quinta-feira, 31 de outubro de 2013

BCE explicado como se fosse às crianças....





O QUE É O BCE?

- O BCE é o banco central dos Estados da UE que pertencem à zona
euro, como é o caso de Portugal.

E DONDE VEIO O DINHEIRO DO BCE?
- O dinheiro do BCE, ou seja o capital social, é dinheiro de nós
todos, cidadãos da UE, na proporção da riqueza de cada país. Assim, à
Alemanha correspondeu 20% do total. Os 17 países da UE que aderiram
ao euro entraram no conjunto com 70% do capital social e os restantes
10 dos 27 Estados da UE contribuiram com 30%.

E É MUITO, ESSE DINHEIRO?
- O capital social era 5,8 mil milhões de euros, mas no fim do ano
passado foi decidido fazer o 1º aumento de capital desde que há cerca
de 12 anos o BCE foi criado, em três fases. No fim de 2010, no fim de
2011 e no fim de 2012 até elevar a 10,6 mil milhões o capital do
banco.

Então, SE O BCE É O BANCO DESTES ESTADOS PODE EMPRESTAR DINHEIRO A
PORTUGAL, OU NÃO? COMO QUALQUER BANCO PODE EMPRESTAR DINHEIRO A UM OU
OUTRO DOS SEUS ACCIONISTAS.
- Não, não pode.

PORQUÊ?!
- Porquê? Porque.... porque, bem... são as regras.

ENTÃO, A QUEM PODE O BCE EMPRESTAR DINHEIRO?
- A outros bancos, a bancos alemães, bancos franceses ou portugueses.

AH PERCEBO, ENTãO PORTUGAL, OU A ALEMANHA, QUANDO PRECISA DE DINHEIRO
EMPRESTADO NÃO VAI AO BCE, VAI AOS OUTROS BANCOS QUE POR SUA VEZ VÃO
AO BCE.
- Pois.

MAS PARA QUÊ COMPLICAR? NãO ERA MELHOR PORTUGAL OU A GRÉCIA OU A
ALEMANHA IREM DIRECTAMENTE AO BCE?
- Bom... sim... quer dizer... em certo sentido... mas assim os
banqueiros não ganhavam nada nesse negócio!

AGORA NãO PERCEBI!!...
- Sim, os bancos precisam de ganhar alguma coisinha. O BCE de Maio a
Dezembro de 2010 emprestou cerca de 72 mil milhões de euros a países
do euro, a chamada dívida soberana, através de um conjunto de bancos,
a 1%, e esse conjunto de bancos emprestaram ao Estado português e a
outros Estados a 6 ou 7%.

MAS ISSO ASSIM É UM "NEGÓCIO DA CHINA"! SÓ PARA IREM A BRUXELAS
BUSCAR O DINHEIRO!
- Não têm sequer de se deslocar a Bruxelas. A sede do BCE é na
Alemanha, em Frankfurt. Neste exemplo, ganharam com o empréstimo a
Portugal uns 3 ou 4 mil milhões de euros.

ISSO É UM VERDADEIRO ROUBO... COM ESSE DINHEIRO ESCUSAVA-SE ATÉ DE
CORTAR NAS PENSÕES, NO SUBSÍDIO DE DESEMPREGO OU DE NOS TIRAREM PARTE
DO 13º MÊS.
As pessoas têm de perceber que os bancos têm de ganhar bem, senão
como é que podiam pagar os dividendos aos accionistas e aqueles
ordenados aos administradores que são gente muito especializada.

MAS QUEM É QUE MANDA NO BCE E PERMITE UM ESCÂNDALO DESTES?
- Mandam os governos dos países da zona euro. A Alemanha em primeiro
lugar que é o país mais rico, a França, Portugal e os outros países.

ENTÃO, OS GOVERNOS DÃO O NOSSO DINHEIRO AO BCE PARA ELES EMPRESTAREM
AOS BANCOS A 1%, PARA DEPOIS ESTES EMPRESTAREM A 5 E A 7% AOS
GOVERNOS QUE SÃO DONOS DO BCE?
- Bom, não é bem assim. Como a Alemanha é rica e pode pagar bem as
dívidas, os bancos levam só uns 3%. A nós, à Grécia ou à Irlanda que
estamos de corda na garganta e a quem é mais arriscado emprestar, é
que levam juros a 6%, a 7 ou mais.

ENTÃO NÓS SOMOS OS DONOS DO DINHEIRO E NÃO PODEMOS PEDIR AO NOSSO
PRÓPRIO BANCO!...
- Nós, qual nós?! O país, Portugal ou a Alemanha, não é só composto
por gente vulgar como nós. Não se queira comparar um borra-botas
qualquer que ganha 400 ou 600 euros por mês ou um calaceiro que anda
para aí desempregado, com um grande accionista que recebe 5 ou 10
milhões de dividendos por ano, ou com um administrador duma grande
empresa ou de um banco que ganha, com os prémios a que tem direito,
uns 50, 100, ou 200 mil euros por mês. Não se pode comparar.

MAS, E OS NOSSOS GOVERNOS ACEITAM UMA COISA DESSAS?
- Os nossos Governos... Por um lado, são, na maior parte, amigos dos
banqueiros ou estão à espera dos seus favores, de um empregozito
razoável quando lhes faltarem os votos.

MAS ENTÃO ELES NÃO ESTÃO LÁ ELEITOS POR NÓS?
- Em certo sentido, sim, é claro, mas depois... quem tem a massa é
quem manda. É o que se vê nesta actual crise mundial, a maior de há
um século para cá.
Essa coisa a que chamam sistema financeiro transformou o mundo da
finança num casino mundial, como os casinos nunca tinham visto nem
suspeitavam, e levou os EUA e a Europa à beira da ruína. É claro,
essas pessoas importantes levaram o dinheiro para casa e deixaram a
gente como nós, que tinha metido o dinheiro nos bancos e nos fundos,
a ver navios. Os governos, então, nos EUA e na Europa, para evitar a
ruína dos bancos tiveram de repor o dinheiro.

