quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O Porto e a identidade. Ponto.








30 Setembro 2014


Sintetizar é, artisticamente, um exercício heróico. Em muito semelhante àquele que o legislador abraça quando pretende que uma lei nasça, viva e perdure em espelho com o Mundo que a rodeia. Ser capaz de considerar toda a realidade, múltipla, sem nada deixar escapar, tipificando o menos possível para que não exclua o que não cabe dentro da enunciação, mas evitando criar um conceito tão aberto e decotado que nada represente, signifique ou acrescente. A síntese é um demónio, sobretudo quando o assunto é de responsabilidade pública e se apresenta como um tradutor de afectos, transmissor em cadeia ou repouso histórico com encanto emocional. Sintetizar, artisticamente, é um acto de transgressão à espera de ser compreendido. É dizer muito com peças simples, montar sinais de encontros sem data marcada à espera de serem olhados. É marcar livres directos com a baliza a milhas. Só uma grande cidade se compromete com este risco.

O trabalho do designer Eduardo Aires para a nova identidade da cidade do Porto é notável. O primeiro doutorado em Design pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto, premiado com o prestigiado prémio internacional Red Dot, assumiu com Rui Moreira uma escolha de risco. Goste-se mais ou menos ao primeiro olhar, o risco que a autarquia assumiu tem forte contexto e enraizamento. Daí que se sinta que a nova simbologia tem uma relação com a cidade que só a pode fazer crescer. À pergunta "como é o Porto?", responde-se o Porto é o Porto. Ponto. Como se refere à laia de cartão de identidade, indiscutível, incontornável, incomparável, sendo que a afirmação não é exterior à cidade, antes intrínseca à mesma.

A possibilidade de resumir graficamente uma cidade e as suas gentes, as suas valências e instituições - como aconteceu em Amesterdão ou Nova Iorque - é um objecto de desejo por inteiro, que vale por si e pela cidade que tentou compreender. E acresce em valor de decisão pelo erário público que não se vê onerado num acréscimo suplementar no orçamento de comunicação, através da simples suspensão de dois ou três números da revista municipal da cidade para que, também ela, volte renovada e com novos protagonistas. Os compromissos existem e esse é também um sinal de que as heranças que pintavam o Porto a verde estão cada vez mais ultrapassadas. Hoje, a cidade acorda inundada no azul que é nosso, espaço a ser preenchido sobretudo pelo que nós, portuenses, temos para dar.

Oxalá a compreensão da cidade acompanhe esta mudança, o que não será difícil face ao apelo de um novo Porto de encontro. Desde logo, porque devolve à cidade a cor que a envolve há séculos: o azul dos azulejos históricos do Porto, estendendo-se como passadeira de convite para ícones urbanos à medida de cada um, ainda com quadrículas em aberto para que possam ser preenchidas. Depois, porque é um Porto declarado, com uma visão cosmopolita da sua história, um Porto que não é de fachada. Nem um depósito do que foi ou é. É um Porto que quer ser. Um ponto que se projecta no "claim" mais pequeno do Mundo. Porto. Ponto de afirmação. Ponto.

AA identidade pode amplificar-se pela descrição, pelo que é mais denotativo, pelo pormenor que faz as delícias numa história deliciosa e bem contada. Momentos há em que cada um dos artífices forja o seu próprio ferro, a ferro e fogo. Neste caso, granito, em formas desenhadas a azul, minimalistas, a fazer adivinhar que há todo um Porto de honra dentro de si. Gente diversa, multicultural, aberta à distância porque se aproxima sem complexos, que se explica por afectos que desembrulham as palavras e as descodificam a coração aberto, coração, matéria de eleição de uma cidade que não pode parar. E assim se envolve na simbologia para renovar os lugares do senso comum, os locais onde toda a gente se encontra. A dada altura, diz-se que esta visão gráfica da cidade se procura afirmar sem adjectivar porque os adjectivos são acessórios a toda esta realidade. Os adjectivos dispensam-se, como num acto de amor profundo. Amar uma cidade é também ter esta coragem.

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