto e arvoredo que lembra o centro de algumas aldeias portuguesas, até pelos idosos que por ali vão deixando cair o tempo.

Os ancestrais dos tugu estão ligados aos escravos dos portugueses na Índia que foram levados para a Batávia, antiga Jacarta, por holandeses.

Ainda no século XVII, após o fim do império colonial português no Sudeste Asiático, chegaram àquela zona comerciantes, artesãos e aventureiros oriundos de Malaca, Ceilão, Cochim e Calecute. O cruzamento entre os dois grupos fez nascer os chamados “Portugueses Negros”, que tinham em comum a língua portuguesa e a religião cristã.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Mais uma alegria, mais uma vitória

Todos os títulos que o F. C. Porto vence são especiais, mas há uns mais especiais do que outros. Este é um deles.
Pedro Marques Lopes
Pedro Marques Lopes

Desde o facto de termos perdido grandes jogadores (Casillas, Filipe, Militão, Brahimi, Herrera) até às várias peripécias parafutebol, passando pela eliminação da Liga dos Campeões e culminando na pandemia, ter ganho este campeonato merece todas as celebrações possíveis e imaginárias.

No que foi feito no campo, além do papel obviamente fulcral dos bravíssimos jogadores, há que enaltecer o trabalho do mister Conceição. Apesar dos reforços não terem a qualidade dos rapazes que saíram - longe disso -, construiu uma equipa sólida, intensa, unida e muito competitiva, baseada no que já tinha. Se um treinador só é bom quando o resultado é maior do que a soma das partes, Sérgio Conceição foi para lá de excelente.

Mas, e La Palisse não diria melhor, o futebol não se joga só dentro das quatro linhas. Este campeonato tem a assinatura a traço muito grosso do presidente Pinto da Costa. Sozinho, no dia 25 de Janeiro de 2020, manteve o sangue frio e viu, não uma luz, mas o caminho para o título e foi também ele que manteve o clube unido nos momentos extremamente difíceis que vivemos e onde, como é normal, as opiniões se dividiam. Temos 38 anos de lições de liderança, amavelmente dadas pelo presidente, as deste ano foram lapidares e merecem figurar em qualquer compêndio.

Estamos a comemorar, mas não há um portista que no minuto a seguir a abraçar o seu irmão de fé, feliz pela vitória, não tenha começado a passar na final da Taça e no próximo campeonato. Foi assim que nos fizemos grandes: todas as vitórias são poucas para o nosso amor, todas as glórias são escassas para o imenso brasão abençoado.

Em cima

Eu não vou aos estádios de futebol ver o F. C. Porto para assistir a espectáculos, vou para estar perto do meu clube e assistir às suas vitórias. Mas quando elas acontecem com momentos como o do quinto golo contra o Moreirense é um autêntico maná. Uma verdadeira obra de arte.

Em baixo

O que está a acontecer no Desportivo das Aves é uma vergonha para o futebol português. No entanto, alerta-nos para a quimera da perda da maioria do capital social pelos clubes e para o vazio legal criminoso deste tipo de operações. Há males que vêm por bem.

Adepto do F. C. Porto

Venham ter comigo aos Aliados

Foi bonita a festa, pá! Fico contente. Desejo ardentemente... a festa popular que os adeptos merecem. Aquilo a que pude assistir pela televisão com a entrega da Taça e consagração oficial dos campeões foi bonito de ver, mas soube-me a pouco.

Manuel Serrão

Continuando a evocar as canções da minha adolescência, poderia dizer que a festa de segunda-feira "soube-me a pouco e soube-me a tanto, portanto... soube-me a pouco". Aliás, a noite de segunda trouxe-me várias boas notícias e só tenho que lamentar que não tenha podido acabar em festa popular. Gostei de ver uma equipa campeã entregue ao trabalho como se não houvesse amanhã. Depois de sabermos todos que ontem já eram campeões. Adorei ver que a formação só pode rimar com campeão quando os pés continuam bem assentes na terra, enquanto a cabeça se mantém atenta a quem mais ordena: o treinador. Foi ainda para mim muito importante perceber que campeão também só rima com gratidão e comemoração quando há trabalho permanente, e isso é verdadeiro em todas as línguas, do português ao japonês. Foi também bonito podermos ver a alegria do grupo de trabalho, a sua criatividade cenográfica e as cumplicidades. Mesmo aquelas que andaram tremidas no início da época e a meio dela, mas voltaram a ser totais no final feliz. Para a época ter o melhor final possível depois daquele infeliz começo, só falta mesmo ganhar a Taça de Portugal, mas também foi possível perceber que ninguém vai meter férias antecipadas até ao dia 1 de Agosto.

