Que pena eu tenho de não ter chegado a tempo do “reality show”! Dispara Tito Zagalo, mal nos encontramos em jantar de amigos. Augusto Zagalo (Tito), professor respeitado de uma universidade da costa Leste dos EUA e português até ao cerne da negação do novo acordo ortográfico, veio por duas semanas. Família, amigos, comida de inverno, frio de rachar em casas mal preparadas num país que se gaba do bom clima, tudo isso, afinal, o atrai. Mais a inevitável intriga política.
Menino, aquilo que eu vi e li da saga do BES, apesar da inexperiência dos questores, da duração excessiva de perguntas e respostas, da desfocagem temática constante, do humor chocarreiro, fez-me lembrar Watergate! Sim, meu caro, mas um Watergate de segunda ou terceira! Não há por cá nenhum presidente a destituir, nem nenhuma nação a erguer o seu moral. Puro “show”, audiências elevadas e uma mina para as televisões pouparem nos enlatados e encaixarem na publicidade. Diz-me Tito amigo, do que ouviste ou leste, admites que se venha a conhecer a verdade, nua e crua? Meu caro, já recebemos a parte da verdade a que tínhamos direito: a destruição do banco BES, o novo banco a servir de cobaia de um inexperimentado dispositivo da União Bancária, a resolução pelos concorrentes, naturalmente mais interessados em dividir despojos do que em viabilizar um competidor. Claro, prossegue Tito, se o novo banco pensa levantar a cabeça, que se desiluda! Será mantido em vida artificial apenas o tempo necessário para a doação de órgãos do cadáver anunciado. O que mais me impressiona neste processo é a imediata partidarização: a direita apostada em defender o Governo e depois de alguma hesitação, o próprio regulador e a esquerda apostada em tanto os atacar que corre o risco de parecer apoiar o banqueiro. As segundas figuras dividem-se entre os que enterram Salgado e os que o defendem. Olha que ele não precisa de aliados, respondi, viste bem como se preparou e blindou a sua defesa? Um verdadeiro profissional. Mesmo o desabafo contra o familiar adverso, cansaço à primeira vista, dez horas de tensão, não foi mais que a indicação de um “arrependido”. Sim, responde Tito, mas pode sair-lhe cara a denúncia.
O pior de tudo, prossegue Tito, foi o levantar do véu sobre financiamentos eleitorais e outras proximidades. Já imaginaste, se o actual Presidente tivesse a possibilidade de aceder a terceiro mandato, como seria suculenta a campanha contrária?
Notei ouvidos atentos ao nosso diálogo, preferi mudar de tema. Que me dizes à prisão de Sócrates? Muito chocado, responde Tito. Nos Estados Unidos, se Gerry Ford não tivesse indultado Nixon, a instituição presidencial estaria em risco. Ford foi muito criticado, mas agiu bem, para prevenir um mal maior. A situação aqui é diferente, respondi: Sócrates está apenas indiciado, nem sequer acusado, a prisão preventiva, embora o pareça, não é tecnicamente uma pena, Sócrates não precisa de ser perdoado, quer apenas defender-se; nada de substantivamente criminoso se conhece, associado a condutas suas, a fazer fé no que os jornais têm destilado, furando o tal “segredo de justiça”. Pois é, responde Tito, como nada se sabe, nada se confirma, fervem os boatos. Imagina, mal cheguei, disseram-me ao ouvido que o pêndulo punitivo avançaria agora sobre a direita! Pois olha, respondi, a mim garantiram que continuaria a atacar à esquerda. Vá-se lá saber!
Deves ter razão, Tito amigo. Mas olha que o governo não levanta voo: não acerta uma proclamação estatística, seja na emigração, seja no emprego, seja na economia. Até com a privatização da TAP. O Memorando da Troika refere que “o plano tem como objectivo uma antecipação de receitas de cerca de 5,5 mil milhões de euros até ao final do programa, apenas com alienação parcial prevista para todas as empresas de maior dimensão”. É certo que mais adiante admite “ir mais longe, prosseguindo uma alienação acelerada da totalidade das acções da EDP e da REN, e tem a expectativa que as condições de mercado venham a permitir a venda destas duas empresas, bom como da TAP, até final de 2011”. Pois é, responde Tito, eu sei que o governo anterior não se comprometeu a privatizar toda a TAP, mas apenas parte e já se ultrapassou a meta de encaixe para abater à dívida. Se houver condições de mercado, nada haverá a opor a que se aliene parte dela, como previsto. Aliená-la toda, mesmo que o mercado oferecesse condições financeiras excepcionais, seria pura servidão ideológica. A TAP vendida na totalidade perderia encaixe na balança de transacções correntes, cortaria um terço dos postos de trabalho, provavelmente deslocaria o seu centro de operações para fora do País, faria perder muitos milhões de receita fiscal nacional, e destruiria uma das últimas bandeiras de Portugal no Mundo. Sabes, quando estamos fora e viajamos em outras companhias, entramos nos nossos aviões e sentimo-nos já em casa.
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