E ONDE O FORAM BUSCAR?
- Onde havia de ser!? Aos impostos, aos ordenados, às pensões. De
onde havia de vir o dinheiro do Estado?....

MAS METERAM OS RESPONSÁVEIS NA CADEIA?
- Na cadeia? Que disparate! Então, se eles é que fizeram a coisa,
engenharias financeiras sofisticadíssimas, só eles é que sabem
aplicar o remédio, só eles é que podem arrumar a casa. É claro que
alguns mais comprometidos, como Raymond McDaniel, que era o
presidente da Moody's, uma dessas agências de rating que
classificaram a credibilidade de Portugal para pagar a dívida como
lixo e atiraram com o país ao tapete, foram... passados à reforma.
Como McDaniel é uma pessoa importante, levou uma indemnização de 10
milhões de dólares a que tinha direito.

E ENTÃO COMO É? COMEMOS E CALAMOS?
- Isso já não é comigo, eu só estou a explicar...

terça-feira, 29 de outubro de 2013

A Espiral Recessiva explicada em menos de 3 minutos

A Espiral Recessiva explicada em menos de 3 minutos

A ponte de Viana do Castelo e as estórias de Gustave Eiffel


Ficheiro:Ponte Eiffel em Viana do Castelo.jpg

ALBERTO PINTO NOGUEIRA
29/10/2013 

Gustave Eiffel nasceu em Dijon, França, no segundo quartel do séc. XIX. Foi um engenheiro de raro talento . Tão grande que a vida o reconheceu, cá o mantendo até aos 91 anos.

De Paris ao Panamá , por todo o mundo, a sua genialidade fala.

A Torre Eiffel, em Paris, é o símbolo da cidade luz e da França. Ao certame para a sua construção responderam 700 concorrentes. Gustave Eiffel venceu.

A Estátua da Liberdade em Nova Iorque, doação de Napoleão III à América no centenário da independência, é também arte de Gustave Eiffel. Por todo esse mundo há Eiffel.

Entre nós, construiu 24 pontes.

A de D. Maria Pia, no Porto, é um expoente de engenharia de Eiffel. Monumento nacional e internacional. Toda a gente sabe isso. A história da cultura e da arte, diz Lobo Antunes, é “aquilo que vai ficar de um povo". Deve sempre ser revisitada, pensada e revivida. Explica a solidez do passado, projecta o futuro colectivo dos povos.

Ao tempo, a arquitectura do ferro superava em beleza e magnificência a do betão e cimento armado que se lhe seguiu. Eiffel está por todo lado a demonstrá-lo.

Foi essa arquitectura que Gustave Eiffel também levou ao Norte de Portugal. A Viana do Castelo.

Com a colaboração de Théophile Seyrig, projectista e construtor da ponte Luís I, no Porto, construiu a ponte rodo-ferroviária, a ligar as duas margens do Lima. Tinha-a por sua obra prima.

Eiffel dedicava o cérebro e o corpo às pontes. Aquando daquela construção, estabeleceu residência num povoado de meia dúzia de gentes, hoje cidade com algum encanto, Barcelos.

Doeu-se aí de solidão, mantendo-se sonhador. A natureza humana é assim! Grandes homens, grandes sonhos.

Um artista de Paris encurralado na terrinha de Barcelos. Eça em Tormes! Com artes de arquitecto e engenheiro do ferro, Eiffel engenhava como sair de tamanha solidão.

Em Barcelinhos, muito junto àquele, habitava Maria Adelaide Lopes. Na paz de sacristias e rezas. E jejuns! Gordinha e roliça, como convinha às minhotas. Brincos, longos colares de oiro, ao jeito das paragens. Eiffel seduziu-a com artes de engenharia que dominava como ninguém. Públicas virtudes, defeitos privados.

As obras da ponte continuaram. Chegou a inauguração em fins do séc. XIX. Gustave Eiffel, engenheiro sabedor e de confiança, acautelando as vidas que por séculos ali passariam, projectou testar a resistência e segurança da ponte, à semelhança da D. Maria Pia. Toneladas de peso de uma à outra margem.

Não há homem grande sem mulher ainda maior, diz o povo. Maria Adelaide impôs o seu critério ao projecto idealizado por Effeil. Testou a segurança da ponte. A pé e só, atravessou a dita, de um lado ao outro do Lima, do outro ao primeiro. A ponte resistiu. Maria Adelaide concluiu ufana: “Se a ponte pôde comigo, aguentou, poderá com o comboio.” Gustave Eiffel conformou-se. Desistiu da tonelagem.

Ninguém assegura a veracidade da estória. Se se trata da História ou de lenda. Fique-se com “a lenda que esta precede os factos”.

A ponte ainda lá está. Maria Adelaide era de peso.

domingo, 27 de outubro de 2013

O Douro e as pontes

ALBERTO PINTO NOGUEIRA 25/10/2013 
Povo e Douro são o centro da história do Porto.

A mais de 60 metros do nível das águas, Gustave Eiffel construiu uma ponte em ferro, de uma só linha, a D. Maria Pia. D. Luís I inaugurou-a em 1877. Antes, experimentou-se-lhe a resistência, com 1500 toneladas de peso sobre o tabuleiro, de uma à outra margem. Suportou.

Da encosta, a ponte sugere uma ave que pousa.

Como lhe compete, o rio ficou debaixo, a correr para o Atlântico. O comboio aproveitou e sobrevoou-a a raiar o século XX, que ao Porto tudo chega sempre mais tarde. Passou lá 114 anos. Foi substituída pela de São João em 1991. Abandonaram-na. Empurram-se uns aos outros na responsabilidade de a cuidar. Um monumento nacional e internacional!

A ponte pênsil, mais cá em baixo, era fraquinha para as gentes irem e virem de uma margem à outra.