Dito isto, posso sentir-me um Dragão feliz? Posso sentir-me um portuense orgulhoso? Duplamente, não. Falta-me a festa dos Dragões juntos. Quando a maioria dos portuenses se junta à maioria dos Dragões do resto do Mundo. Aliados nos Aliados. Vencedores como sempre. Campeões como nunca. Isto é tudo muito bonito, mas venham é ter comigo aos Aliados.

Não acredito que a festa tenha ficado por aqui. Custa-me a aceitar que a festa já tenha acabado. Não podemos queixar-nos que o mundo só fala do regresso do Jesus com ou sem a sua putativa nova namorada, se também não somos capazes de usar a nossa criatividade, os nossos recursos humanos, as nossas taças, os nossos adeptos e a nossa cidade para fazermos uma festa como deve ser. Não me venham com desculpas covidianas, nem me digam que só pode haver festa quando o Bruno Nogueira diz uns palavrões ou o presidente Marcelo tira umas selfies. Era o que mais faltava que os presidentes do Porto e do F. C. Porto, mais todos os peritos que os rodeiam, tivessem sido capazes de recuperar 15 pontos à equipa do Benfica e agora não consigam fazer uma festa capaz de ser mais notícia que o regresso de Jesus à terra que o viu ajoelhar.

Empresário

segunda-feira, 20 de julho de 2020

A história interminável do campeonato

Nove meses a sofrer na esperança de um grande contentamento final. Podia ser o resumo de uma gravidez, mas falo do campeonato.
Joana Marques
Joana Marques

Este ano, ainda foi pior: uma gestação futebolística de 12 meses! Já tinha visto o Porto sagrar-se campeão em abril, às escuras, pensei que o universo não tivesse nada mais exótico reservado para nós, mas agora vi um triunfo em julho, num estádio vazio. Um dia, contaremos a história aos nossos netos. Mas só num dia em que eles não tenham sono nenhum, porque é uma narrativa longa e que dá cabo dos nervos. Tipo capuchinho vermelho e o dragão mau. Quem diz capuchinho pode dizer barrete, e onde se lê mau, pode ler-se insaciável, que o bicho não é maldoso, tem é muita fome (desculpa que podia ser usada também pelo lobo depois de ingerir a avozinha).

Agosto

O Porto perde o primeiro jogo da liga e faz o último jogo da Champions com o Krasnodar. Pouco tempo depois, enfrenta um Benfica em grande, que depois de 5-0 ao Sporting achava que, com o Porto, menos de 6 era derrota. Acabaram por ser 2, de Zé Luís e Marega, que aproveitou a celebração do golo para deixar claro que não estava gordo. Portanto o maliano começou a época a enfrentar bodyshaming. Mal sabia o que estava para vir.

Setembro

O momento mais emocionante do mês dá-se em Portimão, não tanto por Marcano ter feito o 3-2 aos 90+8, mas pelo facto de o Porto ter conseguido converter um penalty.

Outubro

O Porto recebe o líder, Famalicão, que passa a ex-líder Famalicão. Uma semana depois, empata nos Barreiros e é ultrapassado pelo Benfica, passando a ser ex-líder Porto, para não se armar em engraçado. Conceição lembra que nada está perdido: "Isto é uma maratona e precisamos de toda a gente junta", longe de adivinhar que meses depois isso de "gente junta" será proibido.

Novembro

A mulher de Uribe fez anos. Três jogadores (além do marido) estiveram na festa: Marchesin, Luís Diaz e Saravia (ainda se lembram?). Deitaram-se tarde e o míster, sempre compreensivo, deixou-os descansar excluindo-os da convocatória para o derby da Invicta.

