domingo, 7 de dezembro de 2014

A dignidade de uma mulher


ALBERTO PINTO NOGUEIRA
05/12/2014


A Declaração Universal dos Direitos do Homem é quase septuagenária. Velha no calendário. Jovem nos princípios.

Os governos por esse mundo não a respeitam. Não apenas naqueles estados em que é evidente a ausência de democracia, também muitos que a afirmam. A dignidade da pessoa, princípio básico da Declaração Universal, não é só lateralizada, é também hostilizada sob muitos pretextos. O princípio é ontológico. Nasce com todo o indivíduo. Da dignidade humana brotam a liberdade, a igualdade, a privacidade, a intimidade pessoal e muitos outros direitos. Inclusive os chamados direitos sociais. Também deveres.

Qualquer momento ou sede são adequados à defesa dessa dignidade e dos direitos e deveres que nela estão ínsitos. São princípios da Humanidade. Devem defender-se com a solidez dos Jerónimos, com a grandeza do Cristo Rei.

Maria do Céu Guerra, actriz e encenadora, defendeu bem alto essa dignidade e esses direitos. Aproveitou a reunião magna do Partido Socialista. Ergueu a voz em honra das mulheres assassinadas. Vítimas da violência doméstica. No Portugal pacífico de 2014, enumeram-se 34 mulheres vandalicamente mortas. A actriz nomeou cada uma dessas vítimas. Acção positiva de afirmação da reprovação absoluta que esses atentados à dignidade humana devem merecer. A defesa dos grandes princípios que devem nortear o Homem, deve nortear os partidos políticos. A acção não é partidária, mas política. Universal.

A política fica-se pela criminalização desses factos. Numa acção que não previne, não apoia activamente. Resta-se pela punição. Incapaz, limita-se a campanhas tabeladas no tempo. Palestras. Discursatas. Tretas! Não vai além das lamentações. Condenações retóricas da violência. Satisfaz-se com a ratificação de convenções internacionais, com o apoio pontual a conferências de e para ilustres donde pouco sai para o mundo real. Quotidiano das vítimas. As desigualdades de género mantêm-se. Recrudesce. Não reconhece que a violência caminha a par com problemas sociais (desemprego, ausência de valores). Minimiza-os. Trata-se de grave problema político e social. Aí estão amiúde as causas da violência. Para os governos isso é coisa da “sociedade civil”. Fazem leis. Por aqui estacionam. Aguardam que o “empreendedorismo” faça o que deviam fazer. Podem esperar milénios. Onde não há lucro, não há “iniciativa privada” constante, regular. Desinteressado, o “mercado a funcionar” paralisa. Há caridadezinha.

Nos antípodas de Maria do Céu Guerra, está Brittany Maynard, jovem de 29 anos, residia no estado norte-americano da Califórnia. A medicina diagnosticou-lhe um cancro fatal. Bryttany optou por viajar sem regresso deste “admirável mundo novo”. Sedeou-se no estado de Oregon. O poder e a lei não se intrometeram nas suas opções de vida. Brittany reservou bilhete para local e hora certa. Partiu. Afirmou viajar em dignidade. Sofredora e poética. Rodeada dos que amou. A filosofia, a moral e a religião podem obstacular razões de sobra às opções e decisão da jovem. Nós também.

Num ângulo distinto, o dos princípios da Declaração Universal, mora a dignidade da pessoa humana. O estado de Oregon tem de ser olhado com Justiça. Sem preconceitos e ideias feitas. Trata os seus cidadãos com o máximo respeito. Respeita-lhes a vida. E a morte. Todas as objecções são representáveis. Há todos os aplausos e aquiescências. O mundo aceitou a dignidade de Brittany Mynard. Consubstancia e sintetiza a de todos nós.

Procurador-geral adjunto

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