Houve novo concurso. Eiffel jogou de novo a sorte e ficou de fora, com outros concorrentes de menos relevância. Théophile Seyrig, seu aluno e colaborador na D. Maria, foi o vencedor. Um certame transparente, não predeterminado quanto ao vencedor. Como hoje (?). Construiu a ponte que foi inaugurada com dois tabuleiros, o superior em 1886, o inferior em 1888. É a ponte Luís I, D. Luís I ou D. Luís. O processo do concurso está arquivado no Palácio da Bolsa.

O Douro persiste na marcha entre serena e febril para a Foz. Com percalços. As margens comprimem-no. A direita na Ribeira, juntinho ao tabuleiro inferior. Invade-lhe o território, perturba-lhe o fulgor das águas do ventre no Inverno. Zangado, possesso na tempestade e chuva a rodos, toma a margem, ocupa casas, restaurantes, ruas e ruelas, trai o comércio e despeja dor a quem por ali habita. Desprezaram-lhe o caudal. A natureza requer regras, ordem e disciplina de que é exemplo.

Vence o aperto da Luís I, distende-se, vai por ali fora, encontra mais adiante outra ponte. A da Arrábida, quase na Afurada. Edgar Cardoso construiu-a , já na era do cimento e betão armado. Salazar inaugurou-a em 1963. É uma das seis que vigiam o Douro lá de cima, a ligar as duas cidades. Diz-se que o seu arco em betão foi dos maiores do mundo. Por “cá” tudo é maior quase em tudo. De origem, foi equipada com dois elevadores em cada margem do rio. Era despesismo e as pessoas da Afurada e arredores bem podiam vir e ir de autocarro que os STCP facturam. Bloquearam-nos há anos.

O rio não mete férias, nem é ribeirito que seque se não chove. Deixa a Arrábida, distende-se mais. Se o Inverno é mesmo Inverno, conquista a Afurada. Alaga e tudo leva, derruba muros e paredes de defesa, desaloja pescadores, mulheres e filhotes. Engole barquitos de arrasto por ali à deriva. Indiferente, corre à Foz. Mergulha no mar.

Poupa a Marina de Canidelo, local lindíssimo, ao fundo na margem esquerda. Deve aproveitar-se, de dia ou à noite. Estacione no único bar/restaurante sobre o Douro que ali há. O Charme & Gourmet. Alongue o olhar por aquela imensidão de água azul a brilhar que o visível vai até ao mar.

Observe o casario do lado de lá, o Porto.

O local é lindo, lindo. E poético.



quinta-feira, 24 de outubro de 2013

"O abc do poder Angolano"!


Os angolanos são os investidores estrangeiros com maior peso no PSI-20. O conjunto das suas posições vale cerca de 2,8 mil milhões de euros, valor que oscila em função da volatilidade das acções. A sua influência, contudo, está longe de se esgotar na bolsa. O poder angolano tece-se em várias teias.

 








A
António Mosquito e Álvaro Sobrinho. O primeiro tornou-se mediático em Portugal por ser dado como putativo comprador da Controlinveste, empresa que detém, entre outros, o "DN", a "TSF" e o "JN" e "O Jogo". Enquanto esta operação se mantém num impasse, Mosquito vai concretizar a compra de 66,7% do capital da Soares da Costa por 70 milhões de euros. O empresário tem 12% do Banco Caixa Geral Totta e em Angola está em áreas como o imobiliário, o automóvel e o petróleo. Representa as marcas Audi e VW e um dos seus maiores clientes é o Estado angolano. Em Angola há quem o elogie e quem o questione, dizendo que não se lhe conhecesse um negócio que funcione. Já Álvaro Sobrinho, o rosto da família Madaleno (directa ou indirectamente através da Newshold), é dono do jornal "Sol", tem um contrato de gestão do "I", 15% da Cofina (proprietária do Negócios), 1% da Impresa ("Expresso e SIC) e 23,5% da SAD do Sporting. A Newshold comprou também 80% da Cofaco, uma empresa conserveira que tem marcas como o Bom Petisco. Sobrinho foi presidente executivo e não executivo do Banco Espírito Santo da Angola, de onde saiu em conflito nunca assumido publicamente com o BES.