Dezembro

Belenenses 1-Porto 1. O momento mais animado deu-se ao intervalo - o que diz muito sobre o jogo -, com o treinador da BSad a gritar "ó boi, deu-me um soco!". "Quem é o boi?" tornou-se um dos grandes mistérios da humanidade, rivalizando com aquela novela da TVI em que se perguntava "quem é o tubarão?". Spoiler: em "Tempo de viver", o pérfido tubarão era Gonçalo. Na liga portuguesa, o boi afinal não existe. Quando prestou declarações, o treinador Pedro Ribeiro corrigiu: "disse Rui, não boi".
Janeiro

O Porto vence em Alvalade, matando um borrego com 11 anos. Calma, vegans: é jargão futebolístico para quando se acaba com longos anos sem ganhar. Passados alguns dias, o Braga ganha no Dragão e mata um borrego ainda maior, de 15 anos. Mais valia terem organizado uma matança do porco, e ninguém se chateava. O Porto desperdiçou dois penalties e o Braga aproveitou dois cantos, que são oportunidades muito mais flagrantes de golo, como se sabe. Na semana seguinte, o FCP foi a Braga e voltou a perder uma final da Taça da Liga, que é daquela carne de borrego que já sabe a velho, mas que Conceição insiste em querer provar. De forma sábia, a equipa permitiu um golo aos 95, para evitar a tradicional derrota nos penalties. No fim, Sérgio disse que faltava união dentro do clube e pôs o lugar à disposição do presidente. O presidente não quis.

Fevereiro

O SLB vinha ao Dragão dar a machadada final no campeonato e ficar a 10 pontos. Isso era certinho. O pró-forma saiu mal, o Porto venceu e o Benfica retirou daí as devidas ilações, de forma a melhorar: eram precisos árbitros estrangeiros! Na semana seguinte, perde na Luz com o Braga. Provavelmente por ter sido Hugo Miguel a arbitrar e não um Hugh Michaels. O Porto vence em Guimarães e desta vez Marega foi insultado por causa de outra característica física, mas que não prejudica a performance: ter pele escura. Aliás, até favorece quem possa ter mais barriga, pois o preto emagrece.


Março

Benfica perde, Porto ganha e passa para 1.o. Na semana seguinte, o Benfica empata e o Porto tem a chance de aumentar a distância. Marca o 2-1 ao Rio Ave aos 77, mas aos 83 o golo é anulado, por fora de jogo de 3 cm. Muitos números, eu sei, mas o que importa reter é este: 1. O Porto tem um ponto a mais e está em 1.o, quando o campeonato é interrompido por uma pandemia. Agarrado também ao número 1, o Benfica recolhe pareceres jurídicos para saber se é possível o campeão ser determinado pelos jogos da 1.ª volta.

Junho

Regressa o tão aguardado futebol! O Porto entra a perder, com o Famalicão, com uma oferta de Marchesin. O Benfica recusa, educadamente, a prenda, e empata com o Tondela. A partir daqui o Porto vence todos os jogos, menos o teoricamente mais fácil, com o Aves, mas candidata-se a um lugar no "Guinness", com mais um penalty falhado.

Julho

O Porto vence a SAD de Belém por 5-0, com um momento profético: Telles dá a vez a Fábio Vieira na marcação de um livre, e o miúdo marca mesmo! Na semana seguinte, outra lição importante vinda de um veterano: Marega tenta impedir o puto de marcar o penálti. Ainda assim, Fábio consegue vencer a oposição do avançado portista e do guarda-redes do Tondela, e fazer o 3-1. A meio do mês, o Porto vence o SCP, equipa recheada de jovens ainda "tenrinhos" por não partilharem o balneário com Moussa, e sagra-se campeão nacional.


E vivemos felizes para sempre. Ou até começarmos a preocupar-nos com a final da Taça de Portugal.

terça-feira, 7 de julho de 2020

Como era a vida e a ostentação.... Escândalos de Lisboa Antiga



Lisboa guarda escândalos (quase) em cada esquina.

Majestic Club


O Majestic Club, hoje Casa do Alentejo, foi o primeiro casino da capital onde se faziam e desfaziam fortunas numa noite.

