sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O distúrbio de Virgolino Faneca 29 Julho 2012, por Celso Filipe


Espero que esta carta te encontre bem, a ti e a todos os teus. Eu sei que daqui a quinze já te teremos de novo na nossa companhia, se Deus quiser, mas como estás aí longe, no Luxemburgo, sei quanto prezas receberes notícias de Portugal.

Deixa-o-Resto, 24 de Julho de 2012
Querida Natália:

Espero que esta carta te encontre bem, a ti e a todos os teus. Eu sei que daqui a quinze já te teremos de novo na nossa companhia, se Deus quiser, mas como estás aí longe, no Luxemburgo, sei quanto prezas receberes notícias de Portugal.

Pois olha, Natália, nem sabes o pratinho que estás a perder. Eu não me ria tanto desde que aquele senhor de cabelos brancos, parecido com o avô Cantigas, se pôs a falar de pêlos íntimos. Mas isso já foi há tanto tempo, que estava mesmo a precisar de voltar a rir até me doer a barriga. E o senhor primeiro-ministro, que só nos tem dado notícias tristes, resolveu fazer-me a vontade. Então não é que ele disse, num encontro com os amigos do partido, acho que eram deputados, o seguinte: "Se algum dia tiver de perder umas eleições em Portugal para salvar o país, como se diz, que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal."

A malta caiu-lhe toda em cima em virtude disto do lixado, o que até deve ter doído, porque o senhor está mais magrinho por causa de estar a fazer uma dieta. Uns ingratos, é o que são. O senhor até disse a frase a sorrir, que era para a malta perceber que aquilo era piada à "Malucos do Riso". Pelo menos foi assim que eu achei e fartei-me de rir lá no café do Alfredo. Tanto que até me acharam maluco. "O homem anda-nos a lixar e tu ainda te ris", zangou-se o Zé das Merendas. A conversa azedou tanto que eu tive mesmo de me ir embora com medo que me dessem umas cacetadas.

Mas ninguém me tira da cabeça que aquilo era mesmo uma piada para o pessoal desanuviar a cabeça da austeridade, da troika, dos impostos, e ir de férias mais bem-disposto.

E o primeiro-ministro ainda fez humor quando avisou os seus amigos: "Nenhum dos que aqui estão foi eleito para ganhar as próximas eleições, ou para ajudar a ganhar autárquicas, nem as regionais deste ano nos Açores, nem as europeias que aí vêm a seguir, não foi para isso que fomos eleitos. Foi para responder ao país." E eles também se riram, assim a modos que um riso nervoso.

É claro que o primeiro-ministro não quer ganhar eleições. O senhor está convencido que vai salvar Portugal e, por isso, que se lixe a política, que só atrapalha. Mas o Camané, o presidente da nossa junta, que é do PSD, também não achou graça à brincadeira. "Ainda vou perder as eleições à custa disto. Mas o tipo do bigode, lá de Viseu, ainda o vai pôr na ordem, para ele ver com quantos paus se faz uma canoa" – disse-me ele.

Antes de ir pôr esta carta no correio fui à minha consulta semestral no posto médico e contei o que se tinha passado à doutora Ivone. Ela torceu o nariz e disse-me que estou com um distúrbio de personalidade. Uma doença lixada, avisou. Nem sabes o que eu me ri.


Um abraço deste teu irmão que muito te preza,
Virgolino Faneca

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