segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A República e a escola primária








ALBERTO PINTO NOGUEIRA

05/10/2013

A escola primária, como se dizia, assentava num morro sobre o Douro. Sobre a Afurada, onde o rio se afunda no mar.

O Sr. Morais era o professor. Baixinho, gordinho e afável. Em quatro anos, tivemos uns bons meses de férias. Fora das férias. Dizia-se, à boca calada, que uns homens de fato e chapéu negros o tinham levado. Num carro negro.

Regressava menos gordinho. Sempre de olhar firme nos olhinhos azuis, por detrás dos óculos.

Nos aniversários da República, a lição e os “deveres de casa” eram sempre os mesmos. Contava que, nos primórdios do século, um lavrador abastado e literato, José Relvas, escalou os Paços do Concelho, em Lisboa, gritou, em nome dos revoltosos: “Viva a República!”.

Ensinava coisas que não vinham nos livros. Acrescentava que o mais importante está na vida. “Esta matéria” não é para exame. Saber não ocupa lugar. Nem no corpo, nem no espírito.

Adicionei e cotejei os ensinamentos do Sr. Professor (não, do “ prof”), com os recolhidos na Faculdade, no sentir da vida. Revisitei os caderninhos de duas linhas já bem amarelecidos, roídos aqui e ali, verifiquei quão grande o saber do Sr. Morais!

A monarquia e o rei tinham sido derrubados por muitas razões. O governo ditatorial de João Franco. Escândalos financeiros. O do tabaco. Dos dinheiros ilegais e a rodos cedidos à Coroa para gastanços.

Falava palavrinhas simples para putos de rua. A República consagrara a liberdade e igualdade de cidadãos. Sem privilégios, títulos ou nobrezas. De nascimento.

Da Faculdade, recebera que quem mandava era o Congresso da República, em duas câmaras, o Senado e os Deputados. Elegia o Presidente da República por quatro anos não renováveis. O primeiro foi Manuel de Arriaga.

Para o Congresso, só votava quem tivesse mais de 21 anos, sabendo ler e escrever. Ou “chefes de família”. Votaram 400 mil, dos seis milhões de portugueses. Havia muito analfabeto. Povo rural.

O Professor explicitava que a República instituíra o ensino primário, geral e obrigatório. Gratuito. Gerara uma formação específica dos professores primários. Asseverava que, depois da Liberdade e Igualdade, o Ensino fora a maior realização da República.

Criara o divórcio. O Estado não tinha que impor a vigência de um contrato cujos pressupostos haviam falido. Considerava o casamento um contrato.

Grande busílis da República foi o decreto de 20 de Abril de 1911. A Separação da Igreja do Estado estava certa. O decreto tinha excessos. Desagradou muito à Igreja e ao povo católico. Graves conflitos.

Retive duas figuras contrastantes: Raul Brandão e Gomes da Costa. Aquele nasceu na Foz do Douro. Filho de pescadores. Escritor, jornalista. Um romântico e republicano. Preocupado, inquiria: “ Quem fez mal à República?”.

A monarquia deixara a Nação falida. A República fez um enorme esforço de recuperação das contas públicas. Foi interrompido pela participação na I Guerra Mundial. Havia a oposição de muitos prelados. Do Altar. Muitas contradições e guerras fratricidas. Dirigentes que se serviam da República, sem a servirem.

Gravemente enferma.

Gomes da Costa, em Braga, polia as dragonas de general, engraxava as botas. Preparava as tropas para o assalto à República, à maneira de movimentos simultâneos em Itália e Espanha. Desceu a Sul, com tambores de “Às armas, Portugal”. Tomou o poder. O Presidente da República, Bernardino Machado, renunciou a 31 de Maio de 1926.

O Sr. Professor terminava a aula convicto “Viva a República!”.

“Dava-nos” mais um mês de férias!




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