B
Banca. Os angolanos têm interesses fortes na banca nacional. Assim, Isabel dos Santos controla 19,5 % do capital do BPI e 25% do BIC Português e BIC Angola, dois bancos que têm uma estrutura accionista similar. O BIC Português é liderado por Mira Amaral, o BIC Angola por Fernando Teles. Américo Amorim também tem 25% destes dois bancos. O BIC comprou o BPN ao Estado português no final de 2011 por 40 milhões de euros. Já o general Manuel Hélder Vieira Dias (Kopelipa) detém 10,19% do banco BIG. O maior destaque vai para o BCP, onda a Sonangol é a maior accionista (19,5%) e outra empresa angolana, a Interoceânico, possui 2,6% do capital, alinhando posições com os brasileiros da Camargo Côrrea.
C
Carlos Silva. É o rosto da Interoceânico e presidente do angolano Banco Privado Atlântico (BPA). É também vice-presidente do BCP e tido como próximo de Manuel Vicente, actual vice-presidente da República de Angola. Está também ligado à Mota-Engil Angola, através de duas empresas, a Globalpactum e a Finicapital (empresas associadas da Sonangol e do BPA) Quanto foi apresentada em Portugal, em Fevereiro de 2011, a Interoceânico anunciou ter 75 milhões de euros para investir em sectores como o financeiro, agro-indústria e a energia. A Interoceânico, através da Finicapital, teve uma parceria com a Impresa em Angola através da qual nasceu a revista "Rumo". A publicação fechou em Janeiro de 2013, numa altura em que o semanário "Expresso" vinha noticiando investigações da justiça portuguesa a altura figuras de Angola.
D
Daniel Proença de Carvalho. O advogado é presidente não executivo da Zon, cujo maior accionista é Isabel dos Santos. Proença de Carvalho foi também um dos advogados que tratou da restituição de 150 milhões de dólares que Angola havia transferido para um advogado para comprar 49% do Banif. O caso iniciou-se em 1994, mas o Estado angolano só se considerou ressarcido em 2010. É um também um dos accionistas da Interoceânico. O advogado é igualmente presidente não executivo da Cimpor, dominada pela Camargo Corrêa, aliada da Interoceânico no BCP.
E
Escom. Empresa que o Grupo Espírito Santo acordou vender à Sonangol. O desfecho desta operação, acordada em 2010, tem-se arrastado. Pelo caminho a empresa viu-se sob investigação do DCIAP por causa do dinheiro envolvido na transacção. Entretanto, três gestores terão também sido constituídos arguidos no chamado caso dos submarinos. A polémica em torno da Escom faz também parte de uma "guerra" entre duas facções do poder angolano.
F
Filipe Vilaça Barreiros. É uma figura discreta que representa o general Kopelipa nos muitos negócios que este tem em Portugal, da banca aos vinhos, através da empresa World Wide Capital. É um apaixonado pelo desporto automóvel e costuma disputar provas ao volante de um Ferrari.
G
Galp. Tem dados bons dividendos mas é uma pedra no sapato dos investidores angolanos, Sonangol e Isabel dos Santos, que detêm indirectamente 15% da petrolífera portuguesa, a partir da posição de 45% que possuem na Amorim Energia. Esta 'holding', controlada a 55% por Américo Amorim, tem uma posição de 33,34% da Galp. Os angolanos sempre quiseram ter uma participação mais activa na gestão da Galp, mas Amorim tem-se constituído como um obstáculo a esta pretensão. Este é um dos motivos do seu mau relacionamento com Isabel dos Santos.
H
Higino Carneiro. Discreto, influente e muito rico. São-lhe atribuídos investimentos em Portugal nas áreas da hotelaria e restauração. Já foi ministro das Obras Públicas de Angola. É actualmente governador da província do Kuando Kubango. Terá perdido influência política.
I
Isabel dos Santos. É a empresa com investimentos mais elevados e notórios em Portugal. Concretizou agora a fusão da Zon com a Optimus, é accionista do BPI, do BIC e da Galp e a "Forbes" classificou-a como a primeira multimilionária africana. Além do casamento com a Optimus tem um acordo com a Sonae para implantar a cadeia de hipermercados Continente em Angola. O facto de ser filha do presidente da República, José Eduardo dos Santos, coloca-o sob constante escrutínio. Os seus defensores realçam os seus méritos como empresária e as suas apostas acertadas. Os seus críticos dizem que só chegou a este nível por ser filha de quem é.
J
José Eduardo dos Santos. É presidente de Angola desde 1979 e esta sua longevidade na liderança, a maior em África, diz praticamente tudo sobre o seu poder. Tem conhecimento, directo ou indirecto, de todos os investimentos em Portugal e tem sido, no interior do MPLA, um dos defensores da aproximação entre os dois países. O relacionamento a nível governativo melhorou significativamente a partir da chegada de José Sócrates a primeiro-ministro. O grande receio reside em saber se após a saída de Eduardo dos Santos, Angola conseguirá manter a sua estabilidade social e política.
K
Kopelipa. Nome pelo qual é conhecido o general Manuel Hélder Vieira Dias. Ministro de Estado e chefe da Casa Militar de José Eduardo dos Santos. A seguir ao presidente, será provavelmente a segunda figura mais poderosa em Angola. Em Portugal tem investimentos pessoais em imobiliário, avaliados em mais de 10 milhões de euros, quintas no Douro, e uma participação de 10,19% no banco BIG. Kopelipa é o homem em que José Eduardo dos Santos tem total confiança. E isto basta para ilustrar a sua influência.
L
Lopo do Nascimento. Foi primeiro-ministro, ministro e secretário-geral do comité central do MPLA. No início da primeira década do século XXI houve quem olhasse para ele como um figura credível que poderia congregar as elites descontentes com o Governo do país. Hoje é deputado eleito pelo MPLA. Em 2010 integrou um consórcio que adquiriu 49% da Coba, uma empresa portuguesa de consultoria em engenharia civil e ambiental. É actualmente presidente do conselho geral e de supervisão desta empresa
M
Mário Leite da Silva. Discreto. O economista que Isabel dos Santos foi resgatar aos quadros de Américo Amorim é o número dois da empresária angolana e uma pessoa da sua máxima confiança. Está, por exemplo, nas administrações da Zon, BPI e De Grisogono, uma empresa suíça de jóias e relógios que Isabel dos Santos comprou.
N
Noé Baltazar. Ex-presidente da Endiama e que manteve negócios no sector dos diamantes. É muito próximo de José Eduardo dos Santos e um dos muitos ilustres angolanos que comprou um apartamento no Estoril Sol Residence. A "Maka Angola" baptizou-o de "prédio dos angolanos". Lá têm casa, entre outros, José Pedro Morais (ex-ministro das Finanças), António Domingos Pitra Neto (actual ministro da Administração Pública), Álvaro Sobrinho (Newshold) e Teresa Giovetty, mulher do general Kopelipa.
O
Oloeoga. Empresa que se dedica à produção de azeite e que tem como accionista Monteiro Pinto Kapunga, deputado do MPLA eleito pelo círculo de Malanje. Em 2008 juntou-se ao elvense João Garção e investiram dois milhões de euros num lagar de azeite.
P
Paulo Azevedo. O seu pai, Belmiro de Azevedo, tinha dúvidas em relação a Angola. Paulo, se as tem, não as mostra. Aliou-se a Isabel dos Santos para fundir a sua empresa de telecomunicações, a Optimus, com a Zon, e também acordou com a empresária a instalação de hipermercados Continente em Angola. Isabel dos Santos criou a empresa Condis que terá uma participação de 51% neste projecto, ficando a Sonae com uma posição minoritária.
Q
Quintas. Quinta da Marinha, Quinta do Lago ou Quinta da Beloura. São três exemplos de empreendimentos imobiliários de luxo onde a elite angolana tem casa. Estes investimentos revelam o seu poder financeiro, mas são também um porto seguro caso a situação social e política em Angola se deteriore, em resultado do processo de sucessão de José Eduardo dos Santos.
R
Rafael Marques de Morais. O jornalista e líder do site Maka Angola é porventura o crítico do regime com maior notoriedade. Recentemente foi co-autor de um artigo publicado pela "Forbes" que atribui o enriquecimento de Isabel dos Santos a favores do pai. É autor do livro "Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola" e alvo de processos movidos por generais angolanos. A sua exposição mediática irrita solenemente a nomenclatura angolana.
S
Sindika Dokolo. Marido de Isabel dos Santos. É membro da administração da Amorim Energia. Possui a mais importante colecção de arte africana contemporânea, com cerca de três mil obras. É cada vez mais influente no círculo restrito de José Eduardo dos Santos.


