sexta-feira, 5 de julho de 2013

O futuro dura muito tempo


Vasco Pulido Valente – 11-02-2012

O Portugal que aparece na televisão e nos jornais ficou muito abespinhado com os comentários da sra. Merkel sobre a Madeira e as reflexões do sr. Schulz sobre o nosso “declínio”. Os deputados da Assembleia da República espumavam de fúria e o Governo resolveu exibir a sua dignidade num comunicado seco e sentido. Toda essa gente se acha com certeza acima da crítica daqueles que lhe vão dando o pão de cada dia. Mas não lhe ocorre que não mereça o respeito de ninguém. Cá dentro, houve um pacto para não se falar do passado, ou seja, para nunca se apurarem as culpas do sarilho onde nos meteram. E o patriotismo serve para ir calando parcialmente o que se diz lá fora. Os príncipes e o pessoal menor da República andam por aí de “consciência tranquila” , como eles nos costumam garantir, a tratar com serenidade e deleite da sua preciosa vidinha.

Mesmo em portugueses, esta extraordinária ilusão não deixa de surpreender. O Estado falhou no essencial e foram eles que falharam. Não foi a Europa ou a América ou o “capitalismo selvagem” que falharam. Foram eles. Levar um povo inerme à falência e, a seguir, à miséria equivale, por exemplo, a perder uma guerra. São coisas que não se desculpam. A relativa resignação com que os portugueses se têm portado talvez leve a maioria do nosso funcionalismo político ao erro de supor que adquiriu uma espécie de imunidade perpétua e que nem agora, nem depois lhe pedirão contas. Mas, como já se vai vendo, a vontade de as pedir aumenta dia a dia e acabará inevitavelmente por se tornar geral.

Se alguém julga que em 2013 ou 14 ou 15, voltaremos como sempre ao jogo de salão com o PSD, o PS, o CDS e o Bloco, bramindo inanidades por S. Bento e dividindo votos, não percebeu nada do que está a suceder. O putativo prestígio de Cavaco não vale hoje nada. O cidadão comum despreza imparcialmente os partidos. Cada escândalo, cada dívida, cada falcatrua do Estado e adjacências enfraquece o regime. No fim, não sobrará nada. Excepto a mudança. Não a mudança retórica do costume, uma verdadeira mudança: de homens, de partidos, de regras. Provavelmente, lenta e gradual. Mas deliberada e certa. Não importa. Como explicava o outro, o futuro dura muito tempo. Desde Sócrates que a II (ou III) República entrou em agonia. Esperemos com paciência pela III (ou pela IV).

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