sexta-feira, 18 de outubro de 2013

É normal ser-se honesto?



Por Carlos Pimenta
publicado em 23 Ago 2013
O defraudador, pelo incumprimento fiscal, corrupção, informação privilegiada e ligação a meios mafiosos tem mais possibilidades de vencer nos sacrossantos mercados

1. Em "Fraude, a hidra"* alertámos para a diversidade e intensidade das fraudes nas últimas décadas, podendo-se afirmar que estamos rodeados de fraude por todos os lados. Em muitos países, incluindo Portugal, as suas diferentes formas, a corrupção, a lavagem de dinheiro, a economia subterrânea e a ilegal são uma elevada percentagem do produto oficial. Países numa mundialização em que os offshores acumulam uma riqueza que é metade do produto anual mundial.

O que é hoje um padrão normal ou anormal? Será de continuamos a assumir que o normal é a honestidade e o anormal a eventual fraude?

2. Contra aquela situação não há mecanismos automáticos de reafirmação da ética e dos valores humanos. Antes pelo contrário. Há um círculo vicioso: os defraudadores continuam impunemente os seus negócios, o efeito imitação dessa impunidade propaga-se. O defraudador, pelo incumprimento fiscal, corrupção, informação privilegiada e ligação a meios mafiosos tem mais possibilidades de vencer nos sacrossantos mercados.

As dificuldades das crises permitem a expansão da criminalidade: emprestando, controlando, participando do capital, aproveitando as privatizações. A lógica da mundialização de "esmagar os preços" facilita a fraude.

O normal é o comportamento ético e humanista?

3. A resposta é inequívoca. A sociedade rege-se por princípios de honradez.

A percentagem de rendimento e riqueza associada à multifacetada fraude e à contabilidade criativa (quantas vezes promovidas pelos próprios Estados!) é muito elevada. Contudo tais acções são realizadas por um número muito reduzido de pessoas, individuais ou colectivas.

Em Portugal poucas centenas de empresas e cidadãos são "empreendedores" desonestos e manipulam sem ética, enquanto milhões são honrados e respeitam o próximo.

A crise tem servido para revelar o encoberto: como a crise actual mergulha na desonestidade (ver "Crise criminável e criminogenética"*). Contudo a propaganda, a mentira, a lógica neoliberal e certas prática de negócios pretendem encobrir essa situação e insistem no esquecimento da ética.

A pergunta inicial converte-se: como é possível que umas escassas centenas de pessoas controlem e manipulem milhões? Porque razão estes não impõem os seus valores?

4. Poder-se-á argumentar que se questiona o próprio sistema capitalista.

Reconheça-se, contudo, que o capitalismo tem várias caras. No seu seio também há vantagens mútuas, cooperação, solidariedade, respeito pelo outro. Pode ser compatível com o primado da sociedade, contra o egoísmo individual, com a honestidade, honra e dignidade.

Concentremo-nos em combater o mundo putrefacto da fraude!

5. A dignificação da política, o retorno ao humanismo e à ética, exige o fim da subserviência do político em relação ao económico (ver "A inteligência da subserviência"*). Essa ruptura não é suficiente mas é um contributo.

Como?

A resposta é complexa e colectiva. A única certeza é que tal só se constrói em democracia, pois exige maior participação, intervenção e fiscalização das populações.

Os tempos recentes chamaram-nos a atenção para duas outras vertentes: (a) enquanto os honestos elegerem desonestos para os governar (ver "O perigo da história única"*) nunca terão os seus princípios éticos salvaguardados. (b) A abstenção eleitoral tem sido uma forma de protesto contra a situação vigente pelo que, enquanto oposição, deve ter "representação" política.


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