T
Tobis. A empresa portuguesa produtora de cinema foi comprada por investidores angolanos em 2012, os quais pagaram ao Estado português sete milhões de euros. A Tobis foi adquirida pela Filmdrehtsich , detida a 100% por uma sociedade com sede em Angola, a Berkeley Gestão e Serviços, cujos accionistas se desconhecem. Em 2007, Pepetela, um dos mais aclamados escritores angolanos, havia publicado um livro intitulado "O Terrorista de Berkeley, Califórnia". A participação da Berkely foi posteriormente comprada pela Elokuva, também angolana. A Filmdrehtsich tem como gerente Maria Pereira Vinagre.

U
Unitel. É a principal empresa de telecomunicações de Angola. Isabel dos Santos é accionista de referência e a PT tem uma participação de 25%. Com a fusão Zon/Optimus esta aliança será certamente reavaliada. O processo de separação terá tanto de natural como de demorado.

V
Viauto. Empresa de comércio automóvel que Manuel Hélder Vieira Dias "Júnior", filho de Kopelipa, comprou em 2012 à Santogal, do Grupo Espírito Santo. Representa em Portugal as marcas de luxo Ferrari e Maserati.
W
Welwitschia. Nome de baptismo de Tchizé dos Santos, filha de José Eduardo dos Santos. Em 2012 comprou 30% da Central de Frutas do Painho, através da empresa Goodness Country. Esta empresa é uma organização de produtores de pêra rocha do Cadaval, região de onde é originário o seu marido, Hugo Pêgo.
X
xadrez. A maior parte dos investimentos angolanos são feitos através de várias empresas que partilham accionistas. Um autêntico jogo.
Y
YUAN. Moeda simboliza as relações fortes entre a China e Angola, dois países que têm um peso determinante no PSI-20: a China através da EDP, Angola com posições diversas.
Z
Zon. Isabel dos Santos tornou-se accionista maioritária da empresa e depois lançou-se no processo de fusão da empresa com a Optimus. A Zon é uma das estrelas cintilantes na constelação dos seus interesses no sector das telecomunicações.

Passos Coelho: da ambição de poder à vocação para a ditadura



Miguel Urbano Rodrigues


É difícil expressar o que senti ao acompanhar o programa da RTP em que Passos Coelho respondeu a perguntas de 20 cidadãos convidados por aquela emissora de televisão.

Alguns camaradas tendem a ver no atual Primeiro-ministro uma caricatura de Maquiavel sem a inteligência do autor do Príncipe.
Não os acompanho. A sua intervenção no referido programa permitiu-me confirmar a opinião que formei do político e do homem.

É minha convicção de que não pretende enganar o povo porque não tem consciência do papel que desempenha no exercício do poder político.

Passos faz-me recordar aquilo a que a escritora sionista estadunidense Hannah Arendt chamou a banalidade do mal no seu livro sobre o julgamento de Eichmann. Mas, diferentemente dos carrascos nazis que de consciência tranquila praticavam rotineiramente crimes medonhos cumprindo ordens, o Primeiro-ministro julga-se investido de uma tarefa histórica. É ele quem, a serviço de um poder estrangeiro, elabora o plano para a execução dos crimes de que é vitima o povo português. Sente orgulho como intermediário.

Vê-se como um predestinado incumbido da missão de salvar a pátria do atoleiro em que se encontrava quando, por via eleitoral, recebeu as insígnias do poder politico.

Admito que não tem a noção do mal que semeia.

A ideia que faz de si próprio melhorou provavelmente com a autoavaliação do seu desempenho no indecoroso programa, montado pela RTP para lhe envernizar a imagem que projeta através da resposta a perguntas quase todas inofensivas. A maioria, formulada por cidadãos sem experiencia política, incidiu sobre temas. pontuais ou locais. Quase não foi questionado sobre a governação catastrófica da equipa a que preside, tendo Portas por lugar-tenente.

Registei apenas duas exceções: a primeira e a última perguntas.

A primeira incidiu sobre as suas insanáveis contradições e incoerência: incumprimento de compromissos assumidos, e o hábito banalizado de impor hoje o que na véspera garantia que jamais faria. Na última perguntaram-lhe se acredita ter condições mínimas para se manter à frente do governo apos o desastre a que conduziu o país.

A ambas as questões respondeu eufórico, como um irresponsável. Aproveitou a primeira, para, numa pirueta, ignorando-lhe o conteúdo, repetir o seu bolorento e monocórdico discurso sobre os benefícios futuros da sua política de austeridade. O auditório (100 cidadãos selecionados pela RTP) teve de ouvir a lengalenga sobre os «sacrifícios» e a forma compreensiva (na sua opinião) como o povo os aceita, a sua certeza de que o país está a caminho de vencer a crise. Manifestou alegria por indicadores fantasistas sobre a diminuição do desemprego e o crescimento da economia e a iminência de investimentos que(afirma) irão em breve chover sobre Portugal,etc,etc.

A última pergunta ofereceu-lhe a oportunidade de esboçar o autoelogio ditirâmbico da sua governação.

