Publicado em 2012-05-01
O "New York Times" (NYT) de domingo noticia, em tom de preocupação, a fuga de cérebros dos países do Sul da Europa para a Alemanha que, deste modo, obteria os recursos necessários à continuação da sua política de especialização em sectores avançados. Poucos dias antes, um relatório do Eurostat dizia que os custos por hora de trabalho eram, em Portugal, menos de metade da média da Zona Euro e pouco mais de um terço dos alemães. Pela mesma altura, Vítor Gaspar afirmava que os custos de trabalho estavam a ser reduzidos, o que, somado às reformas estruturais, permitiria estimular a competitividade internacional dos sectores que produzem bens transaccionáveis.
Com uma taxa de desemprego muito elevada (mais de 35%), não vendo perspectivas de evolução entre nós, é natural que os pés sejam a forma que os mais jovens e qualificados encontraram para vir a ter o seu futuro nas suas mãos. O útil junta-se ao agradável quando, nesses outros países, se antecipa uma remuneração bastante mais elevada do que aquela que por cá se poderia auferir. Sabemos que nem todas as histórias têm um fim feliz e que não se deve olhar apenas para a receita: costuma haver uma forte correlação entre os salários e o custo de vida, pelo que não é legítimo estabelecer comparações apenas entre o que se recebe, numa determinada ocupação, cá e lá. Alimenta ilusões e equívocos perigosos.
Pela mesma ordem de razões, comparar remunerações médias não permite chegar a mais conclusões do que a óbvia: nuns países ganha-se mais do que noutros. Um truísmo. A verdade é que para uma empresa, o custo horário do trabalho, em valor absoluto, não é o factor crítico. O que interessa é quanto se pode produzir e o valor a que se pode vender o que se produz. Ora, em qualquer um desses indicadores, não ficamos bem na fotografia: em média, não temos muita produtividade e o que produzimos não é reconhecido como tendo muito valor. As razões são várias e vão da baixa qualificação média de trabalhadores e empresários, à baixa qualidade média da gestão, passando, em alguns casos, pelo défice de imagem do país ou pela nossa dificuldade em nos inserirmos nos mercados e redes internacionais. Sem alterar estes factores, é um engano pensarmos que podemos aumentar os salários.
A crer no discurso do Governo, na versão Gaspar, a descida dos salários mais as reformas estruturais seriam a panaceia. Reunidas essas condições, despontaria uma nova geração de empresários capazes de fazer o que nunca tinha sido feito. E os outros, apenas com a possibilidade de despedir mais facilmente, descobririam novas vocações, abalançando-se em negócios que nunca ousaram. Infelizmente, esta versão liberal dos amanhãs que cantam corre o risco de ter, em laranja, o mesmo destino da outra. Sem uma transformação radical da nossa especialização produtiva, não há descidas salariais que nos valham. Para serem aceites sem instabilidade social, hão-de ser enquadradas num plano de concertação que admita partilhar os ganhos que venha a haver. Se no curto prazo nos permitem ganhar alguma margem de manobra, no longo prazo, a salvação não passa por aqui. De todos os países europeus, Portugal é o que tem uma especialização mais parecida com a China e os outros países asiáticos emergentes. Uma descida de 20 ou 30% nos salários de pouco nos servirá se não nos reposicionarmos: não dá para competir com a China e é irrelevante para concorrer com a qualidade da Alemanha. Para induzir a transformação necessária, as reformas estruturais não são incentivo suficiente nem o mercado, só por si, nos levará lá. Precisamos de uma política económica activa, com uma visão cosmopolita que estimule a melhoria e a mudança. Que dê espaço aos mesmos para fazerem mais e melhor e, quiçá, se revelarem capazes de co-protagonizarem a rotura. E se empenhe na promoção e no acolhimento de novos protagonistas, nacionais e estrangeiros. É aqui que o NYT tem razão: alguns dos que estão a ir para fora far-nos-ão falta. Se soubermos contagiá-los de esperança, voltarão.
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