sábado, 14 de setembro de 2013

Falar de Natália Correia


ALBERTO PINTO NOGUEIRA

13/09/2013

Fernando Dacosta criou e escreveu um belo livro: O Botequim da Liberdade. Fala deste, da vivência nele. Fala de Natália Correia, uma mulher de excepção que marcou uma época nas letras e na política.

Natália Correia trazia em si, diria Almada Negreiros, todas as virtudes e menos defeitos da natureza humana.
Não vou, por pudor e exigível modéstia, perorar sobre Natália Correia. É demasiado alma grande para me atrever a isso. Só lembrá-la, nos seus noventa anos. Sem quaisquer pretensões.

Tive a enorme sorte de, há umas dezenas de anos, a conhecer numa estalagem de Vila Nova de Cerveira, acompanhada de outro grande nome da poesia, José Carlos Ary dos Santos.

Nas bordas de um tanque que simulava ser piscina, ia lendo e sorrindo umas poesias de Natália Correia já com alguns anos, Rio de Nuvens e Passaporte. Seguida de Ary dos Santos, aproximou-se e interpelou-me. Se eu entendia alguma coisa do que lia. Respondi, meio admirado e atrapalhado, pois que a reconheci, com frases feitas: "não preciso de entender, é como na pintura, basta sentir". Verdade é que nunca tinha falado com um poeta ou escritor.

Da sua simplicidade e espontaneidade saiu qualquer coisa como “não percas tempo, lê outras coisas “, mais ou menos isto e ordenou-me que, com a família, jantássemos com eles.

E assim foi. Passou a chamar-me de “ tu” e “ó menino”, pois que a poetisa, verifiquei mais tarde, tinha uma forma muito sua de falar com os outros. O que, no íntimo, me envaidecia. Diz Fernando Dacosta que “havia uma Natália para cada pessoa”.
Organizava uma espécie de serões nas noites na estalagem. A noite exercia uma espécie de fascínio sobre Natália Correia. Liderava.

Personalidade multifacetada, carinhosa, extraordinariamente afectiva e muitas vezes provocante, encantava. Encantou-me.
Li mais Natália Correia.

Muito tempo volvido, o trabalho fez-me assentar vida em Lisboa. O Botequim, no Largo da Graça, era fascínio de muita gente. Natália Correia, quando a primeira vez fui lá, estava rodeada de gente das Letras e das Artes. Adoravam-na!

Reconheceu-me numa mesa a um canto e envergonhado, com dois ou três amigos. Levou-me pelo braço e fez-me ficar na mesa deles. Falavam de literatura e novas tendências. Coisas que não entendi.

Passei a frequentar o bar, olhar e sobretudo ouvir. Sempre que havia dinheiro para o táxi e consumo da casa. Aprendi a ler e sentir, de muitos outros ângulos, a sua prosa e poesia. A extrair de lá ensinamentos para olhar a vida também de outros ângulos.

De longe, a vaga consciência de que a não entendiam. Era isso. Não entendiam. Fernando Dacosta o constata agora: “vai ser preciso passarem duas décadas, ou mais, sobre a minha morte para começarem a entender o que escrevi". Assim é, tão rica aquela alma! Por mim, terei de esperar o seu centésimo décimo aniversário. Se conseguir lá chegar.

Quando, mais tarde, a vi na política e na Assembleia da República, senti uma certa angústia.

Não foi difícil perceber, logo a seguir.

Em Natália Correia, há um fio condutor: na poesia, no ensaio e na política. Na vida!

Chama-se Liberdade. É uma militante apaixonada da Liberdade

Como tal e como a outros, a traíram os políticos que dela, politicamente, se serviram. Que a abandonaram já no fim, a um passo da reforma. Foi de viagem, com bilhete de ida e volta. É ideia de Al Berto.

A Arte, a Literatura, a Poesia, ficam sempre. São a Vida.

Singela “homenagem”!

Que me era dado fazer, a uma alma tão grande?

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