quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O dandismo em política


 Publicado em 2013-09-23

Um dos fenómenos mais pitorescos da nossa vida política é o dandismo. A intervenção dos dândis na política reveste características enganadoras, pitorescas e, até, folclóricas. O dândi ou janota intelectual é uma pessoa que ostenta em regra um discurso intrinsecamente muito coerente. Tudo é harmonioso e perfeito nas doutrinas a que adere. Geralmente tem formação académica superior que o levou a contactar intelectualmente com muitas teorias políticas, de entre as quais escolheu sempre a mais perfeita do ponto de vista da coerência formal. Ele acha que é o melhor intérprete dos interesses do povo, embora, muitas vezes, não consiga esconder o desprezo que nutre pela vontade e aspirações populares. O dândi exsuda donaire intelectual.

Do ponto de vista prático, a sua intervenção política apresenta duas peculiaridades: as permanentes divisões entre os seus membros e o ódio que nutre pelos partidos políticos que, ideologicamente, estejam mais próximos de si. A seguir ao 25 de Abril de 1974, ocorreu uma inusitada proliferação de grupos políticos, alguns dos quais ainda subsistem na sociedade portuguesa como testemunho dessa prolixidade de dândis. Dizia-se, até, que onde houvesse um aderente a uma ideologia dândi surgia logo o movimento político correspondente e onde houvesse dois aderentes haveria, inevitavelmente, uma cisão nesse movimento. Para o dândi, o pior inimigo do povo é o partido que, politicamente, mais próximo está de si. A "marcação" que o PCTP/MRPP fez ao PCP a seguir ao 25 de Abril será, porventura, o exemplo mais elucidativo. Prisioneiros da coerência formal de discursos ideológicos construídos em laboratórios intelectuais, os dândis políticos têm sempre uma enorme dificuldade em relacionar-se com a realidade social. Para eles, quase sempre, é a realidade que está errada e não as teorias que defendem como dogmas inquestionáveis. Por isso, aquela é que tem de adaptar-se a estas.

Os concretos programas de ação política do dandismo acabam sempre remetidos para as margens da verdadeira luta política, distinguindo-se, em regra, pela defesa quase religiosa de causas ultraminoritárias que pouco ou nada têm a ver com os verdadeiros interesses do povo. Os direitos que exigem para os LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) adquirem dimensão escatológica e as legalizações das drogas ocupam lugar de destaque nos seus programas de ação, constituindo, em muitos casos, a sua única marca distintiva.

Depois das fanfarras que o 25 de Abril lhe permitiu, o dandismo político foi diminuindo e, a partir dos finais dos anos 90, passou a exprimir-se através do Bloco de Esquerda (BE), partido resultante de uma fusão entre o Partido Socialista Revolucionário (PSR) e a União Democrática Popular (UDP), ou seja, entre seguidores de Leon Trotsky e de José Estaline, precisamente, as duas correntes ideológicas que historicamente mais se odiavam e combatiam no campo da esquerda. Para além de divergências teóricas assinaláveis, Trotsky fora assassinado na Cidade do México, em Agosto de 1940, por um sicário às ordens de Estaline.

O BE entrou em decadência e cada vez mais tenta esconder-se de si próprio e dissimular a sua impopular agenda política. Agora, disfarça-se, cada vez mais, de movimento unitário e, para melhor atingir os seus intentos, recorre a personalidades politicamente erráticas sempre disponíveis para uns fugazes instantes de glória. É o que tem estado a acontecer nestas eleições autárquicas com algumas das suas listas apresentadas como sendo o resultado de movimentos espontâneos e apartidários de cidadãos. Essa tentativa de logro atinge a sua expressão mais acabada no autodenominado Movimento Independente Cidadãos por Coimbra, ou seja, um movimento comandado pelos dândis do BE na cidade e integrado, predominantemente, por universitários e intelectuais politicamente à deriva.

Esse movimento ao serviço do BE mais não pretende do que criar dificuldades eleitorais à CDU e, sobretudo, impedir a eleição do socialista Manuel Machado, único candidato de esquerda com possibilidades efetivas de (re)conquistar a presidência da Câmara Municipal à direita. Os dândis são assim.


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