quinta-feira, 10 de outubro de 2013

A obsessão francesa


26 setembro 2013 Slate.fr Paris


Durante a evacuação de um acampamento de ciganos perto de Lille (Norte), a 18 de setembro de 2013."Durante a evacuação de um acampamento de ciganos perto de Lille (Norte), a 18 de setembro de 2013".

Três anos depois de Nicolas Sarkozy, o Governo socialista francês é igualmente acusado pela UE de discriminação contra os ciganos. Esta questão é frequentemente tema de polémica pelo facto de reunir em si muitos dos problemas do país. Excertos.
Eric Dupin

Toda a gente diz isso, mas, infelizmente, é verdade: é muito provável que a questão cigana venha a estar no centro das próximas campanhas eleitorais [municipais em França, em março de 2014, e europeias, em maio de 2014]. Desde já, vários candidatos às eleições autárquicas apoderaram-se do problema, numa tentativa de conquistar as preferências das populações locais. Segundo as estimativas do ministro do Interior, são apenas 20 mil os ciganos que vivem em território nacional. Contudo, nada menos de 70% dos inquiridos dizem estar “preocupados com a presença dos ciganos em França”.

A questão dos ciganos é insistentemente evocada no debate público porque, à sua maneira, ela revela muitos dos problemas que atormentam o nosso país. O primeiro é a dificuldade do Estado em impor o respeito pela legalidade. De facto, é a instalação não controlada dos acampamentos ciganos que é rejeitada. Apesar de 86% das pessoas interrogadas se oporem à instalação, nas proximidades, de um acampamento previsto para esse efeito, os opositores a um acampamento de ciganos legal são apenas 44%. Por outro lado, a opinião pública mostra-se irritada tanto com a lentidão com que os poderes públicos desmantelam os acampamentos ilegais, por estarem sujeitos ao peso dos procedimentos ou mesmo ao engenho dos ciganos, como com a ineficácia dessas medidas.

Por um lado, os ciganos revelam, até extremos caricaturais, a dificuldade que a França tem em integrar as populações de origem imigrante e, por outro, traz à superfície, de uma forma igualmente crua, a ligação tão frequentemente estabelecida entre imigração e delinquência. No que se refere a este tema delicado, a negação ingénua entra em forte competição com a mais cínica das amálgamas.
Pânico e desconfiança

Infelizmente, no caso dos ciganos, não restam dúvidas de que uma parte daqueles que vivem em França – e que não são de modo algum representativos do conjunto da comunidade cigana dos países de Leste – é versada numa série de tráficos ilícitos, que vão da mendicidade organizada à prostituição, passando por diferentes tipos de roubo.

Estas realidades suscitam ainda mais pânico, na medida em que a desconfiança em relação aos “romanichéis” se mantém ancorada na memória popular. Marine Le Pen tomou devida nota de que o medo dos ciganos, nalguns casos instalados em zonas onde a imigração e a criminalidade são baixas, podia permitir ao seu partido aumentar a sua base de apoio.

A questão cigana põe igualmente em causa a Europa. Das duas uma. Se não respeita os direitos dessa minoria e se torna culpada de discriminação contra esta, não se percebe o que está a Roménia – país de origem da maioria dos ciganos que se encontram em França – a fazer numa União Europeia, cujos valores não respeitaria. Mas, se isso não for verdade, não vemos qualquer razão para acolhermos em França uma população vulnerável oriunda na quase totalidade de outro país da União.

Para além dos tráficos ilícitos que assentam em idas e vindas, a presença de um número elevado de ciganos resulta sobretudo de um tipo de imigração económica básica. A pobreza num país rico proporciona mais oportunidades. Também neste aspeto, as regras europeias contribuem para o problema.

A liberdade de circulação e de estabelecimento é um dos grandes princípios da União. O desaparecimento, em 2014, das restrições que limitavam os direitos dos cidadãos romenos e búlgaros não deixará de envolver riscos, numa Europa economicamente tão heterogénea.
Ciganos fecharam-se sobre si mesmos

Por último, o triste destino dos ciganos põe em destaque o forte contraste entre os belos discursos, que fazem a apologia da diversidade, e a rejeição da diferença, que se exprime cada vez com maior violência na sociedade. Para combater os preconceitos de que estes são alvo, o projeto nacional de direitos humanos Romeurope tem muito mais a fazer, além de emitir uma simples brochura.

É inevitável que o medo do estranho, que tem um modo de vida tão diferente, seja profundo, numa sociedade afligida pela crise e já afetada pela pequena delinquência e pela deficiente integração das populações de origem imigrante. No entanto, os responsáveis políticos deveriam recordar tudo aquilo que os ciganos, vindos da Índia para Europa desde a Idade Média, sofreram ao longo da sua história.

Da perseguição de que foram alvo em França e na Alemanha desde essa época distante à sua escravização na Roménia e até ao genocídio nazi, poucos foram os tormentos a que foram poupados. Essas desgraças levaram os ciganos a fechar-se sobre si mesmos, para usar um chavão que, neste caso, assume todo o sentido. A sua singularidade cultural, preservada como reação, contribuiu para os isolar. Além disso, quanto mais rejeitadas se sentem, maior é o risco de as pessoas desenvolverem comportamentos associais. Não será, evidentemente, no quadro de uma campanha eleitoral, que serão encontradas as vias e os meios para resolver um problema tão doloroso e complexo.

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