Três horas para ir da Praça da Alegria até à Rua do Carmo? A "culpa" é das imensas histórias, mais ou menos escandalosas, que saltam a cada passo destes cerca de dois quilómetros
A Praça da Alegria como ponto de encontro para uma visita guiada com o título Lisboa Escandalosa não provoca grande surpresa se pensarmos que no número 58 da praça funcionou durante muitos anos uma referência da noite lisboeta, o cabaré Maxime. Mas não é por aí que Mónica Queiroz, técnica da Câmara Municipal de Lisboa e guia desta viagem, começa este itinerário pedestre, um dos muitos que a autarquia organiza regularmente, realizado pela primeira vez na última quinta-feira e que se repetirá em várias datas até Junho.
O busto do músico, pintor e poeta Alfredo Keil (1850-1907), que empresta o nome ao jardim situado no meio da praça, dá o tom e leva o grupo de mais de duas dezenas de curiosos - muitos deles habitués destes itinerários - ao final do século XIX e a uma incursão por um símbolo nacional. Mais propriamente o hino - e o escândalo provocado pela letra de Henrique Lopes de Mendonça para a música composta por Alfredo Keil. A razão é simples: inicialmente (1890), um dos versos do refrão de A Portuguesa era "contra os bretões marchar, marchar" em vez de "contra os canhões marchar, marchar", pondo em causa a aliança entre Portugal e Inglaterra, velha de mais de cinco séculos, numa reacção contra o Ultimato britânico que obrigava Portugal a retirar as forças militares do território entre as colónias de Moçambique e Angola.
Ainda no Jardim, outro escândalo, este mais caseiro. E mais um recuo no tempo, agora até à Lisboa setecentista e ao caso de adultério da jovem e bonita Isabel Xavier Clesse, "que tentou envenenar o marido, Tomás Luís Goilão, um piloto da carreira das Índias que, por isso mesmo, passava muitos meses fora de casa", conta Mónica Queiroz. Ora, "o ácido nitroso que Isabel mandou o seu criado João comprar numa botica, dizendo que era para tratar dos calos ao marido", acabou por não ser fatal ao piloto, que se salvou. Já Isabel acabou por ser condenada à morte, por enforcamento, ali mesmo, na Praça da Alegria. A guia explica porquê: "Este local, onde até 1833 se realizava a feira da ladra, foi também Campo de Forca."


Campo de Forca.

A Praça da Alegria funcionou como Campo de Forca
Ainda no mesmo local, regresso ao século XX, aos anos 20 e à fundação dos teatros do Parque Mayer - Maria Vitória (1922), Variedades (1926), Capitólio (1931) e ABC (1956) - e "à criação de cabarés e outros clubes nocturnos, tendência que se manteve até aos anos 1950". Finalmente o Maxime, "o Ricks" Café de Lisboa, um ninho de espiões alemães, ingleses e franceses durante a Segunda Guerra Mundial", conta. "As bailarinas que aí trabalhavam tentavam conseguir informações a uns para vender a outros."

Parque Mayer


O Cabaret Maxim era o Rick's café de Lisboa durante a Segunda Guerra Mundial
Percorrendo uns metros na Rua da Glória, encontra-se a indicação "Tuna Comercial de Lisboa" no edifício do número 57. Era aí que em 1915 funcionava o Clube Montanha, e o cartaz que Mónica Queiroz mostra anuncia "jazz band, variedades", com indicação da hora de abertura, 19.00, quanto ao fecho… Este foi um dos muitos clubes nocturnos da Baixa onde os loucos anos 1920 agitaram a vida da capital. Estes espaços de diversão estavam ligados à modernidade de costumes e atitudes, muitas vezes vistos como escandalosos, claro, seja da moral vigente, das novas músicas que aí se ouviam ou das danças aí praticadas. Mas também por efectivas violações à lei, como era o caso do consumo de drogas, com destaque para a cocaína. "Foi neste clube que uma famosíssima corista francesa, Charlotte, introduziu o consumo da cocaína." E se nos vizinhos Ritz Club ou Maxim"s, agora Palácio Foz, era preciso uma bolsa mais recheada, "aqui bastavam 20 escudos para ser noite até de manhã", diz a guia, citando o cantor Vitorino.


