Carlos Fiolhais 6 de Janeiro de 2022
O processo de independência do Brasil principiou quando D. Pedro, o príncipe português e regente do Brasil, ao receber no Rio de Janeiro em 9 de Janeiro de 1822 uma petição popular para que não abandonasse o país como queriam as Cortes, decidiu ficar. O dia permaneceu como “dia do Fico”, dada a resposta categórica do regente: “Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto. Digam ao povo que fico!” A independência tem o seu símbolo maior no grito “Independência ou morte” lançado por ele a 7 de Setembro do mesmo ano nas margens do riacho Ipiranga em São Paulo. Mas só se consumou com a sua aclamação como imperador do Brasil a 12 de Outubro de 1822, no Campo de Santana, no centro do Rio de Janeiro, hoje Praça da República, posição de que haveria de abdicar em 1831 (pelo meio foi rei de Portugal, sob o nome de D. Pedro IV, por dois meses em 1826).
A independência, alcançada de forma assaz original no seio da monarquia colonizadora, não levantou conflitos de maior com a ex-colónia, embora o reconhecimento formal do novo país tenha tardado. O pai de D. Pedro I, D. João VI, havia regressado em 1821 a Lisboa depois do longo exílio a que as invasões napoleónicas o tinham forçado, para, a 1 de Outubro de 1822, jurar a primeira Constituição portuguesa. Há quem diga que a independência brasileira foi combinada entre pai e filho…
O “patriarca da independência” do Brasil foi um cientista e jurista brasileiro, José Bonifácio de Andrada e Silva, primeiro aluno e depois professor da Universidade de Coimbra. A ele se deve a descoberta, em 1800, de minerais de lítio, embora este elemento químico, agora tão falado por causa das baterias, só tenha sido identificado mais tarde. O achamento ocorreu em trabalho de campo na Suécia, mas o mineralogista escusava de ter ido tão longe, pois, sabemos hoje, Portugal é abundante em lítio. Bonifácio, que em 1821 foi nomeado ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino, exerceu uma influência decisiva sobre o jovem D. Pedro, que só tinha 24 anos quando foi aclamado. Porém, a relação entre ambos em breve se deteriorou. O cientista exilou-se em França, onde se dedicou à poesia, só regressando ao Brasil em 1829. Feitas as pazes com o soberano, foi nomeado tutor do príncipe brasileiro, o futuro D. Pedro II, para mais tarde voltar a cair em desgraça. Bonifácio tem uma imponente estátua em Nova Iorque, oferecida pelo governo brasileiro, mas nenhuma entre nós. Em Coimbra há uma avenida com o seu nome, mas a casa onde morou, perto dessa via, não está bem conservada.
Foi para assinalar o primeiro centenário da independência do Brasil que Sacadura Cabral e Gago Coutinho partiram de Lisboa a 30 de Março de 1922 no hidroavião Lusitânia. Haveriam de alcançar o Rio de Janeiro a 17 de Junho, depois de duas trocas de aeronave derivadas de avarias: primeiro mudaram para o Pátria; e depois para o Santa Cruz. A viagem demorou dois meses e meio, mas o voo foram dois dias e meio. O então presidente da República português, António José de Almeida, escreveu, empolgado, quando soube da segunda troca de avião: “jamais um paladino venceu, com menos honra, uma batalha, em virtude de, durante ela, mudar de cavalo”. O feito emocionou a nação. A Ilustração Portuguesa chamou-lhe “um beijo através do Atlântico”. E Vitorino Nemésio, então caloiro em Coimbra, escreveu ardentes versos patrióticos no seu livro Nave Etérea, “em memória do descobrimento do caminho celeste para o Brasil”.
Em 2 de Outubro deste ano terá lugar o “primeiro turno” das eleições presidenciais no Brasil. Espero que a vaga de insatisfação cresça, arredando o actual presidente de um cargo em que não está à altura da bissecular história.
Sem comentários:
Enviar um comentário