sábado, 28 de junho de 2014

O modelo do Desporto Nacional esgotou-se há anos




FERNANDO TENREIRO 
26/06/2014

Não foram os jogadores de futebol que falharam no Brasil. José Mourinho refere que Portugal nas grandes competições de futebol “não consegue ganhar aos adversários mais fortes sempre que precisa de o fazer”. Interessante será constatar que a limitação da selecção de futebol sugerida por José Mourinho se verificara em inúmeras modalidades desportivas e que o futebol graças a certa imagem das suas estrelas e das vitórias do Porto e do Benfica até parecia estar imune à incapacidade nacional de competir e vencer desportivamente os maiores países.

Será pacífico afirmar que nenhuma modalidade desportiva em Portugal recebeu tantos subsídios do Estado, teve leis feitas à sua medida e a entrega incondicional da Nação. A particularidade interessante é que apesar do benefício do futebol, as limitações das outras modalidades o contaminarem. A incapacidade do desporto nacional tem origem nas condições de trabalho do sector determinadas pelas políticas desportivas e a derrota da modalidade mais protegida é o facto que marca o esgotar do Modelo de Desporto Nacional.

O sinal foi dado em 2008 com a crise de governance do Comité Olímpico de Portugal em Pequim2008 e em Londres2012 confirmou-se. Em Atenas2004 Portugal ganhou 3 medalhas nos Jogos Olímpicos, em Pequim2008 ganhou 2 e em Londres caiu mais 1. Hoje os sinais dessa crise mantêm-se, por exemplo, com a enorme confusão da Liga de Clubes, para além da dificuldade da selecção se preparar bem para defrontar e bater a Alemanha e jogar com ineficácia frente aos Estados Unidos. Portugal sabia há muito que ia jogar com a Alemanha e os Estado Unidos. Estes sabiam que iam jogar com Portugal. A determinação que os alemães deram mostras desde o relvado ao casaco laranja de Merkel, para se ver bem, contrastou com a impreparação do seleccionado português face à pressão do jogo e ao apagão nacional no camarote do estádio. Com os Estados Unidos a limitação técnica sobressai e acumula a impreparação para o empreendimento. A performance técnica e política de Portugal no Mundial do Brasil evidencia limitações do desporto nacional que são conhecidas e não estão resolvidas.

Em vez de se abrir, o desporto está pressionado por rendas excessivas que prejudicam clubes, federações, operadores de televisão privados e patrocinadores privados, o sector mantém condicionalismos pesados conhecidos de certas federações e instituições desportivas e aceita sem debates ou estudos a imposição do critério de decisão lucrativo o qual face às condicionantes austeritárias sufoca todo o sector.

Os jogadores não devem ser responsabilizados pelas responsabilidades de política da estrutura técnica, do rumo da modalidade e dos parceiros proeminentes que afectam a modalidade e todo o desporto.

Há vários anos a esta parte sugiro a falência do Modelo do Desporto português que não possui um conceito agregador, nem uma governance reconhecida pela sociedade, não veicula uma filosofia sectorial face aos desafios que os agentes associativos têm, seja a crise orçamental e financeira, as transformações demográficas, a austeridade ou a continuada divergência face à potência do desporto europeu.

São conhecidas lideranças frágeis no desporto, ausência de diálogo interno, carência de centros de debate democrático e competitivo, técnico e científico, cultural e civilizacional sobre o desporto que Portugal deveria ter. Para um sector com resultados divergentes da Europa que são conhecidos e não são assumidos politicamente, há salários acima de altos magistrados, não há consolidação do saber-fazer na base da produção desportiva e do saber-fazer de excepção no topo da pirâmide, não existe um programa de médio prazo e muito menos de longo prazo. A universidade do desporto está muda e é alvo de riso na comunicação social séria quando fala da importância do futebol. O desporto nacional não vê na ausência de homenageados do Desporto no 10 de Junho um sinal do perigo de alheamento social e político que afecta o futebol e o desporto.

O Modelo do Desporto Nacional esgotou-se e se a trajectória desde o Europeu de 2004 foi de um crescimento cada vez menor até alcançar resultados negativos em 2012, a presente submersão prolongar-se-á para além de 2016.

O futebol em particular quer sempre andar sozinho e quer ter a palavra definitiva esmagando as condições de trabalho de todo o associativismo desportivo e deixa-se contaminar com práticas nacionais que o acabam por tolher e impossibilitar de ter resultados como o futebol de Espanha que antes de soçobrar ganhou um mundial e dois europeus.

O que fazer? Sem querer ferir susceptibilidades a saída é ter a coragem de mudar muitas coisas. Criar condições de produção desportiva tais que, no limite, exista um governante nacional a aplaudir a selecção orgulhosamente da bancada e reconhecido pelos olhares do mundo. Ao longo das décadas os governantes europeus e de outros continentes recorrem a esta imagem como consequência dos investimentos feitos prolongadamente e com determinação política no seu desporto e para benefício primeiro das suas populações e das suas estruturas económicas e sociais.

A fraqueza do desporto português é a falta de democracia e a incapacidade de suscitar na sociedade, na economia e na política a certeza da excelência e o retorno de valor acrescentado incomensurável na resposta aos mais elevados desígnios nacionais que o Desporto tem de ser capaz de equacionar e produzir. A ineficácia do desporto também está na ausência de prestação de contas, na tímida ou inexistente avaliação de erros e na valorização do desporto exclusivamente para benefício partidário, corporativo ou pessoal.

Hoje a classe política portuguesa tem medo de estar no camarote e que a selecção de futebol perca. Quando houver uma classe política em Portugal capaz de ‘vestir a camisola’ desde o pensar e concretizar o desporto no longo prazo incluindo o ataque às lacunas da prática desportiva dos jovens, mulheres, idosos e carenciados, nesse dia, os políticos nacionais terão um orgulho imenso em estarem no camarote independentemente do resultado desportivo expectável e darão a cara, ‘olhos nos olhos’ como agora se diz, aos políticos de outros países e continentes.

No Brasil a selecção até poderá classificar-se, ir a uma final em português e sagrar-se Campeã do Mundo. Esse feito extraordinário não inviabiliza que estruturalmente o Modelo do Desporto Nacional vigente se tenha esgotado desportiva, económica, social e politicamente.

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