Rick's café de Lisboa


Em 1908, no Palácio Foz foi criado o mais importante clube nocturno da cidade, o Maxim's
Descendo a Travessa da Glória em direcção à Avenida da Liberdade, o restaurante Sancho é aproveitado por Mónica Queiroz para recordar os anos escandalosos entre 1253 e 1258, em que Portugal foi um país excomungado pelo Papa. Com a sucessão em perigo por falta de herdeiros de D. Sancho II, o seu irmão, D. Afonso III, envolve-se numa conspiração no sentido de tomar a coroa. Casado desde 1235 com Matilde, condessa de Bolonha, também não tinha herdeiros e, por isso, em 1253 casa-se com D. Beatriz, filha de D. Afonso X, de apenas 9 anos. Ora, como Matilde de Bolonha só morreu em 1258, "o Papa não podia abençoar um rei bígamo".

Maxim's

No Convento da Anunciada, uma freira forjou chagas nas mãos e nos pulsos
É já do outro lado da Avenida, no Largo da Anunciada, junto à Igreja de São José, que chega um escândalo envolvendo a igreja. Aqui a protagonista é Soror Maria de Visitação de Menezes, que nos pulsos e nas mãos forjou chagas, com a ajuda involuntária do pintor espanhol Fernão Gomes que na altura estava a trabalhar no Convento da Anunciada. Com a Infanta D. Maria, filha de D. Manuel I, a ser enganada por esta religiosa que visitava, bem como Filipe II, "que também acreditava na veracidade das chagas", é fácil perceber que este caso tenha alimentado muita literatura escandalosa e proibida.




Decoração do Majestic Club remete para universo das Mil e Uma Noites
Literatura essa que volta a ser referida já no regresso à Avenida da Liberdade, junto ao busto do escritor e político Pinheiro Chagas (1842-1895), amigo do escritor e jornalista Alfredo Gallis (1859--1910), que se tornou bastante popular com os folhetins e romances plenos de referências sensuais.



No Rossio, paragem obrigatório em frente ao Café Nicola com referência a Bocage
Uns passos mais à frente, nova paragem frente ao Condes, hoje o Hard Rock Café Lisboa. Um regresso à década de 70 do século XVIII para falar da actriz italiana Anna Zamperini, que actuou no teatro que aí existia na altura, e o desassossego que gerou na sociedade de então a sua relação com o padre Manoel de Macedo e com o filho do Marquês de Pombal, então presidente do Senado da Câmara de Lisboa. Conta Mónica Queiroz que, para garantir meios financeiros para o teatro (e para a sua sua amada), Henrique José de Carvalho e Melo convocou os comerciantes mais importantes da cidade e, com uma sala iluminada por 200 velas, fez entrar Anna Zamperini. A encenação foi convincente.





Em reacção ao livro "Portugal de Relance" de Madame Ratazzi, Bordalo Pinheiro fez uma caricatura da descendente de Napoleão.

De costas voltadas para o Condes, o itinerário regressa aos primeiros anos do século XX com passagem pelo agora Palácio Foz, que, em 1908, era "o melhor cabaret dancing de Lisboa, com sessões de striptease". "Com uma porta principal e outra secreta, com salas privadas, era uma casa de luxo, e para aí se entrar era preciso ter um cartão; era de grande prestígio social conseguir esse cartão", revela.
Por entre outras histórias que vai desfiando, Mónica Queiroz encaminha o grupo para as Portas de Santo Antão, com entrada na actual Casa do Alentejo, o primeiro casino da capital, inaugurado em 1918 com o nome de Majestic Club. O empresário Júlio César Resende "chama uma equipa de decoradores" e o seiscentista Palácio Alverca é renovado em estilo neomourisco. "Aqui entramos nas Mil e Uma Noites, onde se faziam e desfaziam fortunas numa noite", contextualiza. No primeiro andar, um palco divide o salão do restaurante e a sala de jogo, ambas decoradas com sensuais figuras femininas, e por onde circulavam "as papillons que tinham como missão manter os homens a beber e a jogar, a gastar dinheiro".
Após uma passagem pelo Rossio - onde Mónica tanto conta histórias do tempo da expansão em que o exotismo vindo das terras exploradas pelo portugueses ia espalhando o espanto durante o reinado de D. Manuel I como lê uma das poesias eróticas que notabilizaram Bocage (1765-1805) -, o itinerário termina no início da Rua do Carmo. Pretexto? O Hotel Europa, depois Armazéns do Chiado, onde entre 1874 e 1876 se instalou Madame Rattazzi, descendente da família de Napoleão Bonaparte, que, depois de regressar a Paris, escreveu o livro Portugal de Relance, no qual faz um retracto da sociedade portuguesa e, mais do que isso, denuncia esquemas de corrupção relacionados com lotaria e investimentos na bolsa. As denúncias, vindas de uma estrangeira, não foram bem-vistas e valeram uma caricatura de Bordalo Pinheiro, com a qual Mónica termina este itinerário - "um dos vários possíveis" - à Lisboa Escandalosa.