Foi categórico sobre a sua permanência no poder. Claro que fica. Conforta-o a certeza de que um dia, talvez não distante, o povo, finalmente grato, reconhecerá o significado histórico da sua obra.

Não é homem de dúvidas. Falou com a altivez de Júlio Cesar ao dirigir-se ao Senado no regresso triunfal a Roma depois de ter derrotado Pompeu em Farsala. Parecia, pela fogosidade, assumir o orgulho de Cromwell ao prever no Parlamento britânico que as suas reformas seriam o alicerce da futura grandeza da Inglaterra.

A VOCAÇAO PARA A TIRANIA

Como é possível termos chegado a este pantanal, perguntam hoje, angustiados mas perplexos, milhões de portugueses. Como pôde esse homem e a sua equipa de inimigos do povo semear tanta destruição em menos de dois anos?

Há políticos maléficos, mas que são dotados de uma grande inteligência.

Não é o caso de Passos. Além de inculto, é pouco inteligente. Mas não se apercebe da sua pequena dimensão humana e intelectual. Crê, repito, que está a fazer grandes coisas.

Ao fechar o televisor, meditei sobre a farsa a que tinha assistido.

Em Portugal cresce agora, a cada dia, a indignação provocada por uma política de desprezo pelo povo trabalhador, política que arruinou o pais e tripudia impunemente sobre direitos e garantias constitucionais.

O protesto nas ruas e lugares de trabalho adquiriu caracter permanente, abrangendo camadas da população que tradicionalmente não participavam em greves e manifestações. Mas essa rutura de mecanismos de alienação não é generalizada.

A tomada de consciência das massas brota da conclusão, filha do sofrimento, de que isto não pode continuar como está, pelo que é urgente correr com este governo de pesadelo.

O alargamento da frente de luta é ainda, contudo, insuficiente. Uma parcela ponderável da população não participa da mobilização contra o monstruoso sistema de poder implantado no país.

A comunicação social, controlada pela engrenagem do grande capital, em vez de contribuir para ascensão das lutas populares, cumpre um papel desmobilizador. Os jornais ditos de referência, a televisão e a radio criticam com displicência a obra devastadora de Passos & Companhia, mas não lhe contestam a legitimidade para a prosseguir.

Nesse jogo de astucias, o papel dos comentadores e analistas políticos -quase todos gente ligada ao poder- favorece a tendência de faixas importantes da população para aceitar com resignação, quase como fatalidade, a destruição do país.

Muitos cidadãos que condenam e desaprovam o desgoverno permanecem passivos. Cruzam os braços perante um suposto inelutável. Estabelecem clivagens entre os ministros. Alguns surgem-lhes no quotidiano como pessoas normais, ate bondosas.

Esses portugueses que assistem sem participar são, afinal, iludidos pela banalidade do mal.

Já lembrava Cervantes no Dom Quixote que a diferença entre el cuerdo y el loco é menos transparente do que muita gente imagina. Em muitos casos não é facilmente identificável.

Os inimigos do povo, encastelados no governo, recolhem os benefícios do conformismo de milhares de portugueses.

Comtemplar esse bando de políticos a tal como é e não como, mascarado, se retrata e exibe, tornou-se hoje, uma necessidade.

Contrariamente a Portas, perverso e maléfico, mas dotado intelectualmente- Passos, repito, é pouco inteligente.

Não consegue sequer disfarçar o seu pendor para métodos autocráticos. Abomina a Constituição, desrespeita-a, viola-a com frequência. Desejaria poder despedaçá-la, revogá-la, mas não pode.

Enche diariamente a boca com a palavra democracia, apesar de incompatível com ela.

Há algo de patológico na personalidade deste primeiro-ministro.

Identifico nele uma frustração indisfarçável por não estar ao seu alcance governar no quadro institucional do regime para o qual está vocacionado: a ditadura!

Vila Nova de Gaia, 10 de Outubro de 2013

Miguel Urbano Rodrigues

Biografia:


Miguel Urbano Rodrigues foi redactor do Diário de Notícias entre 1949 e 1956, chefe de redacção do Diário Ilustrado (1956 e 1957), antes de se exilar no Brasil, onde foi editorialista principal de O Estado de S. Paulo (1957 a 1974) e editor internacional da revista brasileira Visão (1970 a 1974). Regressado a Portugal após a Revolução dos Cravos, foi chefe de redacção do Avante! em 1974 e 1975 e director de O Diário entre 1976 e 1985. Foi ainda assistente de História Contemporânea na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1974-75], presidente da Assembleia Municipal de Moura em 1977 e 1978, deputado à Assembleia da República pelo PCP entre 1990 e 1995 e deputado às Assembleias Parlamentares do Conselho da Europa e da União da Europa Ocidental, tendo sido membro da comissão política desta última. Tem colaborações publicadas em jornais e revistas de duas dezenas de países da América Latina e da Europa e é autor de mais de uma dezena de livros publicados em Portugal e no Brasil.



A lição do Jornal de Angola

por Luís Menezes Leitão
Descrição: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhUUGEWLdXLL3cN8RgeamZQT0FQoHYPvEZO6PlPlljjxM-uVpPhttMmswK1ZIMmj_OhUGhFrF9AmH_mRx_0ZUuwsLQsxslsYp77F5yjfFY9N7nSPvSkDYl54qZfYBD-pem4tjefZ3Xf7Co/s320/Cartoon+Novo+Jornal.jpg
Eu até acho que o Jornal de Angola dá uma lição aos portugueses, demonstrando quão apreciado foi o servilismo do Ministro Machete por aquelas bandas.


E acrescenta mais:

"Portugal está no centro de uma grave crise social e económica sem fim à vista.

O Estado Social que nasceu com a Revolução de Abril tem sido friamente destruído pelas elites reinantes.

Os fundos de coesão da CEE foram desbaratados por cleptocratas insaciáveis que à sombra de partidos democráticos se comportaram como vulgares ladrões sem sequer se disfarçarem com colarinhos brancos. (…)

Face ao esvaziamento dos cofres públicos, até as pensões e reformas dos idosos são confiscadas.

