Marcelo, Cavaco e MontenegroO referendo à regionalização voltou a marcar passo depois de Luís Montenegro ter considerado uma "irresponsabilidade" a consulta popular que António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa já tinham concordado fazer em 2024. O volte-face do novo líder do PSD é só mais um numa longa lista de 30 anos de piruetas sobre um tema que divide e a que não escapam os antigos primeiros-ministros Cavaco Silva e José Sócrates.A madrugada de 28 de Julho de 1994 marcou a mudança de posição de Cavaco Silva. Até então, o primeiro-ministro eleito com a regionalização no programa sempre dissera ser "a favor". Contudo, após uma longa reunião de madrugada na sede do PSD, argumentou o oposto. Afinal, a criação de regiões "aumentaria as desigualdades e as assimetrias" e criaria "uma nova e vasta classe política".
A imagem daquela reunião da Comissão Política do PSD na São Caetano à Lapa, contada agora pelo então ministro Arlindo Cunha, é digna de um filme sinistro. Já de madrugada, depois de falhar a luz, as poucas velas existentes iluminavam os apoiantes do "sim" e do "não" numa discussão tensa. "O grande antirregionalista que convenceu o Cavaco e a Comissão Política foi o Dias Loureiro. Aliás, naquele tempo havia os nogueiristas e os loureiristas. Eu tenho a honra de ser dos nogueiristas", diz Arlindo Cunha, referindo-se a Fernando Nogueira.
A divisão não era saudável e havia que votar a posição do partido (e do Governo). Contadas as espingardas, o "não" venceu por apenas um voto e deixou descontente o ministro da pasta, o regionalista Valente de Oliveira. O líder da JSD, que à data era Pedro Passos Coelho, também não saiu satisfeito: "Exprimimos uma opinião contrária". Entre 2011 e 2015, como primeiro-ministro com maioria absoluta, Passos Coelho voltaria a estar condicionado, desta vez pelo parceiro de Governo, o CDS-PP de Paulo Portas, convicto opositor desta reforma.
PERIGOSO OU INESTIMÁVEL?
Com um voto a ditar a posição contra do PSD em 1994, a regionalização estava adiada, mas o assunto voltaria a ser tema no famigerado referendo de novembro de 1998 que Marcelo Rebelo de Sousa venceu pelo "não" , contra o primeiro-ministro António Guterres.
"Os votantes do "não" cumpriram uma missão histórica, poupando a Portugal um erro inútil, insensato e perigoso", disse o então líder do PSD. Já como presidente da República, 23 anos mais tarde, em 2021, Marcelo mudava de posição e considerava a regionalização "um serviço inestimável a Portugal", desde que fosse feita com "visão, sensatez e consenso nacional". As palavras a favor da reforma foram proferidas perante os autarcas no congresso da Associação de Municípios. Tinha acabado de ser aprovada, sem votos contra, uma moção favorável ao referendo em 2024. No entanto, o referendo cairia por outra via, a de Montenegro.
Sem consultar os autarcas do PSD, o novo líder rasgou a anuência dada pelo seu antecessor (Rui Rio, que até tinha sido pelo "não" em 1998) e declarou o referendo "uma irresponsabilidade, uma precipitação e um erro". O arrojo foi criticado por autarcas como Ricardo Rio que falou de "um processo morto".
As notícias da morte do processo remontam a pelo menos 2011, quando Miguel Relvas apelidou o primeiro-ministro José Sócrates de "coveiro da regionalização". O socialista defendera em 2009 que o processo era "indispensável e urgente", mas dois anos depois disse que "as circunstâncias económicas e políticas não favorecem este movimento". A exigência legal de dois terços do Parlamento para aprovar a lei-quadro que precede o referendo inviabiliza o avanço imediato, tal como em 1994 e 2009. Porém, como mostram os últimos 30 anos, os partidários do "sim" não querem que a história acabe já.
Reforma prevista na lei há 46 anos
A Constituição da República Portuguesa diz, desde 1976, que "as regiões administrativas são criadas simultaneamente, por lei, a qual define os respetivos poderes, a composição, a competência e o funcionamento dos seus órgãos". Desde 1997 que o referendo é obrigatório.
Contra
Quem está contra a regionalização argumenta que ela irá criar mais cargos políticos, como os governos e parlamentos regionais, o que aumentaria a despesa pública. Há ainda quem defenda que as regiões não favorecem a unicidade do Estado português e que o combate ao centralismo pode ser feito apenas por via da descentralização. Argumentam, ainda, que em momento de crise económica ou internacional não deve ser perdido tempo com esta reforma do Estado.
Favor
O principal argumento a favor da regionalização é o combate ao excessivo centralismo do Estado. Entendem que um poder de decisão próximo favorece a resolução dos problemas e fomenta o crescimento económico, motivo pelo qual o crescimento económico da Galiza em relação ao Norte de Portugal é um exemplo muito usado. Rebatem o argumento do aumento dos gastos com a eliminação de cargos intermédios que formariam os governos regionais e frisam que só há oito países na Europa sem regiões e são os mais pobres, incluindo Portugal.
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