sábado, 4 de julho de 2020

Josina Machel: “Senti que a justiça criminal de Moçambique me tinha posto uma faca no estômago”


Josina Machel
Cinco anos depois de ter sido agredida violentamente pelo então companheiro, a filha de Samora Machel e enteada de Nelson Mandela está abalada com a Justiça do seu país, depois de o Tribunal Superior de Recurso ter anulado a condenação do homem que a deixou parcialmente cega. “É uma grande traição para as mulheres (…) que depositam a sua confiança no sistema judicial”, desabafa.
António Rodrigues
4 de Julho de 2020
Tem nome de guerreira – em homenagem à primeira mulher do pai, guerrilheira da Frelimo, morta em 1971 – e o seu reerguer depois do episódio de violência doméstica de que foi vítima em Outubro de 2015, na consequência do qual perdeu a vista direita, mostra que também é lutadora. Denunciou o seu caso, foi até às últimas consequências e conseguiu que o seu agressor, o ex-companheiro Rufino Licuco, fosse condenado, em Fevereiro de 2017, a três anos e quatro meses de prisão e a pagar-lhe uma indemnização superior a 200 milhões de meticais (2,5 milhões de e Josina Machel, filha do primeiro Presidente de Moçambique, Samora Machel, e enteada do primeiro Presidente negro da África do Sul, Nelson Mandela, tem-se dedicado, desde então, à causa da luta contra a violência de género. Criou uma organização não-governamental para ajudar mulheres que passaram pelo mesmo, o Movimento Kuhluka, contou a sua história, transformou-a num exemplo de que nenhuma mulher está livre de ser alvo de violência, porque se aconteceu a alguém como ela, que cresceu num ambiente seguro e privilegiado, com uma mãe defensora dos direitos das mulheres e que estudou nas melhores escolas (tem um mestrado na London School of Economics), pode acontecer a todas, ricas ou pobres, letradas ou iletradas.

