sábado, 29 de junho de 2013

Elefante Branco


 
 
Antigamente, na Índia e na Tailândia, o elefante branco era um animal sagrado que não podia ser usado em trabalho. Quando o rei oferecia um destes animais a um cortesão, este tinha de o alimentar, mas não retirava daí nenhum proveito, ou seja, possuía algo muito valioso, mas que só lhe dava despesas, conduzindo-o, muitas vezes, à ruína. É esta a origem da expressão “elefante branco”, tantas vezes aplicada aos estádios construídos para o Europeu de futebol de 2004.

O Cidades visitou no último mês os cinco estádios públicos construídos para o Europeu e os autarcas, mesmo sem falarem em “elefantes brancos”, olham para essas obras como uma fonte de problemas financeiros. Os números, aliás, não deixam dúvidas. Braga paga seis milhões de euros por ano à banca, Leiria paga cinco milhões anuais só em amortizações e juros, Aveiro despende quatro milhões no pagamento de empréstimos e na manutenção, enquanto Faro e Loulé gastam, em conjunto, 3,1 milhões por ano em empréstimos e manutenção. Coimbra é que menos paga e mesmo assim, este ano, vai transferir para a banca 1,8 milhões de euros. Somando estes valores (e em alguns casos a manutenção não está contabilizada), as seis câmaras que construíram os recintos para o Euro 2004 gastam anualmente 19,9 milhões de euros, ou 54.520 euros por dia, montante que terá tendência para aumentar com a subida das taxas de juro.

E se somarmos o que as câmaras de Porto e Guimarães pagam aos bancos pelos apoios que deram aos clubes locais nas obras dos estádios e acessos, a factura anual das autarquias com os empréstimos e manutenção de estádios do Europeu eleva-se para 26,1 milhões de euros. A autarquia portuense pagou 3,6 milhões de euros em 2009, tendo ainda pela frente 44,5 milhões até 2024. Em Guimarães, a câmara gastou 2,5 milhões de euros no ano passado. Já a Câmara de Lisboa afirma que não contraiu empréstimos por causa do Euro.

Na ronda pelos cinco estádios municipais, algo ficou à vista. Não há, ou pelo menos não houve até agora, soluções para rentabilizar os recintos, de forma a cobrir as despesas que a sua construção gerou. Todas as autarquias têm um pesado fardo anual e nenhuma encontrou “a galinha dos ovos de ouro”. Umas invejam o Algarve, porque recebe o Rali de Portugal. Outras Coimbra, porque tem lojas na estrutura do estádio. Outras Braga, porque vendeu o nome do estádio a uma seguradora. E se umas (como Leiria) lamentam que o recinto tenha sido construído no centro da cidade, sem espaço para edificar mais equipamentos desportivos à volta, outras (como Braga e Aveiro) deparam-se com críticas da população, porque os estádios estão fora da cidade. E outras ainda (Algarve) lamentam não ter uma equipa da I Liga a utilizar o recinto.

Contra a demolição

Nas seis cidades envolvidas, Carlos Encarnação, presidente da Câmara Municipal de Coimbra, é o único autarca assumidamente contra a construção do estádio. “Nenhum país decente constrói dez estádios para um Europeu”, critica aquele autarca do PSD. Outros, como o líder das câmaras de Leiria ou a oposição de Braga, só questionam que os montantes investidos tenham sido demasiado elevados para os benefícios que geraram. E em Faro lastima-se que não tenha havido mais apoios regionais e que o recinto não esteja associado a áreas comerciais, que poderiam aumentar a sustentabilidade financeira.

“Muitas cidades que queriam o Euro agora dão graças por não ter um estádio”, desabafa Raul Castro, presidente da Câmara Municipal de Leiria. “Estes estádios foram pensados para uma realidade que não é a portuguesa. O Estádio de Aveiro leva metade dos [60.000] eleitores da cidade. Está sobredimensionado”, acrescenta Pedro Ferreira, presidente da empresa que gere o recinto aveirense, ao que Alberto Souto, antigo presidente da Câmara de Aveiro, contrapõe que 30.000 lugares era a lotação mínima para receber jogos de Europeu.

Com o Europeu de futebol de 2004, o Estado português gastou, pelo menos, 1035 milhões de euros, o equivalente ao custo da Ponte Vasco da Gama. Apurado por uma auditoria do Tribunal de Contas, realizada em 2005, este valor inclui, por exemplo, os encargos com os estádios (384 milhões), acessibilidades (228 milhões), bem como os apoios indirectos das câmaras do Porto (152 milhões) e de Lisboa (59 milhões).

Nas últimas semanas, os gastos anuais com os pagamentos de empréstimos e os custos de manutenção dos estádios têm gerado discussão um pouco por todo o país. O economista Augusto Mateus, que foi ministro da Economia entre Março de 1996 e Novembro de 1997, sugeriu uma solução radical: demolir.

Mas a demolição é algo que os autarcas envolvidos colocam de parte. “Não faz sentido implodir obra desta envergadura”, afirma Raul Castro, autarca de Leiria, que tem o estádio à venda. Em Aveiro, também se encara a venda como uma boa saída (caso não houvesse contestação da população) e o Algarve também está disposto a estudar o assunto, caso surjam interessados. A venda poderá implicar a devolução dos apoios comunitários, mas todos sublinham que isso “não será um obstáculo”, porque as autarquias assumiram grande parte dos custos.

Na rentabilização dos estádios, as câmaras têm-se defrontado com um problema: a especificidade destes equipamentos, que servem praticamente só para jogos de futebol (à excepção de Coimbra e Leiria, que têm pista de atletismo). Uma característica que merece críticas de Augusto Mateus, que recorda, por exemplo, uma visita à sede mundial da Chrysler, onde pôde ver um edifício capaz de ser transformado num centro comercial.

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