quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Quioto insuficiente


Publicado em 2013-09-29
Quando, em novembro, a comunidade internacional se encontrar em Varsóvia para a conferência climática das Nações Unidas, a premência de substanciais avanços no sentido de um acordo que substitua o Protocolo de Quioto será maior do que nunca. Isto porque se acabou de conhecer a mais recente avaliação do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (PIAC), que confirma o avanço inexorável do aquecimento global.

Uma subida da temperatura média do Globo até 2100 entre 0,3 graus Celsius, para o cenário mais otimista, e 4,8 graus, para o cenário mais gravoso, não deixa ninguém descansado. Desde logo porque pode acontecer que o valor real ultrapasse os 2 graus considerados suportáveis, o que significa consequências tão dramáticas como o degelo em larga escala e a subida do nível médio do mar entre 26 e 82 centímetros.

Apesar de alguns poucos céticos se manterem entrincheirados no seu estado de negação, os 800 cientistas de 110 países que contribuíram para o relatório do PIAC concluíram aquilo que nós, cidadãos comuns, sentimos a cada ano. O clima está a mudar, as ondas de calor são cada vez mais longas e os invernos mais frios. E reafirmaram que este fenómeno tem assinatura humana.

Al Gore diagnostica no seu livro "Our choice" (2009) que a civilização humana e o sistema ecológico terrestre entraram em colisão, sendo a crise climática a mais proeminente, destrutiva e ameaçadora manifestação desse conflito. A atividade humana poluiu os céus com gases de efeito de estufa (GEE), nomeadamente o dióxido de carbono, o metano e o óxido nitroso expelidos por chaminés industriais e escapes de automóveis. Estes gases encurralam o calor na atmosfera e provocam o aumento das temperaturas no ar, nos oceanos e na superfície terrestre, com todos os efeitos sucessivos que se propagam ao nível dos fenómenos atmosféricos e climáticos.

A comunidade internacional está consciente da ameaça. A Conferência de Quioto, onde em 1997 foi estabelecido o Protocolo de Quioto, consagrou metas e mecanismos de redução das emissões de GEE, existindo atualmente o designado mercado de carbono. Para além da taxação das emissões, num quadro de quotas para cada país, urge agora acelerar a reforma dos setores da energia e transportes, a promoção do uso de fontes energéticas renováveis, a proteção das florestas e outros sumidouros de carbono e a criação de novos mecanismos de sequestro do carbono. É um desafio gigantesco para um problema colossal.

Mas se os países estão de acordo quanto ao diagnóstico, o mesmo não se pode dizer sobre como e quem deve estar na linha da frente do combate ao problema. Os maiores responsáveis pelo lançamento de GEE na atmosfera são os países industrializados. Os países em desenvolvimento são menos poluentes, quando se comparam emissões numa base per capita. No entanto, os novos gigantes da economia global, como a China, a Índia e o Brasil, são já grandes poluidores, reclamando quotas de emissão significativas decorrentes dos seus impressionantes ritmos de crescimento. E a questão central é reconhecer se, na fase do desenvolvimento industrial em que estão as economias menos desenvolvidas, lhes deveriam ser concedidos privilégios ao nível do excesso das emissões, de forma a usufruírem das mesmas condições que beneficiaram os países desenvolvidos há décadas. O Protocolo de Quioto estabelece esta discriminação positiva. Todavia, o facto de os Estados Unidos não o terem ratificado e a desistência, leia-se recusa em assumir os objetivos de Quioto e, portanto, escaparem às sanções, do Canadá, Japão e Rússia reagenda o problema do "como e quem".

É por tudo isto que o relatório das alterações climáticas agora publicado tem a virtude de nos inquietar e, assim, agitar a consciência daqueles que podem e devem inverter a tragédia que se anuncia.

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