E frisa: "Este ano vai ficar na história, daqui a 15 anos os historiadores olharão para ele como um ano de charneira por causa dos casos judiciais. Estamos num processo mais longo, que se desenrolará ao longo de cinco ou sete anos, que tem muita importância e gravidade, no sentido de gravitas."
Este momento de "charneira" surge numa época em que o país está em sintonia com a Europa. Vive "um processo que começou há 10 ou 15 anos", interrompendo o ciclo iniciado "na Segunda Guerra e que durou até à viragem do século". Barreto precisa que "a segunda metade do século XX foi um período de aprofundamento da democracia, de progresso no universo das mulheres, dos jovens, etc., os últimos 40 ou mesmo 50 anos foram de progresso do nível de vida e da igualdade de direitos".
“Não conheci, em tempos de paz, na história democrática, como isto. Há o caso italiano das Mãos Limpas, em que houve dois ou três ministros presos [...]. [Há] em Portugal uma dimensão de corrupção que põe em causa o sistema”
Ora, no actual século assistimos a "uma inversão desse processo", de que faz parte "o predomínio de governos de direita", assim como o facto de "o mundo do trabalho estar a perder poder e voz, os partidos de esquerda perderem voto e influência, a parte inferior da classe média perder poder", sustenta. A Europa vive um período em que "o movimento de alargamento da democracia parou", defende, frisando que, "mesmo antes de 2008, já há uma transferência de rendimentos de classes médias para os mais ricos, dos países mais pobres para os mais ricos, através dos juros das dívidas públicas e dos programas de austeridade, do trabalho para os detentores da produção, do mundo produtivo para o mundo financeiro". E afirma: "Algumas das causas democráticas estão a perder, como a da centralidade do trabalho para a economia. Até no mundo da cultura e das artes há perda e é um mundo que está sem capacidade."
Degenerescência do sistema
O sociólogo, que viveu ele também uma mudança de vida este ano, ao deixar a presidência da Fundação Francisco Manuel dos Santos, alerta que o ano de "2014 em Portugal tem de ser visto neste quadro". Um país a viver um momento de mudança que "é um processo duro e difícil", que este ano viu serem revelados "os grandes casos que são manifestações da degenerescência do sistema político". A saber: o caso dos submarinos, o caso José Sócrates, o caso Duarte Lima, o caso Face Oculta, o caso dos vistos gold, o caso Monte Branco e a derrocada do Grupo Espírito Santo. Como se a crise e a austeridade, o empobrecimento e a degradação política expusessem a corrupção.
Barreto é peremptório ao defender que "só um novo poder político pode levar a cabo uma reforma" ENRIC VIVES-RUBIO |
Um novo poder
Barreto é peremptório ao defender que "só um novo poder político pode levar a cabo uma reforma". E explica que "se houvesse sinais de formação de um novo poder político, com bases ao centro, e esse poder político se propusesse reformar a Constituição, o sistema eleitoral e sistema judicial", o país encontraria um caminho. Mas, o sociólogo afirma que o actual sistema político "só pode pensar em reformar coisinhas na Constituição ou na lei eleitoral".
“A crise é, assim, também do nosso capitalismo, que não está à altura. Há dinheiro árabe, angolano e chinês. […] O dinheiro não tem cheiro nem nacionalidade, mas são dinheiros frescos, que compram e não investem”
Quanto a 2014, foi tempo perdido. "A austeridade trouxe uma direita com poder político real, que podia mesmo reforçar-se com a legitimidade da troika", mas que levou a "um resultado em que mais importante que o aumento da desigualdade e da pobreza, o mais sério é a incapacidade da direita de formar um novo poder político". Uma capacidade que não sabe se a esquerda tem, isto porque "António Costa poderá tentar conversar com o BE, o PCP e o Livre, mas isso não resulta", pois "o PCP não faz parte do futuro do sistema político português, o PCP é um grande protagonista da resistência, não o é da democracia".
Barreto clarifica que fala em "novo poder e não novo regime, porque as pessoas perguntam logo se o novo regime é democrático ou não, monárquico ou republicano". Mas explica que a esse novo poder político "competiria recuperar o sistema político e o sistema constitucional, sem pôr em causa, antes preservando e protegendo a democracia, que é, na essência, a liberdade dos cidadãos".
E lembra que "a missão de um sistema constitucional é isso mesmo, preservar a liberdade dos cidadãos e a democracia". A esse novo poder, defende, caberia "um longuíssimo trabalho de organizar o poder do Estado, os poderes periféricos de Estado, o corpus da Justiça, já que, remata: "O sistema judicial vive em auto gestão, tem que se rever o actual modo em que as decisões estão apenas nas mãos dos senhores juízes e dos senhores magistrados."
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