Milhares de jovens quadros são obrigados a procurar em países estrangeiros o pão nosso de cada dia (…).

As elites portuguesas famintas de dinheiro entraram em desvario.

À medida que a crise aperta, eles disparam em todas as direcções, atingindo por vezes membros do bando.

À medida que a “troika” drena milhares de milhões de euros para os bolsos dos credores, as elites reinantes ficam sem cheta e tornam-se mais agressivas".

Para mal dos nossos pecados, esta é presentemente a imagem de Portugal no mundo: um país onde até os dias marcantes da sua história deixaram de ser comemorados, já que o único objectivo nacional é deixar contentes os nossos credo
Depois de o Ministro dos Negócios Estrangeiros ter "pedido diplomaticamente desculpa" a um Estado estrangeiro pela actuação do Ministério Público português, num país em que a separação de poderes é princípio constitucional, o Governo bem podia fechar para obras. Ponham cá uma comissão liquidatária da troika que faz perfeitamente o trabalho de destruir o nosso Estado. E pelo menos poupava-nos a vergonha.

Felicidade Pública (7): A cultura faço-a eu!


“Porque me vestem com roupas emprestadas?”, Macbeth, William Shakespeare (I, iii, 109-110).

A filósofa norte-americana Susan Neiman, no seu livro O Mal no Pensamento Moderno: para uma História Alternativa da Filosofia, descreve o terramoto de Lisboa de 1755 como a razão que levou ao fim do optimismo na cultura ocidental.

Justifica com o fato do mal – seja natural, como o representado pelo terramoto, ou o moral, como o corporizado em Auschwitz ou Hiroshima – ameaçar a razão humana, desafiando assim a nossa esperança de que o mundo faça sentido. O terramoto foi um evento dramático da nossa história nacional que deixou, portanto, uma pesada pegada cultural, em nós e no resto do mundo.

Ao reler esta perspectiva histórica voltei a encarar a aparente dicotomia paradoxal e ondulante na retórica da nossa cultura, que parece tão marcadamente nossa: entre o acreditar e o não acreditar no futuro, entre o optimismo e o pessimismo, entre a vitimização e o desenrascanço, num “vai-se andando” de existências que não se expõem aos extremos, e que receiam afirmar-se, assim tricotando a nossa cultura de hoje.

Como regra, o português não tem a coragem decidida de dizer que está bem ou muito bem, nem que está totalmente mal, como confirmamos no estudo que fizemos com o Instituto da Felicidade: navegamos nas águas não comprometidas dos 50%, do “mais ou menos”, da desresponsabilização, de uma assumida ausência de compromissos sobre o que sentimos ou o que esperamos ser. Tentamos passar pela vida assépticos, sem nos “sujarmos”, receosos, escondidos, sem posições deliberadas. Defesa da neutralidade? Preferência medrosa por emoções estéreis? Quem sabe se resquícios e fantasmas de um fascismo que ainda nos consome a existência coletiva.

Não me comprometo. Ponto. Prefiro o silêncio à escolha resolvida e demarcada. Elejo a neutralidade na existência. Nem sim nem não. Não arrisco. O inferno são mesmo os outros. Aliás... Estas roupas são emprestadas, nem são minhas...

Mas se a cultura é de facto feita de silêncios – o que decidimos omitir, o que ignoramos, o que desleixamos, o que descartamos – é também feita de palavras, que preenchem os nossos espaços relacionais. É igualmente da qualidade e sofisticação dos nossos discursos privados e públicos que se faz cada cultura, a qual é executada nas escolhas gramaticais, nas frases quotidianas, às vezes repetidas ad nausium. Como uma névoa corrosiva, as palavras e as frases que oferecemos ou impomos, mas não pensamos, os silêncios que não medimos ou que usamos intencionalmente para manipular, criam mundos e casulos de que somos autores, sem nos darmos por donos – porque isso era assumir um risco que os “mais-ou-menos” da vida repugnam.

Mergulhados na cultura, deixamos de ver para além dela. O horizonte fixa-se na distância milimétrica dos nossos olhares míopes. As rotinas ensurdecem-nos. Habituados ao som, não somos capazes de ouvi-las. Estamos tão dentro das nossas próprias formas culturais – as quais manufaturamos a cada minuto – que acabamos exilados delas.

Quer experimentar pensar no que já fez recentemente pela nossa cultura?

Relembre o que já disse hoje.

Que palavras usou para falar de si, da vida, do futuro, dos colegas, dos políticos, dos seus amores, dos media, do passado, do que está a ser este dia?... O que calou, o que preferiu suprimir?

Se calhar já hoje disse “Vai-se andando...”, ou começou frases por “Não...”, quando a seguir ia concordar com o que estava em discussão. Ou neste dia em que falamos já iniciou qualquer tipo de conversas, mesmo sobre o bom da existência, por expressões como “O problema é...”, mostrando que acredita, e leva outros a acreditar, que a vida é isso mesmo: uma sucessão imparável de problemas, sem dar tempo a fôlegos recuperadores, assim nos impedindo a todos uma vitalidade rejuvenescedora – até mesmo quando falamos do positivo.

Provavelmente já referiu hoje, com muito ênfase: “É tudo muito complicado!” e assim espelhou a vida com perplexidades desanimadoras, que minoraram as oportunidades; como quando disse a um filho que com esforço atingiu um sucesso: “Não fizeste mais do que a tua obrigação”.

É possível que já hoje tenha generalizado as experiências mais desagradáveis (“Nunca estás quieto”; “Este meu colega é sempre tão agressivo!”; “Não tens jeito nenhum para matemática”) e desacreditado as boas (“Uhm...Está-me a elogiar? Deve querer qualquer coisa...Esta palmadinha nas costas traz água no bico...”). É provável que já hoje tenha falado de alguém “pelas costas”, mas tenha fugido a ser frontal em algo que precisava dizer-lhe.