Quase cinco anos depois de um episódio que lhe deixou marcas para sempre, o Tribunal Superior de Recurso decidiu, no mês passado, anular a sentença de primeira instância por considerar que não havendo testemunhas além do agressor e da agredida não se podia condenar o arguido. Licuco foi assim absolvido.O que sentiu ao saber da decisão do Tribunal Superior de Recurso?
Obviamente senti que o sistema de justiça criminal de Moçambique me tinha posto uma faca no estômago. Eu decidi falar. De certa maneira até parece inconsciente da minha parte, decidi contar a verdade imediatamente após a agressão. Fui a instituições públicas, estive no hospital, durante a minha estadia falei com agentes da polícia e com agentes de saúde, a quem expliquei o que me tinha acontecido. Depois disso, optei por levar o assunto à Justiça. Tenho provas incontestáveis que levaram à primeira sentença. É uma grande decepção. É uma grande traição que o sistema judicial moçambicano tenha optado por ignorar factos que são claros, factos que estão provados na primeira instância.
A maneira como olho para isto, como mulher moçambicana, como mulher africana, como mulher do mundo, é que muitas de nós fazemos o grande esforço de nos expormos, mostrar evidências irrefutáveis e, depois, as instituições escolhem tomar decisões com deficiências flagrantes, em desafio à legislação aprovada no país. Não faz sentido hoje, num Estado de direito, dizer que um caso tem de ser anulado porque a violência aconteceu entre quatro paredes e só estavam a acusadora e o acusado. Ora, essa é exactamente a característica da violência doméstica, os abusadores não abusam na presença de testemunhas. É uma grande traição para as mulheres que quebram o sigilo, que passam por cima da vergonha e do estigma e depositam a sua confiança no sistema judicial e este lhes responde dizendo que a prova não é suficiente porque não há testemunhas. De que é que precisamos mais? Precisamos de estar mortas para o sistema ter em conta as nossas experiências?
Ficou surpreendida com a decisão?
Absolutamente. Poderia entender se a sentença tivesse sido modificada, se a compensação tivesse sido reduzida, mas absolver? Perante provas tão claras? É um insulto à luta das mulheres contra a violência.
Poderá fazer regredir o que se tinha conseguido até em Moçambique, no âmbito da luta contra a violência de género?
Não tenho dúvidas sobre isso, esta decisão vai fazer com que as mulheres sintam que a Justiça não é fonte de refúgio e de protecção e vão preferir ficar caladas. E que os abusadores sintam que a Justiça está do seu lado e podem continuar a perpetrar a violência. E começará a ter impacto no tipo de sentenças que vão começar a aparecer a partir de agora em Moçambique.
Esta decisão é reflexo de que ainda existe em Moçambique uma cultura machista muito forte?
A cultura machista existe no mundo inteiro. Nós estamos num sistema patriarcal e isto é exactamente consequência daquilo a que os inglesas chamam backlash, uma grande força que tenta mostrar, através destes métodos retrógrados ainda fortes, que resistem a este processo de mudança e de reconhecimento dos direitos iguais entre homens e mulheres.
O que vai fazer agora? Vai recorrer para o Tribunal Supremo?
Uma coisa é o que a Josina Machel como pessoa conta fazer, outra coisa é a Josina Machel como activista. As implicações desta sentença vão além do indivíduo. Estamos num processo de consulta e de debate para ver se ainda vale a pena levar o caso a instituições que, a nível pessoal, já têm o sangue do meu pai nas mãos e que agora optaram, também, por ter o meu sangue nas suas mãos. Será que vale a pena? Mas se vale é pelas outras mulheres e não por Josina Machel.
Tem receio que o seu agressor, agora absolvido, possa voltar para se vingar?
Espero que a decência não lhe dê coragem para fazer isso. Mas se acontecer, o que é que posso fazer? Seria mais uma agressão, não faria uma diferença muito grande. Depois de toda a intimidação que fez para eu parar o caso, seria o mesmo tipo de intimidação dos últimos cinco anos. Espero que não o faça, mas não me surpreenderia.
A sua vida mudou desde o caso…
… completamente. Sou meio cega, deixei de ver de uma vista e não sou capaz de conduzir, tenho de ser levada. Não posso trabalhar no computador como fazia, o meu activismo é diferente. A minha vida social também mudou, porque sou dependente das pessoas para me movimentar, principalmente ao fim do dia. A minha vida mudou e nunca mais voltará a ser a mesma. Há pessoas que optam por considerar este tipo de perda insignificante, mesmo quando há mulheres que emocionalmente nunca mais serão as mesmas e a sua participação na sociedade e na vida económica acaba reduzida por causa do efeito psicológico da violência doméstica. Eu sofro o efeito psicológico, mas também físico e isso tem impactos muito grandes na qualidade de vida que agora tenho. Com esta sentença tudo isso foi ignorado e negado pelo Estado moçambicano.
