quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Os mulatos do Sado

Parte da história de Portugal é ainda desconhecida para muitos de nós. No século XVI o vale do Sado foi povoado com escravos. Conheça os mulatos do Sado.



Éuma história praticamente desconhecida da grande maioria dos portugueses: a zona ribeirinha do rio Sado foi povoada por escravos trazidos das colónias portuguesas e ainda hoje podemos ver alguns traços fisionómicos nos descendentes actuais que habitam esta zona. Durante séculos a Lezíria e Ribeira do Sado foram um território desabitado, com fama de insalubridade, rodeado de charnecas e gândaras.


Rio Sado

Apenas a exploração das salinas implicava a deslocação de trabalhadores temporários, funcionando o rio como via de comunicação e escoamento de diversos produtos regionais e locais, de onde avultava o sal, produto que pelo menos desde o século XVI a meados do século XX, constituiu a principal actividade económica das regiões ribeirinhas entre Alcácer e Setúbal.


Rio Sado

O paludismo, localmente conhecido por febre terçã ou sezões, era um mal endémico, correndo ainda hoje a versão que a pouca população existente em períodos anteriores ao século XX era constituída por africanos – supostamente imunes à doença – aí fixados pela Coroa como forma de assegurar alguma agricultura. Lenda ou não, o certo é que Leite de Vasconcelos na sua monumental Etnologia Portuguesa, refere e descreve os chamados pretos de Alcácer ou mulatos da Ribeira do Sado, correspondentes a habitantes desta região que apresentavam nítidos traços africanos.

ALENTEJANOS DE PELE ESCURA

Ribeira do Sado,
Ó Sado, Sadeta.
Meus olhos não viram
Tanta gente preta.

Quem quiser ver moças
Da cor do carvão
Vá dar um passeio
Até São Romão.

(do cancioneiro popular de Alcácer do Sal, Alentejo, sul de Portugal)

Ribeira do Sado é o nome de uma região que se estende ao longo do vale do Rio Sado, no sul de Portugal, a partir de Alcácer do Sal e para montante, não longe de Grândola, a Vila Morena. São Romão do Sado é uma das aldeias existentes na referida região.


Gandola


Quem agora for passear pela Ribeira do Sado, já não verá gente verdadeiramente preta diante dos seus olhos, nem encontrará moças da cor do carvão propriamente dito na aldeia de São Romão. A mestiçagem já se consumou por completo. Mas são por demais evidentes os traços fisionómicos observáveis em muitos dos habitantes da região, assim como a cor mais escura da sua pele, que nos remetem imediatamente para a África a Sul do Sahara.



Nem sequer é preciso percorrer a Ribeira do Sado. Se nos limitarmos a dar uma ou duas voltas pelas ruas de Alcácer do Sal, por certo nos cruzaremos com uma ou mais pessoas que apresentam as características fisicas referidas. São os chamados mulatos de Alcácer, por vezes também designados carapinhas do Sado.



O seu aspecto é semelhante ao de muitos cabo-verdeanos, mas eles não têm quaisquer laços com as ilhas crioulas de Cabo Verde. São filhos de portugueses, netos de portugueses, bisnetos de portugueses e assim sucessivamente, ao longo de muitas gerações. Quando falam, fazem-no com a característica pronúncia local. São alentejanos.



É frequente atribuir-se ao Marquês de Pombal a iniciativa de promover a fixação de populações negras no vale do Rio Sado. Mas não é verdade. Existem registos paroquiais e do Santo Ofício que referem a existência de uma elevada percentagem de negros e de mestiços em épocas muito anteriores a Pombal. Segundo tais registos, já no séc. XVI havia pessoas de cor negra vivendo nas terras de Alcácer.




O vale do Rio Sado, no troço indicado, é um vale alagadiço onde hoje se cultiva arroz. Até há menos de cem anos, havia muitos casos de paludismo nesse troço. A mortalidade causada pelas febres palustres fazia com que as pessoas evitassem fixar-se naquela região.



No séc. XVI, muitos portugueses embarcavam nas naus, o que agravava ainda mais o défice demográfico existente. Terá sido esta a razão por que, naquela época, os proprietários das férteis terras banhadas pelo Sado terão resolvido povoá-las com negros, comprados nos mercados de escravos. Os mulatos do Sado dos nossos dias são, portanto, descendentes desses antigos escravos negros.


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