Que complexidades gramaticais e emotivas tem a nossa cultura!

Por um lado não nos comprometemos, pugnando pela flacidez das posições ou pelo silêncio bem calado; por outro guiamos a vida e a cultura em direção a micro-apocalipses, enviesando a existência, dissimulando responsabilidades, consolidando formas cinzentas de viver. Quantas vezes não mutilamos aspirações com a forma como nos expressamos, ou não nos desresponsabilizamos porque evitamos emocionar-nos na vida publica? Quantas vezes também não delimitamos o publico e o privado, separando a vida como se os afetos fossem algo impossível de coexistir com a ciência, a política, ou a economia? Porque serão certos sentimentos aceites e valorizados na esfera privada e julgados irrelevantes ou até chocantes na esfera publica, convidando-nos a sectarismo artificiais e ao consequente amorfismo social e cultural?

Uma explicação possível é a de que a consciência de nós mesmos em contexto, como parte de um todo, membros vivos de um coletivo, nos tenha sido estripada: convenceram-nos que aquilo que somos como pessoas em privado em nada se liga como o que somos como cidadãos; que o que se passa nos nossos discursos íntimos em nada alimenta uma cultura.

Aliás, como todos aprendemos, o bom profissional deixa em casa as emoções... até porque não se pode mostrar vulnerável...

Numa economia de mercado, dizem Oskar Negt e Alexander Kluge, a exclusão sistemática da experiência vivida é critica à sua manutenção e à vantagem do discurso político.

Defendo por isso que é perigoso para a cultura e para a democracia que continue assim.

Esta semana vivi na pele e no coração a integração harmoniosa destas artificiais dicotomias. Em discussões públicas dos trabalhos dos alunos finalistas do Executive Master em Psicologia Positiva Aplicada a decorrer no ISCSP da Universidade de Lisboa, fui testemunha de micro-transformações culturais e novas gramáticas, que uniram o público e o privado: uma juíza do Ministério Público a descrever um programa da sua autoria para potenciar o amor perante casos de violência doméstica; uma técnica de serviço social a apresentar empolgada os resultados fascinantes de um projeto que fez com mais três colegas para a promoção da consciência das virtudes e forças pessoais em jovens delinquentes sobre a alçada da justiça; uma professora portadora de nanismo acondroplásico a falar de maior bem-estar das pessoas com esta característica genética face ao comum dos cidadãos, uma historiadora a descrever o valor de longevidade de pessoas de idade avançada do interior sul do país que voltam a ter verdadeiro sentido de comunidade...

Discursos decididamente posicionados, afetivos, diria mesmo apaixonados, pessoal e profissionalmente mesclados, que mostram propostas ontológicas e epistemológicas complementares à cultura vigente, e por isso mesmo, arquitetam cultura.

E não são mudanças soltas nem insignificantes. No seu recente livro Emoções Politicas: Porque é que o Amor é importante para a Justiça, Martha Nussbaum faz o estudo dos discursos, da retórica e do enquadrar das Emoções Públicas para dar sentido ao que se passa na esfera coletiva e na sociedade civil. Crente de que os sentimentos mobilizam certas trajetórias – politicas, culturais, humanistas – a autora defende a relevância da promoção das emoções, e neste caso particular do Amor, como forma de reavivar as múltiplas mortes anunciadas das nossas existências conjuntas. Sem amor, diz-nos, não há políticas democráticas bem oleadas nem justiça social. Sim: unir a política e as políticas a emoções como o amor.

Receio que o amassar da cultura pelas nossas próprias mãos – tal como, queiramos ou não, fazemos todos os dias – se continuar a ser feito esterilmente, sem nos comprometermos, e sem consciência do nosso poder, se arrisque a transformar numa forma de controlo social e ideológico, poderosa, invisível e acrítica, uma espécie de autoridade moral, perigosamente e inconscientemente feita por cada um de nós a cada instante. Seremos assim autores de textos culturais anónimos: uma espécie de névoa corrosiva que serve de proteção psicológica, que parece dizer: “Detesto a nossa cultura...mas não me considero parte dela. São os outros que a fazem”.

Com uma cultura sonsa, dissimulada e não consciente, lesamos a possibilidade de novas linguagens e gramáticas de vida, e submergimos o poder da transformação. Seremos todos colonizadores, mas continuaremos a sentir-nos como população indígena, maltratados pela cultura, que acreditamos que nos é externa.

Poderemos continuar a sentir-nos vítimas, claro, mas creio antes que nos cabe ser expoentes de uma liberdade criativa no fazer culturas, aquela liberdade que detestam os decisores e burocratas das certezas. Se estes não forem tempos para sermos irreverentes, subversivos e criativos, se não for o momento para cultivar emoções escolhidas e cruzar privado e público, se não for a altura para tomarmos posições comprometidas, então quando será?

A cultura somos nós. Comecemos por isso com a dúvida – que Jorge Luis Borges diz ser outro nome para Inteligência – e reconheçamos o nosso papel na viragem para outra forma de existir em cultura. Porque a cultura consciente arranca de nós uma dimensão existencial escondida, uma voz abafada, que temos que gritar, alto, cada vez mais alto. Precisamos de mais demarcação, de mais afetos e de mais consciência para tornar a vida coletiva de novo real, visível e vivível. Devemos isso à história.

Permita-me que lhe pergunte: o que está disposto(a) a gritar em voz bem alta?

Helena Marujo é professora universitária no ISCSP/UTL. A autora escreve ao abrigo do acordo ortográfico.

Referências:
Neiman, S. (2004). Evil in Modern though: an alternative history of Philosophy. Princeton: Princeton University Press.
Instituto da Felicidade: http://cocacola.pt/institutodafelicidade/
Negt, O., & Kluge, A. (1993). Public Sphere and Experience: Toward an Analysis of the Bourgeois and Proletarian Public Sphere. Minneapolis: University of Minnesota Press.
Nussbaum M. (2013). Political Emotions: Why Love Matters for Justice. Harvard: Harvard University Press.