Desde 2015, tem feito questão de sublinhar que a violência de género não conhece limites de classes, nem de privilégios, que mesmo a filha de um Presidente e enteada de outro e filha de uma activista pelos direitos das mulheres (Graça Machel) pode ser vítima de violência doméstica. É importante sublinhar que não há nenhuma mulher a salvo deste tipo de violência?
Completamente. A ironia do destino quis que uma pessoa como eu passasse por este tipo de agressão, pelo mesmo tipo de humilhação que qualquer mulher passa, perante os agentes de polícia, perante os agentes de saúde, perante os agentes do sistema de justiça criminal; e pela condenação que geralmente vem da nossa sociedade, uma sociedade que ainda não passou pela transformação de mentalidade que ajude as sobreviventes de violência doméstica. Esta batalha é de todos nós, não tem a ver com educação, com classe, com idade, todas estamos sob um sistema de subjugação, um sistema de guerra contra as mulheres. Todos os dias, da mesma maneira que um exército, também nós, mulheres, somos agredidas, violadas, mutiladas, mortas e o mundo continua como se nada estivesse a acontecer. Um Estado que vai para a guerra, prepara infra-estruturas para lidar com os veteranos de guerra, mas os nossos Estados optam por ignorar as vítimas desta realidade.
Todos os dias, da mesma maneira que um exército, também nós, mulheres, somos agredidas, violadas, mutiladas, mortas e o mundo continua como se nada estivesse a acontecer. Um Estado que vai para a guerra, prepara infra-estruturas para lidar com os veteranos de guerra, mas os nossos Estados optam por ignorar as vítimas desta realidade
A lei contra a violência doméstica em Moçambique fez dez anos em 2019, a sentença do Tribunal Superior de Recurso em relação ao seu caso mostra que a existência dessa lei não reflecte uma verdadeira mudança na sociedade moçambicana?
A lei da violência doméstica foi vista como um grande sinal e o nosso governo foi encarado como inovador por abraçar esta causa. Mas se, dez anos mais tarde, o mesmo Estado de direito consegue agir desta maneira, é porque aquilo foi apenas um papel aprovado para receber congratulações nesse mundo fora. A minha sentença é o mesmo tipo de sentença que outras mulheres têm recebido ao longo de todos estes anos, é mais um exemplo de que há uma grande diferença entre a existência da lei e a sua aplicação.
Criou em 2015 o Movimento Kuhluka para ajudar mulheres vítimas de violência de género. O que quer dizer kuhluka [lê-se kussuka]?
Kuhluka significa o renascer e foi escolhido porque é simbólico do processo que acontece com todas as vítimas e sobreviventes de violência. Nós costumamos usar a metáfora das árvores: depois de grandes incêndios, de grandes cheias, a tendência é olhar para as árvores e dizer que dali já não vai nascer nada, morreu. É como as mulheres vítimas de violência, é costume olhar para elas e dizer que foram amputadas para o resto da vida; que morreram. E passados meses, anos, olhamos para as mesmas árvores e começam a mostrar um verde novo. É esse o simbolismo que usamos: depois de tudo o que nos aconteceu, voltamos a crescer, renascemos.
Sente-se renascida?
Decididamente que renasci. Esta sentença deve ser uma tentativa para cortar as novas flores e o verde que já nasceu, mas, felizmente, as raízes são fundas, fertilizadas pelas várias irmãs em Moçambique e no mundo que passam por isso e as suas histórias e o ver o quanto renascem, regenerou-me.
O que faz o movimento?
Primeiro, fazemos advocacia pelos direitos e serviços que têm de ser disponibilizados pelo Estado, pelo sector privado, pela sociedade, para promover a cura e a superação de mulheres que passaram por situações de violência. Também defendemos juntos daqueles a que se chamam em inglês os custodians of culture [guardiões da cultura] para que entendam que os direitos dos homens e das mulheres são iguais e que os assuntos de violência de género não podem ser olhados como se fossem de segunda categoria. Trabalhamos com as Nações Unidas e com várias outras instituições internacionais para promover o direito de vítimas e sobreviventes de violência. Em termos de actividades, distribuímos kits para assistência a vítimas de violência nas primeiras horas depois do abuso, temos também o que chamamos círculos de suporte que são grupos de mulheres onde elas podem partilhar a sua experiência, podem aprender novas ferramentas para lidar com essa viagem que é ser sobrevivente de violência. A tendência da sociedade é pensar “isto já passou, já passaram uns meses, ela está bem, a vida andou para a frente”: não! As mágoas, as sequelas continuam durante muito tempo e precisam de ser lidadas de maneira sistemática e é isso que estamos a fazer. E advogamos igualmente pela criação de espaços seguros nas nossas comunidades, aquilo a que chamamos os abrigos, para que as mulheres tenham assistência médica, policial, psicológica, etc. para que possam sair, semanas depois, com capacidade para enfrentar a vida de maneira diferente. O trabalho da Kuhluka é advogar e prestar serviços a sobreviventes de violência de género porque esse foi o vazio que eu e várias outras mulheres identificámos ao começar esta viagem de sobreviventes de violência.