quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Despediu-se Machado Soares, a voz que cantou o adeus a Coimbra

GONÇALO FROTA 
10/12/2014

Autor de um dos mais emblemáticos temas do fado de Coimbra, a Balada do VI Ano Médico de 1958 , que todos conhecem como “Coimbra tem mais encanto”, Fernando Machado Soares morreu este domingo, aos 84 anos.
Como acontece, tantas e tantas vezes, Fernando Machado Soares foi um autor ofuscado por uma das suas criações. Balada do VI Ano Médico de 1958, tema conhecido das vozes do povo como “Coimbra tem mais encanto / na hora da despedida”, é ainda hoje um dos grandes emblemas do fado coimbrão e talvez o seu mais visível caso de popularidade, tendo os versos da canção viajado muito para além dos limites geográficos da Universidade de Coimbra.

Nos rigores da vida académica de então, o tema constituiu uma absoluta novidade, por inaugurar um tempo em que se permitia a todos os alunos finalistas que interpretassem colectivamente a composição encomendada a Machado Soares, ao invés do habitual protocolo da voz solista. Com a morte de Machado Soares, no passado domingo, desapareceu mais um nome fundamental da história do fado de Coimbra.



Nos rigores da vida académica de então, o tema constituiu uma absoluta novidade, por inaugurar um tempo em que se permitia a todos os alunos finalistas que interpretassem colectivamente a composição encomendada a Machado Soares, ao invés do habitual protocolo da voz solista. Com a morte de Machado Soares, no passado domingo, desapareceu mais um nome fundamental da história do fado de Coimbra.

Nascido na pequena vila açoriana de São Roque do Pico, em Setembro de 1930, Machado Soares desde cedo revelou dotes vocais, tendo desenvolvido um gosto muito particular pela ópera. A sua chegada a Coimbra, para cursar Direito, e a sua participação no associativismo enquanto membro do Conselho Cultural da Associação Académica de Coimbra, haviam de possibilitar inclusivamente que levasse até à cidade do Mondego, sempre que possível, companhias operáticas para se apresentarem nos palcos locais. Mas seria a sua ligação ao fado a garantir-lhe um lugar destacado na história da música portuguesa.

De certa forma, quase se poderia dizer um prolongamento natural das suas características, uma vez que o tom mais erudito do fado coimbrão – por oposição ao registo mais popular do lisboeta – sempre foi moldado pelas vozes de perfil lírico que se lhe juntaram e pelas tradições musicais migrantes das regiões que para ali enviavam os seus jovens em busca de formação superior. Dos Açores, acredita-se, terá vindo a mais vincada influência desses lugares distantes.

Tendo integrado o Orfeão Académico de Coimbra e a Tuna Académica, Machado Soares surgiria ao lado de Luiz Goes e de José Afonso enquanto um dos cantores do fundamental Coimbra Quintet – formado ainda por António Portugal e Jorge Godinho nas guitarras, Manuel Pepe e Levy Baptista nas violas.

Apesar de não ter deixado a sua voz plasmada no marcante disco homónimo gravado pelo colectivo em 1957, no Teatro do Príncipe Real, em Madrid, contribuiria de forma decisiva com a autoria de composições e arranjos (Fado do Estudante, Toada Beirã, Cantares do Penedo e Canção Açoriana. No Coimbra Quintet grassava já a ideia de uma balada de Coimbra que representava uma necessária e afirmativa novidade no panorama musical da cidade, a que José Afonso e Adriano Correia de Oliveira haveriam depois de dar seguimento com crescente espírito desafiador.

Além da Balada do VI Ano Médico de 1958, Machado Soares comporia igualmente temas que foi cantando vida fora como Balada do Entardecer ouFado da Noite, emprestando a sua voz também a criações de Sutil Roque ou Mário Maria da Fonseca.

Com a morte de Machado Soares, no passado domingo, desapareceu mais um nome fundamental da história do fado de Coimbra


Após algumas deslocações ao estrangeiro (Brasil, África, Estados Unidos) com as formações universitárias de que fez parte, Machado Soares não se desligou completamente do meio musical coimbrão, mesmo quando exercia já as suas funções de magistrado – passou pelas comarcas de Guimarães, Santarém e Almada.

Em Coimbra, actuava ainda esporadicamente, acompanhado de José Niza e Manuel Pepe. Curiosamente, no entanto, seria já por efeito da sua vida profissional que, ao transferir-se para Almada como juiz corregedor, acabaria por se aproximar do fado de Lisboa, frequentando as casas de fados da capital e acabando mesmo por aceitar o desafio da fadista Maria da Fé e do letrista José Luís Gordo para se juntar ao elenco do Sr. Vinho. Nunca deixando de interpretar o reportório que lhe estava mais próximo, o de Coimbra, seria acompanhado pelos notáveis músicos Fontes Rocha (guitarra), Durval Moreirinhas (viola) e Ricardo Rocha (guitarra).

As suas duas vidas paralelas nem sempre foram vistas com bons olhos no meio da magistratura, mas Machado Soares não deixou de actuar e de emocionar com a sua voz possante marcada pelo rasgo interpretativo de Coimbra.

Tendo ascendido a juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, ainda assim foi a música a deixar uma mais forte impressão à sua passagem. Em 2006, recebeu o Prémio Tributo Amália Rodrigues. E depois da morte da fadista, aliás, de quem fora amigo próximo, foi eleito vice-presidente da administração da Fundação Amália Rodrigues.

Este domingo, aquele que criou e imortalizou a canção vulgarmente conhecida como Balada da Despedida – a melodia reclamada pelos estudantes de Coimbra como banda sonora do seu adeus à cidade –, despediu-se também ele, aos 84 anos. Não faltará, no entanto, quem o possa continuar a cantar.

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