quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Criatividade, corporativismo e multidões

11 Dezembro 2014, 16:21 por Robert Shiller


O crescimento económico, tal como o conhecemos há muito tempo pelo trabalho de economistas como Robert M. Solow do MIT, é maioritariamente determinado pelo conhecimento e inovação e não apenas pela poupança e acumulação de capital. Em última análise, o progresso económico depende da criatividade. É por isso que o medo de "estagnação secular" nas actuais economias avançadas tem levado muitos a questionarem como a criatividade pode ser impulsionada.

Um argumento proeminente nos últimos tempos tem sido que o que é mais necessário é estímulo económico keynesiano – por exemplo, gastos deficitários. Ao fim ao cabo, as pessoas são mais criativas quando estão activas, não quando estão desempregadas.

Outros não vêem ligação entre os estímulos e um dinamismo económico renovado. Tal como a Chanceler alemã Angela Merkel recentemente afirmou, a Europa precisa de "coragem política e criatividade, em vez de milhares de milhões de euros".

Na verdade, precisamos de ambos. Se vamos encorajar o dinamismo, precisamos de estímulos Keynesianos e outras políticas que encorajem a criatividade – particularmente, políticas que promovam instituições financeiras sólidas e inovação social.

No seu livro de 2013 "Mass Flourishing", Edmund Phelps defende que precisamos de promover "uma cultura que proteja e inspire a individualidade, a imaginação, a compreensão e a auto-expressão que impulsionam a inovação nativa". Phelps acredita que a criatividade tem sido silenciada pela filosofia pública descrita como corporativismo e que, só através de uma reforma completa das nossas instituições privadas, financeiras e outras, a individualidade e o dinamismo podem ser restaurados.

Phelps salienta que o pensamento corporativo tem tido uma longa e consistente história, desde Saint Paul, autor de 14 livros do Novo Testamento. Paul usou o corpo humano (corpus, em latim) como uma metáfora para a sociedade, sugerindo que uma sociedade saudável, tal como num corpo saudável, todos os órgãos devem ser preservados e a nenhum é permitido que morra. Enquanto doutrina das políticas públicas, o corporativismo passou a significar que o Governo deve defender todos os membros da sociedade, quer sejam indivíduos ou organizações, apoiando as empresas à beira da falência e protegendo os empregos existentes, de igual forma.

De acordo com Phelps, o Papa Leão XIII defendeu uma visão corporativa na sua Carta Encíclica "Rerum Novarum" em 1981 e o Papa Pio XI amplificou estas ideias na sua Carta Encíclica de 1931 "Quadragesimo Anno". Contudo, ao ler estes trabalhos, não encontro nenhuma declaração clara e persuasiva de qualquer doutrina económica, excepto em relação a noções básicas de justiça e caridade Cristã.

Na verdade, uma análise gramática aos livros mostra que o termo corporativismo começou a ser popular apenas depois de meados de 1930 e alcançou uma ampla corrente nos anos 1970’s e 1980’s. O termo parece ter sido usado mais regularmente pelos cítricos, muitas das vezes para denunciar a obsoleta filosofia Fascista, ou por aqueles que exaltavam por um novo "corporativismo".

Seguramente, os fundamentos do pensamento corporativo persistem nos dias de hoje. As pessoas que poderão não salientar que o Governo deve proteger as empresas à beira da falência ou os trabalhadores despedidos, ainda assim têm afinidades ideológicas que podem levar muitas vezes aos mesmos resultados.

Historicamente, um importante estímulo para o pensamento corporativista foi o livro "The Crowd" de 1895 de Gustave Le Bon, que criou os termos "psicologia de massas" e "mentalidade colectiva". Para Le Bon, "um indivíduo numa multidão" – não só multidões enfurecidas nas ruas, mas também outros grupos de pessoas psicologicamente interconectados – "é um grão de areia entre outros grãos de areia, que o vento agita à vontade".

Le Bon acreditava que as multidões precisavam de líderes fortes, de modo a distanciá-los da sua loucura natural e transformá-los em civilizações de esplendor, vigor e brilhantismo. Tanto Mussolini como Hitler inspiraram-se no seu livro e incorporaram as suas ideias nas ideologias Fascista e Nazi; e essas ideias não morreram com esses regimes.

Ainda assim, a palavra "multidão" assumiu um significado completamente diferente – e valência política – no nosso século. A contribuição das massas e o financiamento colectivo criaram novos tipos de multidões, do género que Le Bon nunca poderia imaginar.

Tal como Le Bon enfatizou, as pessoas não conseguem facilmente fazer grandes acções enquanto indivíduos. Precisam de agir em grupo, dentro de organizações que redireccionem a psicologia das multidões, facilitem a criatividade e sejam lideradas por pessoas íntegras.

Qualquer tecnologia organizacional, contudo, está sujeita ao erro e requer experimentação. Quando o Wikipedia, enquanto contribuição das massas, começou em 2001, o seu sucesso não foi óbvio. Mesmo um dos seus fundadores, Jimmy Wales, achou-o um pouco difícil de acreditar: "é de certa forma surpreendente que possa abrir um website e deixar as pessoas trabalhar".

Quando o Jumpstart Our Business Startups (JOBS) Act, que facilitou verdadeiros financiamentos colectivos de empresas, foi assinado pelo Presidente Barack Obama em 2012, também foi uma experiência. Muitos críticos disseram que iria resultar na exploração de investidores ingénuos. Ainda não sabemos o quanto isso é verdade, ou quão bem a experiência irá resultar. Mas se o JOBS Act não for bem-sucedido, não deveríamos esquecer a ideia, mas sim tentar modifica-la.

Em última análise, precisamos de instituições económicas que de alguma forma promovam acções criativas consertadas de um grupo alargado de pessoas de todo o mundo. Não deverão ser instituições corporativas, dominadas por líderes centrais, mas devem derivar o seu poder das acções fluídas das multidões modernas.

Algumas dessas acções terão de ser disruptivas, porque a dinâmica das organizações poderá levá-las além da sua utilidade. Mas terá também de haver continuidade suficiente, de modo a que as pessoas possam confiar as suas carreiras e futuros a tais organizações. Reconhecer a necessidade de experimentar e desenhar novas formas de organizações económicas não deverá significar o abandono da justiça e da compaixão.

Robert J. Shiller, laureado Nobel da economia em 2013 e Professor de Economia na Yale University, é co-autor, com George Akerlof, de "Animal Spirits: How Human Psychology Drives the Economy and Why It Matters for Global Capitalism".

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

Tradução: André Tanque Jesus

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