segunda-feira, 24 de junho de 2013

A vida anti-frágil da economia



Por Antoine Danchin



A biologia e a economia enfrentam desafios parecidos: ambas tentam explicar a sobrevivência e a inovação num mundo imprevisível. Por exemplo, Nassim Taleb, famoso pela sua presciente identificação de “cisnes negros”, acontecimentos raros que apresentam correlações com catástrofes económicas, recentemente propôs a noção de “anti-fragilidade” como uma maneira de conceptualizar a reprodução dos mercados e da produção quando confrontados com tais eventos. De facto, as estruturas e processos anti-frágeis rodeiam-nos – inundando a própria vida.Para definir a anti-fragilidade, Taleb questiona o que seria o verdadeiro oposto de “frágil.” Começando com a Espada de Dâmocles, escolhe como o seu oposto não a robustez da Fénix erguendo-se das cinzas, mas a inventividade da Hidra, que faz brotar duas cabeças de cada vez que uma lhe é cortada. Podemos imaginar entidades que não só resistam aos ataques do tempo, mas que, através da criação e recombinação de novos componentes, se tornem capazes de enfrentar um futuro imprevisível?

A inevitabilidade da morte pode parecer sugerir que a vida não foi construída para ser anti-frágil. Mas consideremos o Rei Mitrídates VI do Ponto, que tomava uma pequena dose diária de veneno para se proteger de envenenamentos pelos seus inimigos. A noção de que os sistemas se tornam mais fortes quando desafiados por um baixo nível de influências tóxicas ou perigosas está na raiz de um aceso debate em curso sobre se a radiação de nível reduzido beneficia os humanos, em vez de os prejudicar.

O problema é a falta de provas incontestáveis do Mitridatismo. Sabemos que o exercício, por exemplo, muda a força muscular e a massa e estrutura ósseas, mas é isto que procuramos quando buscamos a essência da anti-fragilidade?

A anti-fragilidade, como definida por Taleb, parece biologicamente menos contestável que o Mitridatismo. Na verdade, a anti-fragilidade parece ser uma qualidade genérica dos sistemas evolutivos. Não corresponde a objectos isolados, mas a populações. E aqui observamos na verdade um comportamento como o da Hidra na evolução dos seres vivos: ao longo do tempo, a selecção natural usará as mutações genéticas das populações para dividir a sua descendência em duas ou mais espécies distintas.

Os organismos vivos são sempre complexos. São constituídos por populações de moléculas, células ou indivíduos que não são idênticos, mas que são parecidos uns com os outros. Quando pensamos na anti-fragilidade dos organismos vivos, não pensamos que determinadas estruturas, ao longo do tempo, evoluem quando confrontadas com desafios de baixo nível, mas antes que existe como que um processo geneticamente embutido que usa os acidentes temporais para tornar o organismo como um todo melhor adaptado ao seu ambiente. Enquanto os componentes do organismo continuam a envelhecer, como um conjunto continuam a melhorar no tempo, formando uma colecção de instâncias individuais específicas, antes de sofrer o inevitável declínio da senescência.

Isto implica que, à medida que envelhece, o organismo extrai e usa informação do seu ambiente de modo a responder aos desafios imprevisíveis desse ambiente. A vida mede e memoriza: usa a variedade incorporada nos seus de outra forma parecidos componentes para armazenar memórias dos acontecimentos passados de modo a que possam ser usadas para reagir a uma nova situação.

A memória básica da hereditariedade de um organismo não é composta de componentes idênticos, mas é antes o que o físico Erwin Schrödinger chamou no seu famoso livro O Que é a Vida de “cristal aperiódico” – um conceito que deu origem à biologia molecular. O conceito, mais significativamente, implica uma falta de identidade precisa e permanente: o organismo reproduz-se (continua a ser parecido consigo), em vez de se replicar (a sua descendência não é uma cópia exacta de si). Isto significa que nenhum grande desígnio geral ou hierarquia única, mas antes um conjunto de entidades mais pequenas e de desenho similar, cooperam para gerar o comportamento global do organismo.

Muita da memória no nosso cérebro, por exemplo, está dispersa por um grande número de contactos entre muitos neurónios. Estes contactos não são idênticos em indivíduos diferentes ou em memórias diferentes. Antes que o catastrófico declínio da verdadeira senescência ocorra, o modo como estes contactos evoluem melhora com o tempo: a capacidade para adquirir novas memórias pode ir decrescendo lentamente como um processo, mas a memória no geral aumenta. Este é o paradoxo do que os cientistas chamam de “vantagem de crescimento na fase estacionária”: quando culturas microbiológicas novas e velhas são forçadas a competir, a mais velha, contrariamente à intuição, ganha o combate.Ao permitir que algumas entidades individuais sobressaiam da multidão, a anti-fragilidade melhora o destino de uma população numa situação desafiante. O número de candidatos para comportamento anti-frágil entre estruturas biológicas é enorme. As células são essencialmente formadas por macro-moléculas, que, mesmo quando codificadas pelo mesmo gene, nunca são inteiramente idênticas. O próprio processo de biossíntese macro-molecular está ligado à estrutura do ambiente. Não existem duas células iguais.

Esta variedade notável, desenvolvida num contexto genético estrito que limita o seu alcance, enraíza a vida na anti-fragilidade. Este é um ponto essencial que a biologia deveria reter. E, à medida que a economia global responde aos desafios imprevisíveis da crise e da recuperação da economia, é um ponto que também os economistas deveriam considerar.

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